Redação –
Uma estudante indígena Terena do quarto semestre do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em Campo Grande, registrou um Boletim de Ocorrência por injúria racial contra dois colegas de curso. A vítima alega ter sido alvo de comentários pejorativos e ofensas de cunho étnico-racial em diversas ocasiões desde o início do curso, em março de 2024.
O caso, que expõe um grave episódio de racismo no ambiente acadêmico, também foi formalmente denunciado ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), à Defensoria Pública e na plataforma Fala BR do Governo Federal em novembro de 2024.
“Os índios são burros”: O estopim das ofensas
Segundo o relato da estudante, as “provocações” da dupla, composta por uma aluna (ex-líder de sala) e um amigo, começaram logo no primeiro semestre. Ela detalha que os colegas utilizavam o termo “índio”, já em desuso e considerado pejorativo, de forma debochada. Em um dos episódios, eles chegaram a ser corrigidos por um professor em sala de aula, mas o comportamento persistiu.
“O professor até corrigiu, falou, ‘olha, não se usa mais o termo índio, é indígena ou povos originários’. Até aí, tudo bem, ela só tirou o sarro. No mesmo dia, a mesma aluna, só que dessa vez com o amigo dela, falou ‘fulano, nós vamos ser processados pelos índios’, e caiu na gargalhada, os dois,” detalhou a vítima.
As agressões verbais escalaram. Em outro momento, ao ver a estudante usando um brinco representativo da etnia Terena, um dos agressores começou a bater na boca, imitando um estereótipo de povos originários, enquanto a colega ria.
O ápice da situação ocorreu em novembro de 2024, quando, ao se dirigir para fazer uma prova optativa, a dupla proferiu a ofensa mais grave. “Olha quem veio fazer a prova optativa,” teria dito a aluna, seguida pelo amigo que disparou: “os índios são burros,” com os dois caindo na risada. A cena foi testemunhada por outros colegas, que incentivaram a denúncia por injúria racial.
Vítima denuncia falta de suporte e coação na UEMS
A estudante Terena afirma que, após levar a situação ao conhecimento da coordenação do curso, se sente “totalmente desamparada” pela UEMS. Ela relata não ter recebido acompanhamento psicológico ou suporte emocional, e expressa que o ocorrido tem afetado seu desempenho acadêmico.
O sentimento de desamparo se agravou durante a oitiva administrativa. A vítima alega que a Comissão Processante tentou desqualificar sua denúncia, questionando até mesmo sua identidade indígena, apesar de ter ingressado na universidade por cotas e apresentado documentação comprobatória.
Além disso, a estudante relata que ficou em uma posição de vulnerabilidade durante seu depoimento, pois a Comissão solicitou a presença do advogado dos agressores, enquanto ela estava sem representante legal.
“Eu estava sozinha ali, se aproveitaram para colocar o advogado do rapaz na minha frente. Fiquei nervosa, até porque eu estava esperando que eu daria um depoimento para a UEMS dos fatos… Eu saí de lá bem constrangida,” desabafou a vítima.
O Coletivo Rede de Saberes da UEMS, que atua na defesa dos estudantes indígenas, emitiu uma Nota de Repúdio, manifestando apoio à vítima e cobrando celeridade na investigação. “Acreditamos que toda a comunidade universitária deve se comprometer com a construção de uma universidade realmente plural, inclusive antirracista,” diz a nota.
O que diz a UEMS
Em resposta às denúncias, a UEMS emitiu uma nota informando que o caso está sendo apurado no âmbito administrativo.
“Para este fim, foi instaurada Sindicância Administrativa por meio da PORTARIA “P”/UEMS n.º 660, de 04 de junho de 2025, publicada no Diário Oficial n.º 11.848, de 05 de junho de 2025… O procedimento encontra-se em pleno andamento, conduzido por comissão sindicante designada especificamente para a apuração dos fatos, respeitando integralmente o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.”
A instituição ressaltou que, conforme a legislação estadual, os procedimentos correcionais tramitam sob sigilo administrativo, medida que visa garantir a efetividade das investigações e a integridade das apurações em curso.

