Eduardo Martins, docente adjunto 4, curso de História, (UFMS-CPNA) –
Para que serve a História? Para nada. Em sua utilidade prática, ela não planta, nem colhe, não produz alimento, tampouco bens de consumo. Então, não é útil no sentido das ciências exatas. Ela não é, tampouco, exata. No entanto, sem ela nenhuma outra ciência, conseguirá fazer-se. Ou pelo menos ficariam patinando. Imaginem a medicina que não leva em consideração os conhecimentos adquiridos ao longo dos tempos, nem pensem ignorar Hipócrates. Físicos e engenheiros, têm que, obrigatoriamente conhecer Galileu, Copérnico, Newton, Einstein e suas fórmulas. No curso de Letras ainda estudam o latim, imaginem. No Direito essa língua é amplamente utilizada na tentativa de dar garbo e esse conhecimento técnico-social-jurídico. Enfim, os exemplos são de todas as áreas do conhecimento.
Mas, por que iniciei meu artigo falando isso? Porque a escolha do novo Papa e a escolha do seu nome é um fenômeno histórico. Aqui entra a pegadinha, a utilidade da História. Explicar! Cumpre a essa ciência e a sua epistemologia dar conta do passado e das ações das pessoas nele se movendo, friccionando as tensões que fazem a sociedade ter sentido dinâmico, enfim, a própria História.
Sendo assim, há exatamente 134 anos, no dia 15 de maio de 1891, o papa Leão 13, promulgou sua Encíclica “Rerum Novarum”, documento sacro que dispunha sobre a luta de classes. Não é mera coincidência?! Por que o senhor Robert Francis Prevost, se intitulou Leão? Esse significado é preocupante? Outra vez a utilidade da História; é nosso dever lembrar quem foi a linhagem Leonina na Igreja Católica, não vou remontar desde o Primeiro Leão para isso indico o artigo do historiador Fernando Horta[1].
O antecessor Leão 13, que governou a Igreja Católica, nos anos de 1878 até 1903. No auge do socialismo, das ideias e ideais de um novo mundo para os trabalhadores e trabalhadoras. Recordemos que há apenas 30 anos, 1848, Marx lançava o Manifesto do Partido Comunista que em poucas semanas já era lido pela Classe operária de todo o mundo. Classe esta que buscava, então, obedecer aos desígnios históricos unindo-se! Não é mera coincidência, justamente no aniversário de 30 anos e, auge das lutas a Igreja Católica tentar se impor como mediadora da luta de classe.
Foi o próprio Marx que disse no Manifesto do Partido Comunista que a Igreja Católica se aliou aos Estados-nacionais para o que ele chamou de uma “Santa Caçada”, que uniu o Papa e o Czar, e a polícia sempre muito violenta contra a classe operária. Não à toa também disse, em algum lugar, que a “religião é ópio do povo”.
O mundo capitalista da época, finais do século XIX e início do XX, estava prestes a se tornar Comunista e a Igreja, seu Papa Leão 13, cumpriram sua função histórica de frear a vitória dos trabalhadores e das trabalhadoras frente à exploração capitalista. A Igreja Católica sempre foi reacionária, não vou citar aqui a “Santa Inquisição”, tampouco a catequização e escravização dos milhares de indígenas do Brasil.
Eram tempos de um mundo bipolar, as lutas de classes estavam em ebulição na Europa; e um fantasma ali rondava. As velhas monarquias, partidos conservadores e os ministros de Estado atônitos. A Classe trabalhadora universal estava unida. As greves, revoltas e motins tomavam as fábricas e as ruas. Leão 13 pôs um freio à conquista dos direitos, da cidadania à classe trabalhadora. Coube a Leão 13, o papel de Leão (em pele de Cordeiro) domesticar o operariado cristão frente à Revolução mundial e a sua libertação contra da classe patronal e da própria Igreja, Leão sabia que a Revolução seria também no campo espiritual e a sua Igreja corria sérios perigos.
Por fim, a história tem uma serventia ímpar, uma utilidade prática no campo intelectual, moral e, sobretudo, cumpre a essa ciência, a essa disciplina escolar e acadêmica mostrar o que se tentam acobertar; cumpre à história revelar o que a Igreja escamoteia e o que os conservadores, à direita e à esquerda tentam ludibriar a classe trabalhadora com falácias moles ou de suposta moderação.
Finalmente, a história não é a ciência do futuro, mas tem obrigação de, por meio, da leitura do passado, fazer ilações e buscar prognósticos do que poderá acontecer, em caso de buscas de tentativa de continuidade em determinados padrões pré-estabelecidos, como é o caso da linhagem papal de Leão, sempre conservadora e em defesa da Igreja em primeiro lugar. Neste caso o recado é muito claro para a História.
Concluo então, com Marx novamente, já que estou falando em utilidade da história e de exemplos do passado. Disse o velho barbudo Comunista mais ou menos assim: a história se repete, acontecendo duas vezes; a primeira como tragédia a segunda como farsa. Se assim for não esperem muito de Leão 14, ao que tudo indica e a julgar pela utilidade da História ele não tem muito de Cordeiro.
Em tempo. Coisas do ofício de historiador/a reparem na data. Faz 134 anos da promulgação da Encíclica Rerum Novarum, não acredito que a maior e mais antiga Instituição do mundo tenha escolhido aleatoriamente o nome do Papa de Leão 14. Notem há uma ordem; 134 anos. Leão 13 e agora Leão 14, há uma regra. Não me surpreenderia uma Rerum Novarum Novarum. Porém, assim como Marx eu também não sou profeta.
[1] https://www.brasil247.com/blog/leao-xiv-e-os-significados-preocupantes