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‘Rua Dom João VI – Dourados-MS’, por Eduardo Martins

Professor Dr. Eduardo Martins – UFMS, curso de História, campus de Nova Andradina –

Os nomes de rua têm alguma coisa de curiosidade, pitoresco e desconhecimento sobre elas. Há alguns nomes que definitivamente não sabemos o que justifica sua presença nas placas urbanas enquanto criadora de homenagem a certas pessoas tidas como de “destaque”.

Representa ainda, uma tentativa de fixação de uma determinada memória para o município. Trago aqui o caso da rua Dom João VI – no município de Dourados-MS, que faz esquina com a avenida Marcelino Pires na saída para Campo Grande e Ponta Porã sentido bairro. Sobre a homenagem a esse personagem histórico imortalizado no cinema nacional pelo ator Marco Manini, no filme, “Carlota Joaquina”, (1985) traz a personagem principal, rainha, interpretada por Marieta Severo; mulher promíscua que traia o rei com todos os homens ao seu redor. Dom João VI é apresentado como um pusilânime, fracote, covarde, fujão de Napoleão, de maus hábitos alimentares comendo com a mão e colocando restos de frango nos bolsos, fazendo sua comitiva real parar para o “rei obrar” no meio do mato.

Claro que o filme é sempre uma possibilidade de apresentação de um personagem histórico, no entanto, com ampla margem para sátiras, piadas, burlescos, enfim, liberdade de criação e imaginação jocosa por parte da direção; assim não tem compromisso com a História (com h maiúsculo). Não obstante, a grande maioria dos diretores sérios contratam serviços de assessoria de um (a) profissional historiador (a) para realizar as pesquisas fiéis acerca dos personagens a serem filmados.

Na verdade, Dom João VI, fugiu mesmo de Napoleão. Sua presença Real teria impulsionado a Independência do Brasil, isso é um fato consagrado pela historiografia especializada na temática. O período joanino (1808-1821) marcou a história do Brasil em termos culturais, sociais, políticos, administrativos e nas relações internacionais com a Inglaterra; abrindo os portos às “nações amigas” (1808), assinando os tratados de “cooperação e amizade” com os ingleses (1810), depois elevando o Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves (1815). Por outro lado sua presença parasitária, foi custeada por “mecenas”, homens de “grosso trato” conforme a historiografia narra; leia-se ricos comerciantes urbanos, latifundiários, mas, o pior; traficantes de pessoas escravizadas trazidas do continente africano em navios “tumbeiros”,  que só pelo nome já revela seu caráter funesto. O Banco do Brasil, fundado em 1808, por Dom João VI teria tido participação no tráfico de seres humanos da África para o Brasil e, assim dado apoio e subsídio a esse comércio desumano? É o que as pesquisas históricas acadêmicas estão revelando.

Essa relação de “compadrio” ou de “amizade” refletiu diretamente na política escravocrata brasileira e, sobretudo, na manutenção do tráfico negreiro, algo que iria se perpetuar após a Independência formal, dia 12 de outubro de 1822, (data da Aclamação de Dom Pedro a regente do Brasil), se transformou em Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, (o dia 7 de setembro foi uma data construída pelos paulistas).

A manutenção do regime escravocrata vai perdurar durante todo o período em que os representantes portugueses, monarquia, governaram o Brasil, até 15 de novembro de 1889. Com Dom Pedro I e depois seu filho Dom Pedro II, amparados financeiramente e dando apoio ou, pelo menos, fazendo vista grossa, ao tráfico de homens e mulheres africanos (as) para servirem como mão de obra explorada, enquanto seres humanos escravizados. Em relação ao tráfico africano este perdurou até 1850, (Lei Eusébio de Queiróz) quando a Inglaterra obrigou o Brasil a pôr fim a esse tipo de comércio de carne humana. Entre os anos de 1550 e 1850 traficantes os portugueses raptaram 4 milhões de pessoas na África e trouxeram para ser escravizadas no Brasil.

Desta feita a plaquinha de rua aqui no município de Dourados-MS que homenageia o monarca fujão português deve dizer alguma coisa sobre quem a propôs enquanto memória oficial deste município. Segue algumas indagações (im)pertinentes: Relações diretas com o escravismo? Apreço a não-democracia? Maus hábitos? Fujões? Ou ignorância completa da História, acho essa última bem mais provável, no entanto, sem descartar elementos das anteriores.

Quem em sã consciência e minimamente conhecedor da história do Brasil homenagearia um personagem desses?

Bem vindos a Dourados-MS e parte sua memória histórica (ou falta dela).

(P.S) Justiça seja feita, temos a avenida “Guaicurus”, via que liga o centro ao bairro à cidade universitária. Suposta homenagem aos povos originários que aqui habitam muito antes dos latifundiários invadirem suas terras. No entanto, esta denominação “guaicurus” está incorreta, pois “Guaicuru” é uma palavra preconceituosa, em tupi-guarani significa uma pessoa sarnenta, indivíduo encaroçado, malvado ou traidor usada pelos brancos (espanhóis e portugueses) para homogeneizar todos os povos habitantes do sul de Mato Grosso do Sul.

Mas este é assunto para outro texto e motivo para um Abaixo-assinado visando a alteração deste nome equivocado. (Avenida Guateka, acho que seria mais honesto; em homenagem às três nações habitantes e residentes aqui de Dourados-MS: Guarani, Terena e Kaiowá). No entanto, quem deve decidir isso são os próprios indígenas.

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