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Personagens e suas trajetórias de vida: ‘Minha conversa com Cedar Vargas de Lima’

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Por Ilson Boca Venâncio –

Apesar de não saber que um dia aconteceria, eu sempre tive vontade de conversar com o Cedar Vargas de Lima sobre a sua música, como já fizera com vários artistas e publicando nesse jornal a história de suas vivências. 

Interessante é que de muitas histórias aqui relatadas em muitos momentos foram citados com relevância a participação de Cedar Vargas de Lima e seu pai Marcilio Lima, nos momentos mais importantes de suas carreiras nas composições, gravações de discos e apresentações.

Sua história musical é de grande importância na história cultural da nossa cidade, pois foi durante o período em que a música regional e sertaneja sul-mato-grossense ganhavam bastante visibilidade nacional.

Nossos ritmos com forte influência da música latina guarani, se espalhou pelo pais afora em ritmos de boleros, guarânias, rasqueados, polcas e chamamés, dando destaques a muitos dos nossos artistas. Nesse cenário, Dom Marcilio Lima e Cedar Vargas são personagens de fundamental importância para a história cultural da nossa região.

E foi com a companhia de minha amiga, a Jucelma Melo, que tem parentesco, com o personagem dessa história, que fui ao encontro do Cedar Vargas. A conversa foi muito boa a respeito das lembranças de momentos vividos.

Começamos a conversar e veio as lembranças: “…naqueles tempos antigos, quando se fazia uma festa na fazenda, o dono da festa contratava meu pai o Dom. Marcilio com seu conjunto para tocar, aí eram de dois a três dias de festa e música, pois era costume da época o fazendeiro hospedar os músicos durante os dias de festa”, relembrou ele.

Para reviver essa história, eu nunca tinha imaginado viajar no tempo e lembrar das caminhadas que fazia de carroça junto com meu pai.

Cedar Vargas Lima é herdeiro de sangue e alma, de Dom Marcilio, assim como seu pai, se tornou um excelente músico!

Digo isso porque Dom Marcilio deixou muitos herdeiros por influência musical, Cedar tomou como exemplo do pai, e desenvolveu o seu trabalho como artista e músico de grande influência na música regional, esse seu trabalho reconhecido, transbordou país afora. Participando de programas radiofônicos, também como músico em estúdios de gravações em gravadoras de renome nacional.

Para me encontrar com Cedar fui muito entusiasmado como disse anteriormente já era vontade antiga, afinal na minha infância a referência que se tinha na colônia a respeito de música, era com eles. Nas apresentações radiofônicas, nas festas e bailes, entre os músicos regionais as suas músicas predominavam.

As histórias que eu ouvia dos amigos na cidade sobre bailes inesquecíveis com a participação de Dom Marcilio e seu conjunto, e a fama conquistada por Cedar Vargas e seus companheiros músicos me entusiasmou muito para esse encontro.

Quando chegamos na casa do Cedar, fomos bem recebidos muito atenciosamente pela sua filha Tânia, que nos anunciou ao pai que acabara de sair do banho e assim, logo veio ao nosso encontro.

Quando ele chegou e nos cumprimentamos, sentou-se ao nosso lado e começamos a conversar. Falei do meu compromisso em produzir um documento na forma de artigo que retratasse a história e importância do chamamé e demais ritmos guaranis em nossa cidade.

Contei das minhas recordações do tempo de criança com a música do seu pai quando eu passava em frente da sua casa, e disse a ele do que isso representava para mim, e toda a emoção que aquele reencontro com minha própria história me provocara. Pura emoção nostálgica, e muito boa!

Falei da minha mãe que às vezes fazia aquele percurso de bicicleta comigo na garupa, e a semelhança nas músicas que ela cantava nos afazeres doméstico, com as que o pai dele tocava.

“Meu pai era argentino do território de Correntes, me disse Cedar! Foi de lá que ele trouxe sua música, mais aqui na nossa região, encontrando as verdadeiras raízes com a influência paraguaia e guaranis fez com que ela ganhasse um sotaque muito regional. Disse que temos aqui o Chamamé encorpado de baixaria, linguagem musical, estilo muito original que seu pai Marcilio Lima fora referência.

Cedar me conta com entusiasmo dos conjuntos que Marcilio formava, e ressalta vários músicos, entre eles, Dominguinhos, Américo Cândido de Mello (Menéco), o saudoso cantor Zé Rico, Marati, Laércio (José Brito), Armando Perrupato, Verão, Romeu Melo, Silvano (Sebastião Barros) entre tantos outros com quem conviveu tocando com seu pai e outros tantos com quem tocou profissionalmente, além de outros tantos com quem participou em estúdio para gravações.

Percebi a sua enorme admiração e respeito pelo trabalho do seu pai: “meu pai formava o seu conjunto com os melhores músicos que tinha por aqui, para tocar nas festas, e bailes nas cidades”.

Ele me conta que começou a tocar instrumento sozinho observando o seu pai. “O primeiro foi o violão, aprendi a tocar e afinar, quando papai viu eu já estava tocando o violão, já estava ensinando outros a afinar, aí papai comprou um violão para mim. Assim que aprendi o seu repertório, comecei a tocar com ele, depois o acordeom, que também aprendi a tocar e afinar. Eu olhava o papai tocando e aprendia! Com o tempo aprendi a desmontar, reformar e a trocar todas as peças daquele instrumento, aprendi com papai!” fala com muita satisfação.

Depois aperfeiçoou mais um pouco o aprendizado, buscando técnicas em um curso em São Paulo, aprendendo a fazer todo o instrumento, trocar todas as peças, afinar e tocar.

Mas a sanfona dele de oito baixos, ele não tocava! O pai sempre insistia, para ele tocar, mais só depois que seu pai faleceu foi que começou a tocar na sanfona de oito baixos.

Aí ensaiou todo o seu repertório e passou a tocar. Me contou que agora com a pandemia, parado, quer voltar a gravar, pois conta que tem muita música inédita, dele e também do seu pai. Diz que não tem nenhuma música gravada com a oito baixos e que deseja muito gravar todo o repertório!

Deseja gravar todas as músicas inéditas pois elas fazem parte da história cultural de nossa cidade. E tem a esperança de poder gravar para deixar para as próximas gerações saber como se “fazia as nossas músicas”. Me diz com esperança, e demonstra alegria com essa possibilidade de gravá-las! Eu desejo muito que isso aconteça.

Personagens e suas trajetórias de vida: 'Minha conversa com Cedar Vargas de Lima'

Quando perguntei sobre originalidade na música ele me respondeu que é dom de cada um. -“Cada um tem seu canto, tantos os homens quanto os passarinhos! Cada um com seu idioma, um não imita o outro! O que seria de nós sem a nossa música, sem o canto dos pássaros? O mundo seria muito triste!“ Cada pessoa tem seu canto, cada pássaro também, cada um com seu idioma diferente, mas o papagaio, esse imita a nossa fala e nosso canto assim como a arara”! Bom para refletir sobre isso.

Nessas lembranças ele relembra um papagaio que sua avó trouxe com ela quando veio para cá, este falava Castelhano, português e até o guarani dependendo de quem estivesse ali a conversar com ele.

Divagando sobre isso lembramos que aqui em Dourados tinha o Armando Perrupato que guardava os cantos dos pássaros na garganta. “Ele guardava o canto dos pássaros na garganta, todos os pássaros que ele conhecia, quando ele chamava o pássaro cantava igualzinho, assim passou a ser chamado como “o homem com os pássaros na garganta”.

Seguimos conversando e ele me contou que com o saudoso Zé Rico da famosa dupla com Milionário, lembra um fato quando foram tocar um baile numa fazenda. ”O  Zé Rico tinha mandado trocar os solados dos sapatos, mais ele não parava quieto, zanzando de um a outro lado e grudou os pés na lama e como provavelmente o serviço não foi bem feito os  solados se soltaram”.

Vendo ele naquela situação perguntou qual era o número dos seus sapatos, e confirmando ser o mesmo dele, deu os seus a ele já que ele era o cantor e tinha que ficar na frente. “Calçou os meus sapatos, e como as luzes dos lampiões estava fraca, eu fiquei mais atrás e ninguém percebeu que eu estava descalço. Assim ele tocou o baile com os meus sapatos que eram novos e bem bonitos,e fazia questão de que todos notassem a beleza dos seus que eram os meus sapatos”!

Ele me conta que teve um período que junto com seu pai e o Dominguinhos e Romeu, eram muito requisitados para estúdios para gravar acompanhando diversos cantores, duplas e trios. Eram chamados lá em São Paulo, mostravam o trabalho, entravam no estúdio da gravadora e gravavam! “Conta que chegou a gravar 36 músicas em dois dias, três LPs (long plays) de grupos diferentes”.

Lembra que nos anos setenta a nossa música influenciou muito a música sertaneja devido ao seu sotaque guarani de onde vem a sua origem, por isso justifica as tantas solicitações dos músicos douradenses nos estúdios de gravadoras, como Continental, Chantecler, RCA Victor e outras.

Personagens e suas trajetórias de vida: 'Minha conversa com Cedar Vargas de Lima'

Cedar lembra como a cidade de Dourados cresceu, mais diminuiu em muito sua extensão territorial. “Quando falamos de Dourados, falamos de uma região, do território antigo, pois o tempo que falamos é no tempo antigo. Hoje Dourados perdeu muito do seu território com os Distritos e vilas que foram se emancipando e isso modifica financeiramente e culturalmente a nossa cidade

Eu que conheço bem desses problemas que a nossa cidade enfrenta concordo com ele.

Assim, depois de passar uma tarde inteira de boa conversa, e ouvir belas músicas executadas pelo grande mestre do acordeom Cedar Vargas de Lima, eu e minha amiga Jucelma Melo, que me acompanhou nesse encontro, vale lembrar que ela é filha do artista Silvano Barros, que junto com seu primo Romeu Melo, e seu tio Américo Cândido de Melo, Dominguinhos e Cedar Vargas, amigos e músicos tocaram com Marcilio Lima em muitos bons momentos.

Nesse clima de companheirismo a conversa fluiu agradavelmente e com um clima familiar, já que a Jucelma é irmã de Jucilvane Mello, filho de Cedar, do seu primeiro casamento com a sua mãe Lydia Mello.

A mim, só me resta agradecer ao amigo Cedar Vargas de Lima, pelas lembranças que nos fez reviver bons momentos das nossas vidas.

Para finalizar vale dizer que além de tocar com o grupo do pai, Cedar ao longo da sua vida artística tocou e compôs com outros artistas e outros grupos, alguns desses parceiros com quem atua até hoje, é disso que vamos falar no próximo artigo.

Assim, por hoje é só, mais prometo voltar no próximo artigo para continuar a escrever sobre essas músicas que tanto envolve e relembra as histórias vividas em nossa cidade.

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