Presença de gás fosfina, produzido por bactérias que vivem em ambientes inóspitos, na atmosfera do planeta foi descoberta por equipe internacional
ientistas anunciaram nesta segunda-feira a descoberta de gás fosfina em Vênus, um forte indicador da presença de vida no planeta. As evidências foram publicadas no periódico científico Nature Astronomy. Na Terra, o composto químico é produzido por bactérias que vivem em ambientes com escassez de oxigênio, como é o caso da atmosfera venusiana.
— Eu fiquei muito surpresa. Estupefata, na verdade — afirmou a astrônoma e professora da Universidade de Cardiff, no País de Gales, Jane Greaves, que liderou os trabalhos.
A existência de vida extraterreste é um dos maiores questionamentos da ciência. A descoberta do gás fosfina em Vênus foi feita por um time internacional de cientistas no Telescópio James Clerk Maxwell, no Havaí, e confirmado por meio do rádiotelescópio Alma, no Chile. Esta é a primeira vez que este composto é descoberto em um planeta telúrico do Sistema Solar, a exceção da Terra. .
Covid-19: Imunidade adquirida contra o coronavírus tem vida curta, indica estudo
O gás, formado pela combinação de fosfato com três átomos de hidrogênio, é considerado altamente tóxico para seres humanos. A concentração encontrada na atmosfera de Vênus é de 20 partes por bilhão.
Jane explica que os pesquisadores avaliaram possíveis fontes não biológicas, como atividade vulcânica, meteoritos e diversas reações químicas, mas nenhuma pareceu viável. As pesquisas continuarão com o intuito de confirmar a presença de vida no planeta ou encontrar uma explicação alternativa.
Ciência: Pediatras alertam para sintomas da Covid-19 em crianças
— Com base no que sabemos sobre Vênus, a explicação mais plausível para a presença do gás fosfina, por mais fantástica que pareça, é a presença de vida — disse Clara Sousa-Silva, co-autora e astrofísica molecular do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA). — É preciso enfatizar, no entanto, que a hipótese de vida (extraterrestre) deve ser encarada como o último recurso. A descoberta é importante porque, se for o caso, isso significa que não estamos sozinhos e que a vida por si só pode ser muito comum. Pode haver vários outros planetas habitados em nossa galáxia.
Vênus é o planeta mais próximo da Terra. É similar em estrutura, embora ligeiramente menor, e é o segundo planeta mais próximo do Sol, enquanto a Terra é o terceiro. A atmosfera venusiana é tóxica e densa e retém o calor. A temperatura na superfície chega a 471°C, o suficiente para derreter chumbo.
Células ‘zumbis’: Entenda como o coronavírus ataca também o cérebro
— Nenhuma forma de vida poderia sobreviver na superfície de Vênus, que é completamente inóspita, até mesmo para bioquímicas completamente diferentes das nossas. Mas o planeta pode ter tido vida há muito tempo atrás, antes do efeito de gás estufa deixar a maior parte da superfície completamente inabitável — completou Clara.
Nuvens ácidas
A hipótese de vida em Vênus é antiga e já foi levantada por diferentes astrônomos como Carl Sagan, morto em 1996. Alguns cientistas desconfiam que as nuvens altas do planeta, cuja temperatura gira em torno de 30°C, pode reunir micróbios aéreos capazes de sobreviver à extrema acidez — elas são formadas em boa parte por ácido sulfúrico, que compõe 90% da formação destas nuvens. Micróbios terrestres não são capazes de resistir a esse nível de acidez.
— Se forem micro-organismos, eles poderiam ter acesso a alguma luz solar e à água e talvez vivam em gotículas de água, o que impediria a desidratação. Mas isso exigiria algum mecanismo desconhecido para protegê-los da corrosão — disse Jane.
Na Terra, micro-organismos que vivem em ambientes anaeróbicos, ou seja, que não dependem de oxigênio, produzem fosfina. Algumas bactérias absorvem fosfato e produzem o gás fosfina a partir da combinação com o hidrogênio.
O composto também pode ser produzido por plantas de esgotos, pântanos, plantações de arroz, sedimentos lagunais e também é encontrado nos excrementos e no trato digestivo de vários animais, incluindo seres humanos. O gás fosfina também pode ser gerado artificialmente em alguns procedimentos industriais.
Vênus deveria ser um planeta hostil ao gás fosfina, já que sua superfície e sua atmosfera são ricas em compostos de oxigênio que rapidamente reagiria e destruiria o elemento.
— Alguma coisa parece estar gerando a fosfina em Vênus de maneira tão rápida quanto a destruição do gás — disse outra co-autora do estudo, Anita Richards, astrofísica da Universidade de Manchester (Reino Unido).
Clara Sousa-Silva acredita que a relativa proximidade de Vênus, que já recebeu robôs da Nasa, pode facilitar as investigações científicas.
— Nós fizemos o melhor possível para explicar a descoberta sem a necessidade de ujm procedimento biológico. Com o nosso conhecimento atual a respeito da fosfina e de Vênus, bem como da geoquímica, não temos a resposta para a presença do gás nas nuvens do planeta. Isso não significa que há vida, necessariamente, mas que há um processo exótico produzindo fosfina, o que exige mais estudos — avaliou Clara. — Felizmente Vênus está ‘logo ali’. Podemos literalmente investigar localmente. (O Globo)