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Terra é vida para os povos indígenas: (Suicídio indígena em Mato Grosso do Sul)

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Eduardo Martins (Docente adjunto IV – História – UFMS).

Ailson do Carmo de Souza (Mestre em História – UFGD).

“Os índios não podem impedir a passagem do progresso […] dentro de 10 a 20 anos não haverá mais índios no Brasil”. (Ministro Rangel Reis – Janeiro de 1976).

“Suicídio cresce no Brasil em 11 anos; população indígena lidera índice”, UOL[1]. Não se deve começar um texto com uma citação, mas fizemos em razão de ser sintomática do que pretendemos discutir nesse ensaio. A epígrafe é uma fala de um Ministro de Estado, homem forte da ditadura militar e sua visão, ou melhor, a visão do Estado brasileiro sobre os povos indígenas! Para assim buscar ilustrar o papel que os aparelhos de Estado cumpriram e ainda cumprem contra os indígenas. E isso vai justificar o tema central aqui desenvolvido; o suicídio entre alguns povos indígenas de Mato Grosso do Sul, especificamente da região de Dourados.

Não obstante a trágica temática, destacamos inicialmente as atuações firmes dos movimentos políticos indígenas, inclusive, com vozes e votos internacionais; atuações do Acampamento Terra Livre em Brasília, dentro das Assembleias e, hoje uma Ministra mulher indígena no recém-criado Ministério dos Povos Indígenas, Sónia Guajajara, atuante a favor do seu povo, também a luta do Conselho Indigenista Missionário de MS (CIMI-MS). E talvez, o mais importante, o resgate da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) ao empossar uma presidenta indígena Joenia Wapichana[2]. São elementos que contribuem na complexa e intrincada rede de prevenção e combate ao suicídio.

Advertência. Queremos deixar claro que o tema é, além de sensível, muito específico de áreas de estudo da saúde pública – saúde mental e de políticas públicas com altos investimentos demandando verbas públicas e, atuação de profissionais sérios/as e bem preparados/as. Sabemos, ainda, que é uma seara perigosa de se adentrar para escrever, por isso fazemos em nível estrito no âmbito de fornecer elementos históricos que possam dar melhor entendimento e subsídios para reflexões sobre episódios vistos a partir da perspectiva sócio-histórica desse fenômeno que deitam raízes na sua historicidade de violência contra as populações indígenas, levando-os a sérios traumas sociais e culturais no presente, como possível crise de identidade, carência de cultura enraizada, saberes, fazeres e visão de futuro ofuscada, casos de extrema pobreza material e, sobretudo, casos de alcoolismo entre jovens. Trazemos aqui dados empíricos e científicos embasados nos relatos de falas de algumas autoridades indígenas da região de Dourados-MS[3].

Atentos à historicidade do fato em destaque na matéria recém-publicada: os altos índices de suicídio entre as populações indígenas. Vamos nos reservar a analisar o caso específico da população existente no Estado de Mato Grosso Sul, região do Brasil em que moramos atualmente e acompanhamos de perto algumas situações, além dos noticiários – município de Dourados-MS, a realidade vivida por três etnias: Guarani, Kaiowá e Terena.

O município de Dourados-MS comporta uma das maiores reservas indígenas do país com uma população de 13.473 mil pessoas [IBGE, 2022] distribuídas pelas três etnias acima citadas, numa área de 3,5 mil hectares. Cada família recebe em média 1 hectare, equivalente a um quarteirão. Uma família indígena precisa de 30 hectares (30 quarteirões da cidade) para plantar, colher, caçar e, assim, garantir sua subsistência, portanto, os indígenas de Dourados deveriam estar em um território de 108 mil hectares, ou seja, 30 vezes maior do que aquele onde vivem atualmente. Cabe, ainda, ressaltar que a reserva indígena de Dourados é uma das maiores em população do Brasil e uma das menores em área demarcada.

Ao andar pelas ruas desse município vemos jovens indígenas maltrapilhos, em situação de penúria vagando pelas ruas “sem eira nem beira”, via de regra, alcoolizados. Não obstante, os trabalhos sempre atuante e pontual dos caciques, rezadores, professores/as e demais lideranças sérias e competentemente no combate contra todas as formas de violência que teimam em surgir dentro da aldeia, seja por jovens e/ou adolescentes embriagados, ou por quaisquer outros motivos.

Voltando ao objeto central desse artigo, o suicídio indígena, e nossa visão como historiadores, buscamos nos amparar em documentos/documentários que revelam alguns motivos dessa fatalidade entre eles. Neste caso trazemos o exemplo da população Guarani e Kaiowá da aldeia Kurusú Amba, localizada no município de Coronel Sapucaia, região de Dourados-MS – fronteira entre o Estado de Mato Grosso do Sul e o Paraguai. A fala do cacique Eliseu Pereira Lopes, revela que, a extrema violência do Estado, aqui como um aparelho todo; poderes executivo e legislativo municipal, estadual e, até mesmo, o poder judiciário, com sua enorme morosidade em demarcar suas terras, ocasionando as contínuas invasões e ataques perpetrados contra suas vidas e suas terras, a mando das elites locais, praticados por capangas, jagunços e milícias particulares, por vezes, com o apoio das polícias, conforme revela os vídeos arrolados nesse texto.

Diante desse quadro de constante violência advém uma espécie de impotência em muitos jovens e adolescentes com sintomas de depressão, ou outros quadros de saúde mental comprometida, por conseguinte falta de perspectivas em relação a um futuro mais plausível, conforme relato de lideranças indígenas expostas no artigo.

A realidade acima descrita na matéria é preocupante e tem raízes ancestrais. Desde a concessão feita por Dom Pedro II [1882] para a empresa Matte Laranjeira explorar os vastos campos de erva mate localizada nessa região indígena, considerada “terra devoluta”, segundo a Lei de Terras de 1850 e, portanto, não reconhecendo a propriedade das terras aos povos originários que nela viviam há milênios. Depois o Estado criou em 1910 o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) com o objetivo de reuni-los em Postos de Atração, instalados para arregimentá-los num único lugar; órgão de tradição sertanista, logo violento contra os indígenas. Em seguida a instalação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) em 1943 de âmbito federal, com a intenção de “integrar” os indígenas à “civilização” brasileira – leia-se; torna-los dóceis e úteis para servirem de mão de obra precarizada ou semi-escravizada, essa Colônia trouxe para a região inúmeros migrantes e distribuiu deliberadamente entre eles as terras indígenas.

O avanço da criação de gado e especulação fundiária sobre as terras indígenas Guarani, Kaiowá e Terena, foi realizada com extrema violência armada. Os esbulhos eram feitos em nome do avanço de um tipo de civilização que exigia a derrubada das matas nativas para a venda da madeira de altíssima qualidade aqui existente como a  peroba e o ipê, e vendidas para os grandes centros e para a Europa, além de limpar o terreno para formar pasto bovino e especulação da terra, como foi o caso de Nova Andradina-MS, [anos de 1940-1950] onde o então pecuarista e especulador fundiário Antonio Joaquim de Moura Andrade, desta feita, vai “adquirir” imensas porções de terras no chamado Vale do Ivinhema, território do povo indígena Ofaié. Segundo consta o Decreto governamental nº 683 datado de 20 de novembro de 1924 e assinado pelo então vice-governador do Estado de Mato Grosso Dr. Estevão Alves Correa reservava 3.600 hectares de terras para o povo indígenas Ofaié onde hoje é o município de Nova Andradina. Coincidentemente com um ano pré-eleitoral [1953] os decretos de doação das terras foram misteriosamente revogados pelo governador Fernando Costa Correa e quatorze (14) contratos de arrendamentos de terras foram anunciados, embora as áreas concedidas nem sequer tivessem sido discriminadas, segundo Alcir Lenharo, citadas meu livro “Ofaié” (2022);[4] diz ainda que as leis estaduais e federais foram lenientes com os fazendeiros/especuladores imobiliários e cruéis contra os povos indígenas donos das terras.

A situação acima narrada é comum para todo Estado de Mato Grosso, atualmente Mato Grosso do Sul, [criado no ano de 1977] em que todas as fontes e estudiosos das etnias aqui existentes são unânimes em dizer que Estado, União, fazendeiros, poder legislativo e judiciário foram coniventes com a expropriação das terras, uso da violência, escravização dos indígenas, estupro de meninas, entre outras formas cruéis de ataques etnocida e violações dos direitos humanos. Citado no Relatório da Comissão Nacional da Verdade, item seis, em que o Estado brasileiro é condenado por praticar uma política de genocídio contra os povos indígenas, para fins de apropriação das suas terras durante a ditadura militar[5]; (MARTINS, 2022).

Foi necessário, por força de ofício, ter prolongado um pouco na descrição histórica e retroagido em épocas pouco remotas; julgando necessário para revelar que algumas situações ainda estão em andamento, como é o caso das retomadas das áreas indígenas e a demarcação das suas terras de uso e de posse ancestrais. É a situação dos Guarani e Kaiowá de Tacuru-MS e de Dourados-MS. Situações em que o Estado teima e demora demarcar e dar posse da terra aos indígenas abrindo brechas para que os latifundiários, por meio dos seus “funcionário” (capanga e jagunços) abram fogo, à bala e outras táticas e armamentos de intimidação e violência. Além de jogar venenos na soja ao lado das aldeias causando doenças e até levando a morte de crianças, velhos e outros indígenas é o que diz o cacique da aldeia Kurusú Amba, também o rezador da aldeia Jaguapiré senhor Luiz Velario Borvão (VESTÍGIOS DO BRASIL, 2019).

Apesar da matéria de um grande jornal, UOL, revelar que o número de suicídios são mais alto entre as populações indígenas e liderar os índices, as falas dos caciques trazem novos alentos em relação aos trabalhos sérios que são feitos nas aldeias na prevenção contra esse tipo de acometimento trágico. Mais uma vez trazemos a fala do cacique Eliseu Pereira revelando a atuação constante junto ao seu povo, também a fala do líder do Povo Guarani e Kaiowá Tonico Benites, antropólogo, liderança Kaiowá (povo da floresta) referendando o que dissemos anteriormente: diz que desde o ano de 1900 com os primeiros contatos da extração da erva mate – até 1940 – os Guarani ainda continuavam em suas terras, contudo, com o avanço agropastoril surgirão os conflitos a partir de 1950 – os fazendeiros passam a se apropriar, perseguir e expulsar os indígenas das suas terras. O documentário supracitado sobre o Relatório Figueiredo menciona que a violência vem desde a instalação do Posto de Atração Indígena, cita a corrupção, prevaricação, escravização e violência contra os Guarani e Kaiowá por parte de servidores do Estado brasileiro, funcionário do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – extinto em 1967 e substituído pela Funai.

A Lei de Terras de 1850 negou os povos indígenas o reconhecimento das suas terras. Os fazendeiros chegavam aos territórios com os documentos de compra; perseguindo os indígenas e/ou se apropriando deles como trabalhadores, bem como das suas criações – porcos, galinhas, cavalos, etc. Durante o regime da República, na ditadura militar (1964-1985) as reservas indígenas receberam ordens de estabelecer hierarquia militar nas aldeias e criaram a figura do capitão em detrimento aos chefes tradicionais, numa constante onda violência e violações aos direitos humanos; prisões sem formação de culpa, torturas, trabalho forçado, entre outros abusos.

Segundo fala do indígena antropólogo e liderança Guarani “a esperança de recuperar suas terras para viver mais dignamente e sair dessa vida, para salvar, por exemplo, os jovens do estado de suicídio – os jovens querem viver bem, querem viver outra vida, quer ter seu espaço.” “Hoje a gente vive numa situação de miséria longe da nossa terra. Muito de nós já não temos mais esperança de viver bem. Então, isso que leva muitos de nós a cometer suicídio”. Fala de liderança Kaiowá da aldeia Sassoró em Tacuru-MS.

Terra é vida para os povos indígenas: (Suicídio indígena em Mato Grosso do Sul)
Imagem 1 – Placa da Aldeia Indígena Jaguapiré – FONTE: (Vestígios do Brasil, 2019).

Segundo fala do cacique Ismael Vargas da aldeia Jaguapiré – “Esperamos por muito tempo. Não temos nem roça, nem trator, nem instrumentos gerais para trabalhar na roça. É por isso que nosso jovem pensa em destruir a vida dele”.

O estudo ofertado nas aldeias, por professores e professoras indígenas faz parte da ampla rede de dignidade humana, “onde por meio do estudo já formaram mestre e doutores e de prevenção contra o suicídio”, diz a liderança.

Segundo fala do antropólogo acima citado: “Hoje já existem 10 áreas recuperadas onde não acontecem suicídios […] A Jaguapiré e outras áreas que já foram recuperadas não tem caso de suicídio”. Em 2012, os Kaiowá comemoraram 20 anos da retomada da aldeia Jaguapiré.

Imagem 1 – Placa da Aldeia Indígena Jaguapiré

FONTE: (Vestígios do Brasil, 2019).

Segundo fala da Antropóloga Vanessa Caldeira (documentário “Krenak”)[6] “Você sair do seu território, onde você está conectado espiritualmente, ali tem uma proteção, tem vínculo ao rio, as grutas, as ilhas, tudo ali é permeado por um conhecimento sacralizado. Isso interrompido de forma bruta e violenta. Longe das suas terras você não tem os espíritos que te ensinam como viver”.

Sobre a retirada forçada do povo indígena Krenak das suas terras pela ditadura militar e levado para uma terra estranha, improdutiva e sem qualquer ligação com a natureza de antes, podemos inferir uma apropriação desta fala para refletir também sobre violência à qual os povos indígenas Guarani e Kaiowá da Região de Dourados são submetidos. Violência da perda do seu território; hoje vivem confinados em pequenos aldeamentos. A mesma violência da ditadura militar foi usada contra o povo indígena Ofaié da Aldeia Anodi em Brasilândia-MS quando retirou essa população das suas terras, jogando-os na carroceira de um caminhão e levando-os para viver junto aos Kadiwéu antigo desafeto. O motivo foi o mesmo, tomar suas terras para os fazendeiros locais.

Segundo o senhor Carlos Roberto Euzébio Narciso[7], conhecido como Carlinho, funcionário da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com aproximadamente 40 anos de contato com as comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul,  – Diz que em dezembro de 2023, foi chamado para mais um atendimento que envolvia morte de pessoa indígena. Dessa vez, como em tantas outras já atendidas, um caso de suicídio. Uma jovem de apenas 14 anos, da etnia Guarani, moradora de uma das aldeias de Dourados, foi encontrada sem vida, e os sinais indicavam que ela tirou sua própria existência por enforcamento. Carlinhos relata que já viu muitos casos, e com pessoas de todas as idades, “mas não dá para se acostumar” diz o servidor que nos últimos anos, “os casos têm diminuído”, mas “ainda continuam a acontecer essas perdas de vidas”.

Para a cultura dos Kaiowá, assim como para muitas outras culturas dos povos originários, a vida não se resume à existência biológica, ela é um conjunto de intensas relações com o meio ambiente, as manifestações da natureza e as diversas formas de vida. É algo tão forte, que não faz sentido falar em vida sem essa interação. É o que depreendemos ao analisar algumas situações dos povos Krenak, Guarani, Kaiowá e Ofaié.

Quanto a este aspecto da relação simbiótica do povo Kaiowá com o meio ambiente em que vivem, escreveu Wenceslau e da Silva (2011, p.10): “Entendemos que o espaço-território se configura como um espaço indissociável das relações entre os Kaiowá, na comunidade indígena da Reserva Indígena de Dourados (RID), fazendo a compreensão do todo e considerando a interdependência entre natureza e a ação humana entre as pessoas e o ambiente em que vivem. Nascidos e criados nas condições que as reservas indígenas lhes proporcionam (um espaço de confinamento), muitos dos que são levados ao suicídio nunca tiveram noção da complexidade histórica do problema, mas, são “especialistas” no que sentem e sobre suas consequências”.

É permanente o conflito entre o patrimônio cultural imaterial dos povos Guarani e Kaiowá e a sua realidade material. É um conflito que não há paridade de armas, ficando os membros dessas etnias, vulneráveis e dependentes das ações e políticas de Estado que omissa e/ou apaniguadas dos fazendeiros locais “agro”. Mas também de especuladores imobiliários como é o caso de uma grande construção de imóvel residencial de alto luxo em uma área considerada indígena, novamente o jornal UOL[8] estampa o seguinte título em letras garrafais “Condomínio de luxo trava após conflito na maior reserva indígena do país”, e abaixo condena os indígenas com a seguinte frase “Uma construtora de Dourados (MS), a 200 km de Campo Grande, interrompeu obras para erguer um condomínio de luxo devido a um conflito com o povo guarani-kaiowá. Nove indígenas estão presos desde 8 de abril por terem se recusado a deixar o terreno”. A linguagem é ideológica e escreve para o seu público elitista, além de muito distante da realidade usa o termo “conflito”; -nunca é um conflito quando as armas da luta são desiguais. Sempre tendenciosa à direita política, em defesa da burguesia local e maliciosa, segue a matéria acusando e penalizando os indígenas: “Os indígenas ocuparam o local em 7 de abril e foram presos pela PM na manhã seguinte. Eles alegam que o terreno da obra, assim como outras áreas no entorno, pertence à Reserva Indígena de Dourados”. Segue na sua narrativa parcial: “No papel, o terreno pertence a uma família que se associou à Corpal Incorporadora, responsável pela obra. A área está tomada atualmente por chácaras privadas”.  E, por fim, entrevista um representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – órgão ligado à Igreja Católica de base que luta em prol da causa indígena. Matias Rempel, coordenador do Conselho Indigenista Missionário em MS. “Hoje, a reserva está completamente insustentável. Você tem um contingente enorme de pessoas em pouco espaço. É uma aglutinação insana, que dificulta cada vez mais a agricultura, por exemplo.”

O fenômeno do suicídio, morte biológica do corpo, é uma das partes mais visíveis do problema, e, portanto, uma das mais chocantes em um complexo sistema de opressão que ceifa as várias dimensões da vida como os povos indígenas a compreendem.

Segundo a especialista na temática do suicídio, escritora e psicanalista Paula Fontenelle (2017), responde ao jornal “El País” que “Quem quer se matar, não quer terminar com a vida; quer acabar com a dor”. A partir desse entendimento, o suicídio se apresenta como uma estratégia instintiva de fuga.

Fuga do sofrimento, de uma dor que, independentemente de ser compreendida ou não, tem suas raízes históricas, esse foi o objetivo desse artigo, revelar que o passado de opressão dos povos Guarani e Kaiowá de Dourados e região ao aparecer nas estatísticas do “UOL” conforme anunciamos no início do texto, ou nas matérias de telejornais nacionais, ou estampados em jornais escritos, carece ser lido enquanto um grito de desespero contra a extrema violência física e simbólica à qual foram/são submetidos desde o século XIX, pelo menos, com o avanço agropastoril nesta região de fronteira com a República paraguaia; avanço da empresa Mate Laranjeira, fazendeiros, desmatamento, criação da Colônias Agrícolas Nacionais (CAND), projeto varguista “Marcha para o Oeste” e finalmente, a ditadura militar. Foram-se ai mais de um século de agressões e assassinatos que quase redundou no etnocídio dessas populações indígenas que aqui sempre habitou as florestas.

No apagar das luzes quando este texto, finalmente, estava sendo enviado para publicação o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, Lula, Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras (PT) e a Ministra dos Povos Originários Sônia Guajajara acabam de demarcar seis (6) Territórios indígenas, acompanhado pelo Movimento Terra Livre. Serão oficializadas as seguintes terras indígenas: 1) Arara do Rio Amônia (AC), do povo Arara; 2) Kariri-Xocó (AL), do povo Kariri-Xocó, 3) Rio dos Índios (RS), do povo Kaingang, 4) Tremembé da Barra do Mundaú (CE), do povo Tremembé, 5) Avá-Canoeiro (GO), do povo Avá-Canoeiro e 6) Uneiuxi (AM), do povo Maku Nadëb. Lula é sabedor que a terra é vida para os povos indígenas, sabe ainda que a melhor forma de combater o suicídio entre esse povo é devolvendo-lhes suas terras.

REFERÊNCIAS

FONTENELLE; Paula. “Quem quer se matar não quer terminar com a vida; quer acabar com a dor” | Brasil | EL PAÍS Brasil (elpais.com) in: www.elpais.com/brasil/2017/04//politica. 30-04-2017.

KRENAK – DOCUMENTÁRIO Disponível em: https://assista.itauculturalplay.com.br/ItemDetail. Acesso em 27 fev, 2023.

MARTINS, Eduardo. OFAIÉ: Eu estou na estrada – Hägaté te tahfwa (Nova Andradina e Vale do Ivinhema). Campo Grande: Life, 2022.

MOURA, Sarah Alves. Suicídio cresce no Brasil em 11 anos; população indígena lidera índice – Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2024/02/23/estudo-suicidios.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 27 fev, 2024.

NARCISO, Carlos Roberto Euzébio. Entrevista em 27-02-2024.

NEVES, Rafael. Condomínio de luxo trava após conflito na maior reserva indígena do país. Disponível em:  https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/04/16/conflito-construtora-indigenas-guarani-kaiowa-ms.htm?cmpid=copiaecola.Acesso em 29 fev, 2024.

RELATÓRIO Comissão nacional da verdade. Violações aos Direitos dos Povos Indígenas Introdução: a doutrina de segurança nacional e a ideologia integracionista contra os povos indígenas. Relatório – Tomo I – Parte II – Violações aos Direitos dos Povos Indígenas. Disponível em; http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/downloads/I_Tomo_Parte_2_Violacoes-aos-direitos-dos-povos-indigenas.pdf. Acesso em 29 fev, 2024.

TAVARES, Jeane Saskya Campos. Suicídio na população negra brasileira: nota sobre mortes invisibilizadas. Revista Brasileira de Psicologia, v. 4, n. 01, 2017.

WENCESLAU, Marina Evaristo; DA SILVA, Walter Guedes. O espaço na comunidade indígena de Dourados–identidade e alteridade. Revista Geográfica de América Central, v. 2, n. 47E, 2011. p.10.


[1] https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2024/02/23/estudo-suicidios.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 23 fev, 2024.

[2] A nova presidenta da Funai tem bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e mestrado em Direito Internacional pela universidade do Arizona. Em 2008, ela recebeu o prêmio de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). A deputada pertence ao povo indígena Wapichana, a 2ª maior população indígena do Estado de Roraima. Em 1997, se formou em Direito pela UFRR (Universidade Federal de Roraima) e se tornou a 1ª advogada indígena no Brasil a atuar pelos direitos dos povos originários.

[3] Valho-me aqui como principal referência a série “Vestígios do Brasil” dirigida por Lucia Murat (2019). Episódios 4 e 6. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=zgDAtp-LQd4&list=PLx3dBrgFgCQfBMg0wp3Qj5-Ec9NNluaaU. Acesso em 26 fev, 2023.

[4] https://www.lifeeditora.com.br/loja/produto/ofaie-eu-estou-na-estrada-hagate-te-tahfwa-nova-andradina-e-vale-do-ivinhema/. Acesso em 01 mar, 2024.

[5] Essas violações dos direitos territoriais indígenas que, note-se, estavam garantidas aos indígenas na Constituição de 1934 (art. 129) e em todas as Constituições subsequentes, estão na origem das graves violações de direitos humanos – como a tentativa de extinção dos Xetá no Paraná, o genocídio dos Avá-Canoeiro no Araguaia e os sucessivos massacres dos Cinta Larga no Mato Grosso, relatados neste texto. Disponível em: http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/downloads/I_Tomo_Parte_2_Violacoes-aos-direitos-dos-povos-indigenas.pdf. Acesso em 29 fev, 2023.

[6] Disponível em: https://assista.itauculturalplay.com.br/ItemDetail. Acesso em 27 fev, 2024.

[7] Em conversa informal, por telefone, devidamente autorizada reprodução.

[8] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/04/16/conflito-construtora-indigenas-guarani-kaiowa-ms.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 29 fev, 2024.

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