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‘Segredo do tempo’, por João Roberto Giacomini

João Roberto Giacomini (*) –

Se você cresceu entre os anos dourados do leite no latãozinho e da carne na carrocinha, do telefone com fio e do tempo em que muitos “assustavam” os cheques, parabéns: pertence à geração que viu o mundo mudar de roupa — da calça boca de sino ao jeans surrado e rasgado, da vitrola ao Spotify e à inteligência artificial.

Hoje, olhamos para trás com um sorriso de canto. Ainda lembramos o cheiro do giz, o som do recreio e o primeiro amor escrito à caneta Bic — com borrão e tudo. Zero para o português e para a matemática, mas dez para o amor. O gostinho da bala Sete Belo nos beijos no cinema, quando matávamos aula para ir ver o mundo na telona, e o sabor do chiclete “strawberry” que persiste na memória, como se cada beijo roubado fosse uma eternidade com gostos que só quem viveu aqueles tempos lembra.

Vivemos o bastante para rir do passado e, ao mesmo tempo, ter saudade dele.

Outro dia, alguém me chamou de “idoso”. Fiquei tentado a recorrer — mas, como advogado, sei que contra o tempo não cabe apelação.

O máximo que se pode pedir é uma liminar para o espírito continuar jovem, ainda que o joelho insista em protocolar embargos de declaração todas as manhãs.

Segundo as estatísticas, talvez nos restem vinte, quem sabe vinte e cinco anos de permanência nesta dimensão — se o coração colaborar e o colesterol não fizer oposição.

Depois disso, bem… passaremos para o capítulo seguinte.
A vida, afinal, é uma edição limitada — e cada um de nós tem sua data onde as cortinas se fecham.

Mas há quem se assuste com a ideia da eternidade.
Será mesmo o fim, ou apenas o intervalo entre um ato e outro?

Acredito que, para os que têm fé — ou ao menos curiosidade —, a morte é só uma mudança de endereço.

Como dizia o poeta Rilke, “a vida e a morte são uma só, assim como o rio e o mar”.

Talvez o verdadeiro medo não seja partir, mas deixar de lembrar. Afinal, quem guardará nossas histórias, nossas risadas, nossas pequenas teimosias?

A resposta é simples: os que amamos.

Seremos memória — e a memória é a forma mais bonita de eternidade que já inventaram.

Por isso, caro amigo, não se apresse em arrumar as malas.
Ainda há cafés a serem tomados, músicas a serem revividas, crônicas a serem escritas e netos a serem mimados.

E quando o tempo chamar — porque ele sempre chama — que a gente vá sorrindo, como quem embarca curioso para um destino novo, sem medo de perder a conexão.

A vida aqui é finita, sim.
Mas para quem acredita — ou, ao menos, sonha — existe uma eternidade a ser desvendada.

E, até lá, seguimos rindo de nós mesmos, dançando com o tempo e assinando mais uma página da nossa breve, bela e inacabada existência.

(*) Advogado, cronista e observador das relações humanas. Inspirada livremente em reflexões de Rainer Maria Rilke (1875–1926), autor de domínio público.

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