Elecir Ribeiro Arce (*) –
A história do ouro no Brasil está consorciada com tragédia. Os portugueses quando aqui chegaram, no último ano do século XV, sonhavam dia e noite com o valioso metal. Afinal, naquele momento o ouro constituía-se no principal lastro das moedas das potências europeias e significava poder e riqueza para as monarquias nacionais absolutista.
Escrafuncharam o território até encontrar ouro no final do século XVII, na região das Minas Gerais. Junto com a ambição da riqueza fácil levaram para a região aurífera a fome, a miséria, prostituição, violência, mortes humanas e a destruição do meio ambiente. Essas mazelas sempre estiveram presentes nas garimpagens em solo brasileiro. Naquele tempo para o governo português quanto mais distantes das minas, os indígenas estivessem, melhor era para os exploradores que preferiam a mão de obra escrava dos africanos e seus descendentes. Escorraçavam sem piedade a ferro e fogo os nativos de suas terras.
No início do século XVIII, descobriram ouro na região de Cuiabá em Mato Grosso. Lá também só catástrofe humana e ambiental. As monções de aventureiros com seus escravos percorriam milhares de quilômetros por água e terra até o local do precioso metal. No caminho dizimavam as comunidades indígenas e nas minas castigavam os escravos que perdiam a saúde e até a vida balançando sem trégua a bateia para separar o ouro do cascalho. Naquele período a palavra genocídio nem fazia parte da língua portuguesa.
O ouro das Gerais e da região cuiabana encheu a algibeira e proporcionou muita riqueza para um grupo diminuto de colonos brasileiros que controlava a atividade e ajudou a corte portuguesa a saldar boa parte de suas dívidas e manter o luxo da nobreza e da classe rica que dominava o comércio do metal em solo lusitano. Os envolvidos diretamente na extração do ouro morreram na pobreza, doentes e sem guarida do Estado.
Mais recentemente, já no século XX, mais especificamente nas décadas de 1970/1980, o Brasil presenciou o inferno do garimpo na Serra Pelada no estado do Pará. Milhares de pessoas de todas as regiões do país correram afoitamente para a localidade em busca de riqueza rápida. A farta documentação do período nos dá uma dimensão da ganância e ilusão do ser humano. Um verdadeiro formigueiro de gente em torno de uma cratera gigante. Homens maltrapilhos passavam horas escavando a terra e aumentando o tamanho do buracão. Subiam escadas carregando sacos nas costas com terra e cascalho em busca de encontrar algumas gramas de ouro na hora de peneirar o material.
O ouro da Serra Pelada enriqueceu ainda mais os controladores do garimpo. Para os trabalhadores que garimparam na lama de sol a sol o valioso metal, sobraram doenças, miséria e desilusão. Com o escasseamento do ouro, a Serra Pelada perdeu o protagonismo, muita gente foi embora em busca de novas oportunidades, deixando para trás a destruição ambiental e a miséria para os habitantes que ficaram no povoado. O garimpo é tão cruel que no auge do ouro na Serra Pelada uma das atividades mais lucrativas economicamente no vilarejo era a prostituição.
Quando parecia que o Brasil havia se livrado dessa saga infame do garimpo, eis que surge em plena “modernidade” do século XXI, o famigerado garimpo nas terras dos indígenas da etnia Yanomami no estado de Roraima. Outra tragédia, dessa vez mais cruel ainda, haja vista que a ambição dos comerciantes de ouro causou o genocídio dos indígenas em pleno espaço ancestral de vida deles. As imagens que chegam da terra yanomami nos remetem ao final Segunda Guerra Mundial quando os exércitos Aliados libertaram os judeus dos campos de concentração nazista. Tanto lá, quanto cá, seres humanos esqueléticos pela desnutrição, fome e maus-tratos.
Como nós brasileiros permitimos uma situação de genocídio em nosso país? Por que fomos lenientes com essa tragédia? A garimpagem ilegal na terra Yanomami em Roraima faz parte de um conluio macabro envolvendo comerciantes de ouro, os gestores públicos roraimenses e o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Os mandatários políticos de Roraima apoiaram diretamente os garimpeiros e o ex-presidente Bolsonaro pressionou as instituições públicas e seus gestores a fazerem vistas grossas e impedir a fiscalização e autuação dos criminosos. A situação de caos era de conhecimento do povo de Roraima, de conhecimento do governo federal e de conhecimento da grande mídia. Ficaram quietos, passaram “pano” e quando a nação brasileira tomou conhecimento da tragédia, os prejuízos já haviam chegado a patamares incalculáveis em perdas humanas e destruição ambiental.
Tratamos de maneira simples e objetiva de quatro momentos da história brasileira em que a busca desenfreada pelo ouro deixou um rastro de destruição e mortes e que poucos se beneficiaram economicamente com a extração do metal. No caso de Roraima temos que ficarmos vigilantes e cobrar das autoridades a punição exemplar dos culpados pela tragédia. Por fim, antes de comprar uma pulseira, brinco, corrente ou qualquer outro artefato de ouro para embelezar o corpo, seria prudente refletir: quantas vidas humanas foram perdidas e quanta natureza destruída para aquele adorno chegar até as vitrines das joalherias, vale a pena usar isso?
(*) Professor da rede estadual de Ensino de MS.