Política – 11/10/2009
Romantismo e amadorismo marcaram o processo de criação de Mato Grosso do Sul há 32 anos atrás, explica o renomado historiador e filósofo Hildelbrando Campestrini que não só viveu a atmosfera divisionista como defendeu o desmembramento. Hoje, data em que o Estado aniversaria, ele avalia que ainda se paga o preço pela falta de planejamento e pelas trapalhadas de lideranças políticas que brigavam pelo comando do novo governo, mas não sabiam o que fazer dele.
“Em quatro anos, nós tivemos três governadores Harry Amorim Costa, Marcelo Miranda e Pedro Pedrossian. E ainda teve o Londres Machado que esteve no governo algumas vezes interinamente (…) Não havia planejamento que resistisse a isso”, menciona.
Campestrini relembra que a euforia pela criação de um novo estado impediu que os divisionistas enxergassem questões práticas e essenciais à manutenção da máquina pública.
“Houve uma sucessão de enganos. O Sul do Mato Grosso Uno gerava 72% da receita. Mas, só após a divisão é que se deu conta de que o dinheiro não dava nem para sustentar a máquina do novo Estado”, conta.
Com verba curta até para cobrir as despesas, os governantes que se seguiram recorreram a empréstimos como forma de estruturar a unidade federativa. O resultado das ações intempestivas é uma dívida impagável no valor de R$ 5,9 bilhões, segundo levantamento da equipe do governador André Puccinelli (PMDB) que na impossibilidade de quitar o débito administra a dívida pagamento juros e pequenas parcelas do valor nominal.
Sobre André, aliás, Hildelbrando Campestrini avalia que ele governa em um cenário político favorável, bem diferente do que enfrentou Harry Amorim Costa quando rachas na bancada federal prejudicaram a vinda de dinheiro para Mato Grosso do Sul. “Hoje a oposição é inteligente”, classifica.
Na análise de Campestrini não será desta vez que o Estado verá André e Zeca do PT se enfrentarem devido a “ordens de cima”. Também para ele, mudar o nome do MS sob a alegação de falta de identidade é apenas uma forma de ocultar que o sul-mato-grossense ainda não tem sentimento de Estado porque ainda é muito jovem. Em entrevista exclusiva ao Midiamax, o estudioso fala ainda sobre o mais recente tormento dos produtores rurais, a possibilidade de demarcação de terras indígenas. Ele revela que vai lançar um livro “MS conflitos étnicos e fundiários” e discorre sobre a questão indígena com a segurança de quem entende o tema com profundidade.
Midiamax – Mato Grosso do Sul tornou o que se esperava quando da divisão?
Campestrini – Esta é uma questão muito interessante. Projetava-se que virando o século, Mato Grosso do Sul teria pelo menos 3 milhões de habitantes, sendo 1 milhão só em Campo Grande. viramos o século com 2,1 milhões no Estado e pouco mais de 700 mil na Capital. Os números não correspondem ao que esperávamos. Nós imaginávamos o Mato Grosso do Sul, se tornasse líder na venda de carne e de grãos. No primeiro caso conseguimos, no segundo ainda estamos devendo. O que faltou foi planejamento. Imaginava-se que a infra-estrutura fosse surgir em um passe de mágica. Ainda hoje o Estado ainda carece de infra-estrutura, rede de comunicação, energia elétrica. O novo Estado não foi planejado. Veja você, quem sai de Cassilândia com destino a Coxim tem que passar por Campo Grande. Houve uma sucessão de enganos. O Sul do Mato Grosso Uno gerava 72% da receita. Mas, só após a divisão é que se deu conta de que o dinheiro não dava nem para sustentar a máquina do novo Estado. Os governantes precisaram recorrer à empréstimo para fazer obras.
Midiamax – O que explicaria a nossa população estar abaixo do esperado.
Campestrini – Quando o estado recém-criado precisava de gente, o Mato Grosso explodiu. Além disso, outros estados do Sul e do Norte estavam investindo em infra-estrutura. Outro fator é que se subestimou o valor das terras em Mato Grosso do Sul que, aliás, nem tem tantas terras boas. Apenas 30% do que temos é agricultável, o restante é Cerrado e Pantanal. A terra aqui ficou cara demais e aí o Estado passou a não ser tão atrativo.
Midiamax – Não é verdade que a falta de renovação política prejudicou o Estado?
Campestrini – Na verdade, as lideranças políticas, principalmente, a bancada federal rachou. O governo federal mais do que socorrer as necessidades de um estado recém-criado tinha que resolver as brigas políticas.
Midiamax – O que explica tantos enganos?
Campestrini – Éramos um tanto românticos e amadores. Pensávamos que teríamos dinheiro a rodo e não era nada disso. Além disso, não tinha estrutura, nem energia e outras coisas necessárias.
Midiamax – E a classe política?
Campestrini – Quando a Harry Amorim Costa assumiu ele tinha um projeto para o Estado. Ele fez um planejamento técnico e deixou o lado político de fora. Isso gerou revolta da classe política. Em quatro anos, tivemos o Harry, o Marcelo Miranda e o Pedro Pedrossian no governo e ainda teve o Londres Machado que foi governador substituto. Não havia planejamento que resistisse a isso. Harry tinha um projeto de Estado, não de governo.
Midiamax – E a situação política e mais estável?
Campestrini – Hoje a oposição ao atual governador é inteligente. Isso significa que o que se faz atualmente é oposição ao governo não ao Estado. A oposição segue os princípios da governabilidade. Não é burra e cega. Vejo que os petistas como o deputado Vander Loubet, senador Delcídio do Amaral e os deputados estaduais tem esta postura. A oposição tem que existir, mas não pode ser burra.
Midiamax – Então o que falta para o Estado encontrar o caminho do desenvolvimento?
Campestrini – Precisamos de um projeto estratégico que concilie infra-estrutura e desenvolvimento social. Muita coisa mudou para melhor. Hoje, já não mais tanta corrupção e desvio de verba como antes. A sangria está estancada. Noto que o governador é zeloso com o dinheiro público. Ele pegou um Estado sem qualquer planejamento. Quando ele assumiu a prefeitura de Campo Grande tudo já estava planejado há 40 anos, bastou apenas executar. Já no Estado foi diferente. Agora que estamos ligando todos os municípios por asfalto. Durante muito tempo, Mato Grosso do Sul foi administrado apenas com projeto de bombeiro. Por exemplo, construía-se um posto de saúde para atender uma necessidade urgente em um determinado local, mas não se planejava a área de saúde como um todo. O que nós precisamos é um de um projeto de prevenção.
Midiamax – O senhor acredita que no ano que vem veremos uma disputa entre André Puccinelli e Zeca do PT?
Campestrini – Acho que não. Deverá haver ordens de cima para o Zeca recuar. Se fosse o PMDB não seria fácil fazer um candidato desistir. O partido tem um cacique em cada região. Já no PT se valoriza muito as lideranças nacionais. Isso deve pesar sobre Zeca por mais que ele negue. Além do mais, acho que o André está guardando uma das vagas ao Senado para oferecer ao Delcídio.
Midiamax – Outro assunto que nos preocupa quando o assunto é o desenvolvimento do Estado é a possibilidade de demarcação de terras indígenas.
Campestrini – A questão indígena é mais ideológica do que econômica. Ideologia se combate com ideologia. Mas, eu acho que o STF [Supremo Tribunal Federal] liquidou esta questão. Ficou decidido que os índios só têm direito às terras onde estavam antes de 1988. Acho que não se tem mais o que se discutir. Agora, eu acho que a ideologia está sendo usada para desestabilizar a sociedade. Nada mais é do que um projeto internacional que vem a reboque de ONGs e grupos estrangeiros. Como não tem sucesso com a luta de classes alimentam o conflito de raças, aí vem as cotas e por também as questões indígenas de fora para dentro com objetivo de desestabilizar o País.
Midiamax – Mas, não há como negar que as populações indígenas precisam de melhorias.
Campestrini – Há casos localizados. Mas veja você, não se trata de falta de terras. Basta observar a história. Tanto é que há casos de aldeias que foram ampliadas em suas terras e os índios continuam tão dependentes de cesta básica quanto antes.
Midiamax – Então qual seria o caminho?
Campestrini – Não são os brancos que tem que dizer, mas sim os próprios indígenas, a partir da cultura dele. O caminho é ideológico e é ele quem tem que determinar aonde quer chegar.
Midiamax – Mas uma coisa é certa, se eles reivindicam terras é porque querem viver como índios, mantendo antigas tradições.
Campestrini – Não existe unanimidade entre os índios em relação a isso. Eles são muito divididos. Há pontos críticos onde é necessário expandir a terra. Mas há outros casos, que mesmo que se dê 100 hectares, ele continuará bebendo e sendo explorada. Não adianta só distribuir terras se você não despertar a vontade de trabalhar. Hoje não se pode mais viver de caça e pesca. A situação indígena é bastante complexa.
Midiamax – O que se diz é que a civilização branca é que os jogou nesta situação?
Campestrini – Se o índio ainda existe hoje é porque o branco cuidou dele. Foi o fazendeiro, foi o Rondon, foi o branco. Se não fosse o branco o índio não existiria. Foi o branco quem o alimentou e o ajudou. O índio quer exercer sua indianidade, porém ele não vive mais de caça e pesca.
Midiamax – Outra questão que os anos não conseguem aplacar é a mudança de nome do Estado. O senhor é a favor?
Campestrini – Se alguém te chamar pelo nome errado, você o mudaria por causa disso? A culpa é de quem errou. Agora só porque se desconhece vou trocar o nome. Nome é coisa sagrada. É um patrimônio imaterial que pertence à história.
Midiamax – Mas, não seria uma alternativa para por fim à confusão com Mato Grosso? Não seria uma forma de deixar de ser um pedaço do estado vizinho?
Campestrini – Queira ou não somos o sul do Mato Grosso. Nós historiadores não aceitamos a palavra divisão. O que houve 1977 foi a criação de um estado novo. Portanto, não se pode dizer que sejamos um pedaço. Nós precisamos é ter coragem de assumir o que somos. Se acontece alguma catástrofe lá em Três Lagoas, o campo-grandense não se importa. Nós ainda não construímos este sentimento de Estado porque Mato Grosso do Sul ainda é jovem. As próximas gerações é que vão construir isso o que vai nos valorizar como Estado.
Midiamax – Quer dizer que quando se propõe a mudança de nome de MS está se fazendo uma inversão?
Campestrini – Sim. No lugar de assumir que ainda não temos este sentimento de Estado, ficamos responsabilizando o nome. Quando alguém se ofende pela confusão com o Mato Grosso, está na verdade sofrendo de complexo de inferioridade. Outra questão perigosa e que não se fala é que se mudar para Estado do Pantanal, por exemplo, as exportações de produtos correm um sério de risco de serem afetadas. Como é que você vai vender a soja do Pantanal. Parece que não está se levando todos os aspectos em conta.
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Fonte: Midiamax