Com instigantes e saborosas abordagens, ASL homenageou ocupante de sua cadeira Nº 1
Por Edson Moraes –
O legado literário de Hernâni Donato, um dos grandes intelectuais brasileiros, foi contextualizado fielmente com abordagens ilustrativas e vigorosas de três imortais da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL), na noite de quinta-feira, 26. Marcos Estevão, Paulo Nolasco e Samuel Medeiros fizeram mais uma memorável “Roda Acadêmica” para o acervo dos projetos culturais de referência em Mato Grosso do Sul.
O acadêmico Rubenio Marcelo fez a apresentação dos palestrantes. Coube a Marcos Estevão abrir a roda. Após sucinta descrição biográfica, ele ressaltou a riqueza de um conteúdo intelectual acumulado desde seus 11 anos, quando escreveu o primeiro livro, “O Tesouro”. Salientou ainda o desprendimento do homenageado ao sair dos corredores universitários de Sociologia e Dramaturgia para fixar-se naquilo que mais o fascinava: as atividades literárias e as expedições.

Segundo Marcos Estevão, embora Donato morasse em São Paulo, sua presença em território sul-mato-grossense foi marcante e frequente ao longo de 20 anos, sobretudo em função das viagens que fazia como funcionário da Editora Melhoramentos. Citou grandes sucessos de suas mais de 60 obras, entre elas “As Novas Aventuras de Pedro Malasarte” e “Selva Trágica”, além de considerá-lo um dos maiores historiadores da vida de Lampião.
MERGULHO CRÍTICO – Estevão traçou o mergulho crítico e investigativo de Donato nos cenários sociais da exploração da erva-mate, “mostrando que o Estado não era um vazio, que havia povos originários, indígenas, outras civilizações”. Outra de suas características foi definida assim: “Hernâni Donato era um contador de causos”. O professor Paulo Nolasco falou inicialmente sobre sua relação com o escritor, a quem conheceu pessoalmente após um evento em São Paulo, no qual estava também a escritora e acadêmica Raquel Naveira.
Uma das passagens interessantes mencionadas por Nolasco foi a imersão nos meandros das propostas literárias de Donato. Reportou-se, então, ao contexto de “Selva Trágica”, romance que gerou um filme sob a direção de Roberto Farias, com Reginaldo Farias e Rejane Medeiros. Lançado em 1963, o longa-metragem expõe os tratamentos escravagistas impostos aos ervateiros. Nolasco deteve-se nesta quadra histórica para apontar a dimensão humana da obra donatiana e seu olhar para os graves temas sociais.

Ao reforçar a observação, Nolasco traz o testemunho do professor e crítico Fábio Lucas. No prefácio de “O Caráter Social da Literatura Brasileira”, Lucas carimba “Selva Trágica” como um dos mais altos momentos da novelística de conteúdo social no Brasil. Pontua que os trabalhadores na fronteira Brasil-Paraguai “eram levados por máfias para casas de prostituição, até que, bêbados, assinavam um contrato leonino com a companhia. Ficavam devedores para sempre, ganhando apenas para comer. Aos que tentavam escapar do inferno, restava a perseguição dos capangas da companhia que, quando os capturavam, espancavam-nos até a morte”.
Samuel Medeiros acrescentou curiosos recortes da biografia e da obra de Donato. Trouxe à tona fatos emblemáticos, como a inauguração da ASL, em 1971, o ato de celebração dos 20 anos da entidade e um discurso do acadêmico José do Couto Vieira Pontes, já falecido, no qual o homenageado acentuava a data (uma sexta-feira, 13) e a presença de quatro mulheres – atualmente são 11 – no colegiado acadêmico. Assim como seus colegas, o olhar social de Donato foi igualmente sublinhado.

VIGOR LITERÁRIO – “O livro e o filme Selva Trágica trazem uma atividade que geralmente é descrita nos aspectos econômicos e políticos. Donato retrata a via social, o monopólio da Companhia Mate Laranjeira e o cruel sistema trabalhista. Viu a escravização dos ervateiros e a contou”, disse Medeiros. A seu ver, o perfil de Donato, o fato de ter ocupado a cadeira número 01, o encaixe social e o vigor literário de suas obras são mais que suficientes para a homenagem.
Donato nasceu em Botucatu (SP) em 1922 e morreu em 2012, aos 90 anos. Membro da ASL e Academia Paulista de Letras, é autor de cerca de 70 livros de variados gêneros, da literatura infantojuvenil à biografia, da historiografia aos costumes, da pesquisa à divulgação científica. Ele traduziu “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, e era apaixonado pelos “Caminhos de Peabiru”, um conjunto de trilhas na rota ancestral ligando o Atlântico, no Brasil, ao Pacífico, atravessando Paraguai, Bolívia e Peru.
O público que foi à sede da ASL ganhou delicioso mimo artístico-cultural, com as artistas plásticas Patty Helney e Agnes Rodrigues (pela SociArtista) e o clarinetista Hudson Campos, do Trio Ars (pela UFMS). A “Roda Acadêmica” é um projeto da ASL, em parceria com a Secretaria de Turismo, Esporte e Cultura (Setesc) e Fundação de Cultura (FCMS), enriquecido pela participação da UFMS (Universidade Federal) e Confraria Sociartista. Nestes blocos se encaixam os projetos “Música Erudita e Suas Fronteiras”, desenvolvido dentro do “Movimento Concerto”, e do “Arte na Academia”.