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Julio Pompeu: ‘X da questão’

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Julio Pompeu (*) –

As coisas são como parecem ser. Não há nada por detrás das aparências. Nenhuma essência. Nenhuma verdade. O sentido está nos olhos de quem vê e não nas coisas vistas. As coisas são só coisas, nada mais. Esta é a filosofia de Edinho desde a faculdade. Ouviu coisas assim em uma aula do Curso de Comunicação. Foi libertador para ele. Sempre achou que estudava para iludir com propagandas. Que a essência da publicidade era a mentira. Sentia-se mal com isso. Mas sem sentido, essência ou verdade, também não há mentira. Há só a mensagem, o que ela aparenta e a grana que se ganha com isso.

Tornou-se referência em marketing digital. Começou trabalhando para gente mais velha e endinheirada que ele, mas que mal sabiam ligar o próprio celular. Inteligente, dominou a lógica dos algoritmos que decidem o que o ingênuo que navega pelas redes vai receber na tela. O coitado acha que escolhe o que vê. Acha que tem liberdade só porque tem uma conta numa rede social igual a de sujeitos ricos e poderosos. Mas vê o que o algoritmo escolhe, e não é visto sem que o algoritmo escolha exibi-lo.

Dois candidatos a vereador procuraram Edinho para estas eleições. Completamente diferentes. Um de direita, outro de esquerda. Concorrentes pela mesma vaga. Edinho topou trabalhar para os dois. São concorrentes entre si, mas no bolso de Edinho a grana dos dois entra em harmonia.

O candidato de direita é um sujeito vaidoso, mas desprovido de bom gosto que fizesse jus à vaidade. É um tosco que se acha inteligente. Um brega que se acha chique. Vai dar trabalho, pensou Edinho, mas pode dar certo. No final das contas, ele é só uma imagem a ser empurrada tela a baixo do eleitor. Edinho sabe como fazer a imagem dele tornar-se atrativa para o algoritmo e ele é sem escrúpulos ou noção suficiente para fazer o que Edinho lhe sugere. “Pessoal quer ver barraco, treta. Você tem que arrumar confusão e passar a imagem de corajoso que luta, na prática, contra tudo isso que está aí. Arrume confusão com professor, médico, artista. Artista principalmente. Com cientista também, enfim, com qualquer um que realmente saiba alguma coisa ou tenha importância. Só não mexa com policial e pastor, por motivos óbvios”, resumiu Edinho a seu novo produto.

O sujeito de esquerda era um desafio. Tinha certeza de que todo mundo era iludido, menos ele e os que pensavam como ele. Queria explicar as coisas. Denunciar as hipocrisias, os contrassensos, os equívocos. Fazia longos discursos com paixão e uma ou outra ironia que deveria lhe dar alguma leveza. “Um chato”, resumiu Edinho. No mundo das redes, conta-se nos dedos as pessoas que buscam alguma verdade. Uns poucos angustiados, apenas. A massa quer esquecimento, mentiras confortáveis e algumas distrações para as vidas medíocres que vivem. Não querem saber, ver ou pensar em alguém assim. O algoritmo o quer menos ainda. Edinho até que tentou convencê-lo a entrar no jogo do algoritmo, tentou embrulhá-lo com os adornos que o público gosta. Mas não houve jeito que desse jeito. O sujeito acreditava na força da razão e na própria razão. “Vai perder, miseravelmente.”, sentenciou Edinho.

Edinho espera que os dois se ferrem. Mas que o paguem antes. Eleição é um jogo. Sempre foi. Mas as regras mudaram. Agora, tem o algoritmo. A comunicação da eleição já está decidida antes mesmo das eleições começarem. Sabe que o desfecho está traçado. E sabe que só ele e as plataformas de redes têm garantia de ganharem.

(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.

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