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Wilson Matos: ‘Constituição Federal, história e o erro do Marco Temporal’

Wilson Matos da Silva (*) –

Constituição Federal, História e o Erro do Marco Temporal

O Marco Temporal não é apenas um equívoco jurídico — é uma afronta direta à Constituição e à história de resistência dos povos indígenas. O artigo 67 do ADCT é claro: a demarcação das terras indígenas é um dever inegociável do Estado, imposto pelo Constituinte Originário e imune a retrocessos. Ignorar esse mandado é reescrever a história em favor da injustiça e abrir espaço para a violação de direitos fundamentais. Este artigo desmascara as falácias jurídicas do Marco Temporal e demonstra por que qualquer tentativa de ressuscitar essa tese é inconstitucional, ilegítima e incompatível com o Estado Democrático de Direito.

A proposta de mesa de negociação é uma tentativa de desconstituir um direito que não está à disposição para barganhas. Terras indígenas são bens públicos, inalienáveis e indisponíveis. O que exatamente se negocia? O Estado, que permaneceu omisso por décadas, agora busca relativizar um mandamento claro emanado do Poder Constituinte Originário.

Por isso, a proposta de “mesa de negociação” não é diálogo, mas tentativa de relativizar o inegociável. O comando imperativo Constitucional do artigo 67 do ADCT, parte integrante da Constituição de 1988, possui hierarquia máxima, sendo inalterável pelo Poder Constituinte Derivado.

O artigo 67 do ADCT diz: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição. ” É um imperativo constitucional, um Mandamus Constitucional de aplicação Imediata. Observe que o prazo de cinco anos é um marco temporal para a conclusão da obrigação, não uma condição para sua eficácia.

O artigo 67 da ADCT (Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias), não é uma norma caduca, mas sim um IMPERATIVO CONSTITUCIONAL cujo prazo era meramente instrumental. A não conclusão das demarcações em cinco anos não exauriu o dever estatal, mas tornou ainda mais evidente a sua omissão inconstitucional. Em recente decisão na ADPF 708 o STF decidiu que: “A omissão estatal não elimina a obrigação constitucional. ”

A tentativa de subordinar esse direito ao Marco Temporal é uma violação direta do princípio da continuidade do dever constitucional, configurando retrocesso jurídico. Pelo PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO DEVER CONSTITUCIONAL: A natureza transitória do ADCT não significa caducidade da norma, mas urgência de cumprimento. A mora estatal não extingue o direito, mas perpetua a obrigação.

A tentativa de demonstrar que a transitoriedade do artigo 67 do ADCT estava vinculada ao cumprimento da obrigação estatal, e não a um prazo meramente formal. O que se esgotou em cinco anos, foi o lapso temporal para a realização da demarcação das Terras Indígenas, e não a eficácia ou imperativo da norma insculpida no artigo 67 da ADCT, pelo Poder constituinte originário. O Estado permaneceu omisso, mas o dever permanece in totum. A norma não perde sua eficácia porque a vontade do Constituinte Originário ou objetivo que a justifica, não foi atingido.

Para o professor José Afonso da Silva, as normas programáticas e transitórias, mesmo com prazos definidos, MANTÊM SUA EFICÁCIA enquanto a finalidade constitucional não for atingida.    Canotilho, ressalta que a eficácia contínua das normas constitucionais garante a implementação progressiva dos direitos fundamentais e impõe ao Estado uma RESPONSABILIDADE PERMANENTE de agir.

A tese do Marco Temporal, restringe o direito às terras indígenas e quer delimitar ou restringir aquelas ocupadas em 5 de outubro de 1988, contraria frontalmente o mandamus constitucional estabelecido pelo art 67. Portanto o famigerado argumento do Marco Temporal não encontra respaldo no texto constitucional, sendo incompatível com os direitos originários assegurados aos nossos Povos Indígenas.

Pelo Princípio da Continuidade do Dever Constitucional: A natureza transitória do ADCT não significa caducidade da norma, mas urgência de cumprimento. A MORA ESTATAL NÃO EXTINGUE O DIREITO, MAS PERPETUA A OBRIGAÇÃO. O Princípio da Continuidade do Dever Constitucional é uma construção doutrinária que decorre do caráter vinculante e permanente das normas constitucionais que impõem obrigações ao Estado, especialmente as de natureza fundamental ou protetiva.

Esse princípio sustenta que os comandos constitucionais, principalmente os oriundos do CONSTITUINTE ORIGINÁRIO, não se esgotam com a passagem do tempo enquanto seus objetivos não forem atingidos. Logo, Resta portanto evidente que os artigos 231 e  Art. 67 do ADCT não podem serem modificados pelo Poder CONSTITUINTE DERIVADO, pois consagra um mandamus constitucional de proteção aos povos indígenas.

O reconhecimento dos nossos direitos territoriais é um ato declaratório e não constitutivo, reforçado por normas constitucionais, internacionais e jurisprudência consolidada do STF. Alterar esse dispositivo significaria VIOLAR UMA CLÁUSULA PÉTREA, ferindo os princípios da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e da vedação ao retrocesso.

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como parte integrante da Constituição de 1988, possui a mesma hierarquia normativa e, portanto, o Artigo 67 não pode ser tratado como uma norma de eficácia limitada ou programática. Trata-se de um imperativo constitucional com comando claro e objetivo, emanado da vontade do Poder Constituinte Originário, e não sujeito a interpretação restritiva ou modulação por parte dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário. O prazo de cinco anos, ainda que descumprido, não extingue a obrigação estatal, mas reforça a urgência e a natureza vinculante do dever de demarcação das terras indigenas.

(*) Wilson Matos da Silva – É Indígena, Advogado OABMS 10.689 Criminalista, especialista em Direito Constitucional, e Jornalista DRT 773MS. Residente na Aldeia Jaguapiru – Dourados MS.

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