Acelino Rodrigues Carvalho (*)
O movimento que luta diuturnamente para destruir a nossa democracia por dentro, corroendo-a como cupim (Levitsky e Ziblatt), tem como alvo privilegiado a independência do Poder Judiciário e, de modo especial, do Supremo Tribunal Federal. A questão não é de difícil compreensão. Não obstante a Constituição estabeleça no artigo 2º que: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, o fato é que a independência no tocante à relação entre Legislativo e Executivo é impossível: a atuação da Administração Pública está submetida ao princípio da estrita legalidade (CF art. 37), isto é, a Administração só pode atuar mediante autorização legal.
Isso exige do Executivo negociações com o Legislativo com vistas à obtenção de maioria para a aprovação de seus projetos governamentais; nesse processo, que é político, a independência entre ambos os Poderes se esvai. Consequentemente, a única independência possível é a do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes, e é essa independência que assegura ao Poder Judiciário um papel ativo (não ativista) no sistema de freios e contrapesos, que, por sua vez, permite ao sistema jurídico manter a atuação do poder político, ou seja, do Legislativo e do Executivo, nos limites de sua competência constitucional. Eis o motivo para o constante ataque à Suprema Corte: os ministros têm de decidir de acordo com este ou aquele interesse, ainda que contrário à Lei Maior.
São incontáveis as manifestações políticas nesse sentido nos últimos anos. Dois exemplos, porém, são elucidativos: o primeiro é o elevado número de pedidos de impeachment contra ministros do STF junto ao Senado da República, fenômeno incomum no pós-redemocratização, que vem sendo repelido com veemência pelo presidente da Casa, que tem sistematicamente recursado o recebimento e processamento dessas postulações. Mais notável ainda foi a recente aprovação pela Câmara dos Deputados, por elevada maioria de votos, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, que ficou conhecida como PEC da Blindagem, a qual exigia autorização da Câmara dos Deputados ou do Senado para que o Supremo Tribunal Federal pudesse processar e julgar deputados e senadores pela prática de eventuais crimes.
Repudiada também com veemência pela opinião pública, a tal PEC foi rejeitada por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o que mereceu aplausos quase que unânime da população. Ou seja, o Senado Federal tem se portado até aqui como verdadeiro guardião da independência funcional do STF, que, por sua vez, é o guardião da Constituição e, assim, da própria democracia. Pois para surpresa geral, lê-se em manchete do portal de notícias UOL, desta quarta-feira, 22/10/2025: “Lula vai sofrer derrota acachapante se escolher Messias, diz Kajuru”. Trata-se do senador pelo Estado de Goiás, Jorge Kajuru.
Não bastasse a violação da competência exclusiva do presidente da República para indicação ao cargo de ministro do STF (CF art. 84, XIV), gera ainda mais perplexidade os motivos que levariam à rejeição do nome indicado. O texto jornalístico indica que o principal motivo seria a preferência pelo senador mineiro Rodrigo Pacheco. Além disso, o Congresso estaria “irritado com a última indicação de Lula ao STF, ministro Flávio Dino, […] relator das ações que tratam sobre emendas parlamentares e tem dado decisões que restringem o pagamento de emendas por exigir rastreabilidade e transparência, além de autorizar investigações sobre o uso de dinheiro público que atingem os congressistas”. Esses argumentos não são muito diferentes daqueles que motivaram a PEC da Blindagem. Em linguagem simples: os parlamentares não querem ser investigados.
Para além de violar prerrogativa presidencial, como dito acima, se verdadeiras essas informações, a postura da Câmara Alta implica uma interferência indevida no funcionamento do Poder Judiciário, precisamente na independência da Suprema Corte. Os requisitos a serem analisados pelos senadores para acolher ou rejeitar uma indicação ao STF, nos precisos termos da Constituição Federal, são apenas três: idade entre trinta e cinco a setenta anos; notável saber jurídico; e reputação ilibada (CF art. 101). O novo critério aventado na matéria, ademais de contrário à Constituição, compromete irremediavelmente a legitimidade na atuação do futuro ministro. E aniquila a confiança da cidadania nas suas instituições.
(*) É Advogado. Especialista em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional. Mestre em Direito Processual e Cidadania. Doutor em Direito Público. Professor Titular de Filosofia do Direito, Teoria da Constituição e Teoria do Processo na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

