Empresas recebidas pelo Ibama respondem por uso de informações ou documentos falsos e transporte de madeira sem licença

BRASÍLIA – O presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, recebeu uma comitiva de empresários do setor madeireiro do Pará dias antes de ele afrouxar as normas para a exportação de madeira nativa. A reunião aconteceu na sede do Ministério do Meio Ambiente (MMA), em Brasília, no dia 6 de fevereiro. Dezenove dias depois, Bim atendeu a um pedido das madeireiras e assinou um despacho liberando a exportação de madeira nativa sem autorização do órgão. Entre as madeireiras recebidas por Eduardo Bim estão duas empresas que, juntas, somam mais de R$ 2,6 milhões em multas.

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Em 2011, o Ibama publicou a instrução normativa nº 15, conhecida como IN 15/2011. Ela determinava que madeira nativa da Amazônia só poderia ser exportada após o órgão emitir uma autorização de exportação. Para ambientalistas e parte da área de fiscalização do Ibama, a medida funcionava como uma barreira para tentar impedir a exportação de madeira extraída ilegalmente. Para madeireiros, no entanto, era criticada como burocrática e desnecessária. 

Em fevereiro de 2020, um grupo de madeireiras do Pará recorreu ao Ibama pedindo que esta exigência fosse extinta. Elas alegavam que as guias florestais emitidas pelos órgãos ambientais estaduais e o documento de origem florestal (DOF) emitido por autoridades federais já seriam suficientes para exportar o produto.

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O ofício foi encaminhado ao Ibama pela Associação Brasileira de Empresas Concessionárias de Florestas (Confloresta) e pela Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estrado do Pará (AIMEX) no dia 5 de fevereiro.

No dia seguinte, antes mesmo do ofício ser analisado pelo Ibama, uma comitiva de empresários e advogados do setor madeireiro do Pará foi recebida no Salão dos Ministros, na sede do Ministério do Meio Ambiente, em Brasília.

Entre os presentes também estavam representantes da Tradelink Madeiras e da Wizi Indústria, Comércio e Exportação de Madeiras Ltda. De acordo com levantamento feito pelo GLOBO junto ao sistema de registro de multas do Ibama, as duas empresas são alvo de autos de infração lavrados entre 2011 e 2020 que, somados, totalizam R$ 2,6 milhões. A Tradelink é quem recebeu o maior volume de multas: R$ 1,64 milhão. A Wizi tem multas em aberto no valor de R$ 1,038 milhão.

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A Tradelink responde a multas por comercialização ou transporte de madeira sem licença. A Wizi tem multas pela mesma infração e também por “elaborar ou apresentar” informações ou documentos falsos no sistema de controle da produção e comercialização de madeira.

Segundo a agenda pública de Ricardo Salles disponível no site do ministério, ele também teria participado da reunião, mas uma fonte que participou da reunião afirmou ao GLOBO que o ministro do Meio Ambiente não chegou a se encontrar com o grupo.

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A fonte confirmou, no entanto, que Eduardo Bim e assessores dele participaram da reunião que teve como objetivo convencer o governo a acabar com a exigência de autorização do Ibama para exportação. Os nomes de Bim e do então diretor de proteção do Ibama, Olivaldi Azevedo, aparecem na agenda de Salles como participantes do encontro.

De acordo com o advogado Murilo Araújo, que também participou da reunião e que representa a Tradelink e a Wizi, a conversa serviu para que as madeireiras apresentassem a Eduardo Bim a demanda para que o órgão revogasse a exigência.

— A gente foi lá explicar a nossa situação porque estávamos sendo penalizados por uma exigência que não fazia mais sentido — afirmou o advogado. Na época, como O GLOBO revelou, madeireiras tinham tido cargas apreendidas no porto americano de Savannah, na Geórgia, por terem sido exportadas sem a autorização do Ibama.

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Após encontro, liberação

Dezenove dias depois da reunião em Brasília, no dia 25 de fevereiro, Eduardo Bim assinou um despacho que retirou a exigência da autorização expedida pelo Ibama para a exportação de boa parte das espécies de madeira da Amazônia. A medida tomada por ele surpreendeu porque, dias antes, uma equipe técnica do Ibama havia emitido um parecer contrário ao afrouxamento nas regras de exportação de madeira.

O despacho não chegou a revogar a instrução normativa anterior, algo que Bim tem poderes para fazer, mas que poderia inviabilizar o pleito de empresas como a Wizi e a Tradelink que já tinham tido suas cargas apreendidas e que tentavam liberá-las junto às autoridades americanas.

Como O GLOBO mostrou na semana passada, após a mudança, o Ibama enviou um ofício ao Fish & Wildlife Service (equivalente ao Ibama dos Estados Unidos) a pedido das duas madeireiras. O ofício pedia que as autoridades americanas levassem em conta a decisão de Eduardo Bim de fevereiro e deixassem de exigir a autorização de exportação prevista na IN 15/2011.

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Procurado, o Ibama confirmou a participação de Eduardo Bim na reunião e que o motivo dela foi a “revogação parcial da IN 15/2011”.

Questionados, tanto o Ibama quanto o MMA negaram que Ricardo Salles tenha pedido a Eduardo Bim que ele mudasse as regras de exportação de madeira.

“O Ministro nunca fez nenhum pedido ou sugestão de alteração de regras pelo IBAMA”, disse o MMA em nota.

Bolsonaro ameaçou divulgar lista de países, mas recuou

A exportação de madeira da Amazônia virou alvo de polêmica na semana passada depois que o presidente Jair Bolsonaro ameaçou divulgar uma lista de países que comprava madeira ilegal brasileira durante uma reunião dos Brics, bloco formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

A divulgação, segundo Bolsonaro, seria uma forma de expor países que vêm criticando a política ambiental do Brasil ao mesmo tempo em que se beneficiariam do mercado ilegal de madeira. Apesar da ameaça, Bolsonaro recuou e não divulgou a lista.

O GLOBO procurou as madeireiras Tradelink e Wizi Indústria e Comércio.

Por nota, a Tradelink disse que as multas aplicadas a ela não têm relação com “danos ambientais” e que elas estão sendo questionadas nas esferas administrativa e judicial.

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“Quanto a Tradelink, ela está exercendo o seu direito de defesa na esfera administrativa, conforme prevê a lei. As multas aplicadas não se relacionam a danos ambientais, nem à suposta origem ilegal de madeira, até porque a Tradelink é indústria, emprega um significativo número de trabalhadores e não realiza a extração de madeira […] Algumas autuações já foram declaradas prescritas, outras foram canceladas na Justiça”, disse a empresa.

Também por meio de nota, a empresa disse que a reunião no MMA foi organizada por entidades que representam o setor madeireiro para tratar de alterações nas exigências do governo em relação à exportação de madeira.

O advogado Murilo Araújo, que representa a Wizi, disse que algumas multas da empresa também já teriam sido declaradas nulas pela Justiça. (O GLOBO)