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Deumeires Morais: ‘Nossa missão é renovar o movimento sindical e garantir direitos aos educadores’

Juliel Batista –

No último sábado (5), a presidenta-eleita da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (Fetems), Deumeires Batista de Souza Rodrigues de Morais, visitou a sede da Folha de Dourados para uma conversa presencial sobre seu recente triunfo nas urnas: ela obteve impressionantes 8.501 votos, o que representa cerca de 80% dos 10.751 sufrágios válidos, consolidando ampla maioria na eleição de 2 de junho para a gestão 2025‑2029 da maior entidade sindical do Estado.

Na entrevista, Deumeires destacou a importância da representatividade feminina nas pautas da Fetems: “A educação é formada por mais de 85% de mulheres, então essa representatividade se torna ainda mais importante”. Ao assumir a presidência — sendo mulher e negra — ela reforçou seu compromisso com as lutadoras da base: “é fundamental dar visibilidade à questão racial, ao protagonismo da mulher negra, como forma de empoderamento e de afirmação de que sim, nós podemos”.

Sobre os próximos passos, a presidenta contou sobre os preparativos imediatos. “A posse oficial acontece no dia 11, mas o trabalho é contínuo”, destacou Deumeires, explicando que já está em curso uma campanha de filiação voltada aos jovens educadores.

“para mostrar que concurso público, processo seletivo, salário em dia e remuneração digna são conquistas diretas da luta sindical”, afirma Deumeires.

Nas linhas acertadas para atuação ao longo do mandato, ela anunciou também frentes de combate à privatização das escolas públicas, à terceirização no serviço público e a mobilizações pela continuidade dos concursos — experiências que, segundo ela, “trazem dignidade” aos profissionais da educação.

Leia a seguir, a entrevista.

Folha de Dourados – A senhora foi eleita neste ano para presidir a Fetems, a maior entidade representativas de trabalhadores em Mato Grosso do Sul. Enquanto mulher e negra, como recebeu essa vitória?

Deumeires Moraes – Primeiro, enquanto mulher, considero bastante significativa a minha eleição, principalmente quando observamos a composição da nossa base. A educação é formada por mais de 85% de mulheres, então essa representatividade se torna ainda mais importante. Isso nos permite ampliar a defesa das pautas das mulheres, trazendo para o centro do debate as questões que envolvem o cotidiano da mulher educadora — não apenas dentro dos muros da escola, mas também fora deles. É necessário discutir o que essas profissionais vivem em suas rotinas, suas dificuldades, lutas e necessidades, fortalecendo uma atuação sindical que olhe de forma mais sensível para essas realidades.

E, sendo mulher negra, essa responsabilidade se amplia ainda mais. É fundamental dar visibilidade à questão racial, ao protagonismo da mulher negra, como forma de empoderamento e de afirmação de que sim, nós podemos. Acredito que minha eleição abre caminhos e portas, não apenas para outras mulheres negras, mas para toda a sociedade, mostrando que também podemos ocupar espaços de liderança — inclusive os mais altos, como a presidência da maior entidade sindical do Mato Grosso do Sul.

“Acredito que minha eleição abre caminhos e portas, não apenas para outras mulheres negras, mas para toda a sociedade, mostrando que também podemos ocupar espaços de liderança.”

Folha de Dourados – A senhora ainda não tomou posse oficialmente, mas como estão os preparativos da chapa eleita? O que podemos esperar para os próximos anos em relação a novas filiações e frentes de luta?

Deumeires Moraes – A posse oficial acontece no dia 11, mas o trabalho é contínuo. Nós já estamos atuando desde o término da eleição, dando continuidade ao que já vínhamos realizando e incorporando novos olhares. Para o segundo semestre, por exemplo, já planejamos lançar uma grande campanha de filiação, voltada principalmente aos jovens professores que assumiram recentemente, seja por concurso ou processo seletivo. É importante mostrar a esses profissionais que, provavelmente, eles não estariam onde estão se não fosse a luta do movimento sindical. Concurso público, processo seletivo, salário em dia e remuneração digna são conquistas diretas da atuação sindical. Por isso, se eu posso usufruir desses direitos enquanto educador, é fundamental reconhecer o papel do sindicato — e uma das formas de fazer isso é me filiando e contribuindo não só com a luta coletiva, mas também com o seu financiamento.

Vamos promover essa campanha de filiação destacando a importância do movimento sindical para as conquistas históricas da categoria e, ao mesmo tempo, o papel essencial da juventude para o futuro da luta sindical. Se os jovens não assumirem esse protagonismo, há um risco de retrocesso nos próximos dez anos. Nós temos plena consciência da necessidade de renovação, tanto que a nova diretoria já conta com muitos professores jovens. Essa preparação é intencional: muitos de nós, como eu, estão próximos da aposentadoria, e estamos formando novas lideranças para manter a continuidade. Assim como sou fruto da luta dos que vieram antes de mim, é preciso garantir que a próxima geração esteja pronta para seguir adiante.

Além disso, já temos programadas outras frentes de mobilização para o segundo semestre, como uma campanha contra a privatização das escolas públicas — processo que já avança em estados como Paraná e São Paulo. A Fetems, junto aos nossos 74 sindicatos filiados, já se posiciona contrária a esse tipo de projeto, que representa um retrocesso à educação pública. A privatização ameaça a gestão democrática, conquista histórica do movimento sindical, fere a liberdade de cátedra e desvia o dinheiro público, que deve ser destinado e gerido pela escola pública e por servidores públicos. Junto a isso, também vamos lançar uma grande campanha pela realização de concursos públicos. A terceirização, que tem se expandido no serviço público, é outro problema sério. Ela precariza o trabalho e a previdência, já que trabalhadores contratados não contribuem com o regime próprio, mas sim com o regime geral — o que enfraquece nosso instituto de previdência. São muitas nuances que precisam estar no centro do debate neste segundo semestre.

“(…) é fundamental reconhecer o papel do sindicato — e uma das formas de fazer isso é filiando e contribuindo não só com a luta coletiva, mas também com o seu financiamento.”

Folha de Dourados – Durante a campanha, algumas bandeiras foram destacadas. Quais áreas serão prioritárias para a sua gestão na Fetems?

Deumeires Moraes – Nós temos atuado em várias frentes que consideramos fundamentais e que precisam de um olhar mais atento. Um dos principais pontos é a aprovação do piso salarial nacional para os funcionários administrativos das escolas. Aqui em Mato Grosso do Sul, já houve avanço nessa valorização por meio da negociação estadual, mas a Fetems não atua apenas na esfera estadual — nós também acompanhamos as redes municipais. Por isso, a aprovação do piso nacional se torna uma ferramenta importante para fortalecer as negociações nas prefeituras e garantir uma valorização financeira mais justa para esses profissionais em todo o estado.

Outro ponto central é a situação dos professores temporários, os chamados convocados. Existe uma diferença significativa entre os salários dos professores efetivos e dos convocados, o que representa um grande desafio para a educação. Ainda estamos em mesa de negociação com o Governo do Estado e já aprovamos, em assembleia, a construção de uma política salarial específica para esse grupo, com o objetivo de reduzir gradativamente essa desigualdade. No entanto, acreditamos que a solução definitiva passa pelo concurso público. O concurso não apenas equaliza os salários, mas garante dignidade ao profissional: ele assegura estabilidade, o direito à progressão na carreira e à contribuição no regime próprio de previdência. Por isso, nossa principal bandeira é a realização de novos concursos públicos.

Também estamos acompanhando de perto o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, que trata do desconto de 14% sobre os salários dos aposentados. Essa reforma da Previdência foi, sem dúvida, uma das maiores derrotas da classe trabalhadora, pois precarizou não só a situação dos servidores da ativa, mas principalmente a dos aposentados, que já haviam contribuído durante toda a vida profissional. Nós, junto com a CNTE, estamos pressionando ministros e parlamentares para que esse desconto seja considerado inconstitucional. Há um avanço: o ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vistas há cerca de seis meses, devolveu o processo com parecer favorável à nossa causa. Agora aguardamos a posição do ministro Barroso, relator da matéria, que permanece no STF até agosto. Se ele não se manifestar até lá, a votação pode ficar para depois. De qualquer forma, estamos confiantes com o andamento do processo e seguimos mobilizados em várias outras pautas que são igualmente importantes para a continuidade e o fortalecimento da nossa atuação enquanto federação.

“Essa reforma da Previdência foi, sem dúvida, uma das maiores derrotas da classe trabalhadora, pois precarizou não só a situação dos servidores da ativa, mas principalmente a dos aposentados, que já haviam contribuído durante toda a vida profissional.”

Folha de Dourados – Um tema que gera debate, inclusive dentro de sindicatos filiados, é a situação dos professores contratados. Qual a sua visão sobre essa realidade? E qual o papel que a Fetems tem desempenhado nessa discussão?

Deumeires Moraes – Nós ainda estamos em mesa de negociação com o Governo do Estado, e esse diálogo vai continuar. Existe uma comissão de negociação já formada, da qual eu faço parte, juntamente com o professor Onivan, nosso vice-presidente. Essa comissão será mantida para dar continuidade às tratativas. Na nossa última assembleia, aprovamos a construção de uma política que trate, de forma gradativa, a redução da diferença salarial entre professores efetivos e convocados. A ideia é estabelecer percentuais que permitam esse equilíbrio ao longo do tempo.

Por exemplo, no início do ano, os professores convocados que já estavam em sala de aula tiveram um reajuste de 7%, enquanto os que ainda não estavam atuando receberam 5%. Essa nova tabela entrou em vigor em fevereiro. Já em maio, os professores efetivos receberam 5,06%, referentes ao RGA (Reajuste Geral Anual) concedido a todos os servidores efetivos. Estamos tentando, dentro da mesa de negociação, que esse mesmo percentual também seja estendido aos professores convocados. Porém, o governo argumenta que o RGA é exclusivo para servidores efetivos. Por isso, propusemos a criação de uma gratificação específica — que pode ser chamada de regência de classe, gratificação de magistério ou outro nome — que permita aplicar esses 5% também aos convocados, para que a diferença entre os reajustes não se reduza a apenas 2%.

Além disso, estamos acompanhando a previsão de chamada de concurso público para reduzir o número de professores convocados. Há duas frentes em andamento: a primeira é a convocação dentro do concurso vigente, prevista para o início do segundo semestre. Estamos levantando o número de vagas para buscar uma chamada mais ampla e equilibrada. A segunda é a realização de um novo concurso, previsto para 2026, já debatido com os professores convocados em um encontro realizado há cerca de dez dias, com a participação de aproximadamente 300 profissionais de todo o estado. Nesse encontro, ficou decidido que o próximo concurso será de âmbito estadual, para permitir maior mobilidade e oportunidades aos aprovados. Isso porque, atualmente, o concurso vigente é por município, o que limita a posse apenas ao local onde o candidato prestou a prova. Nosso objetivo é garantir que mais professores ingressem por meio de concurso público, pois entendemos que é essa estabilidade que assegura dignidade à carreira docente.

“Há duas frentes em andamento: a primeira é a convocação dentro do concurso vigente, prevista para o início do segundo semestre. A segunda é a realização de um novo concurso, previsto para 2026.”

Folha de Dourados – Outro ponto sensível é o pagamento do piso salarial aos profissionais da educação. A Fetems divulga, periodicamente, os municípios que cumprem ou não essa obrigação. A senhora poderia nos apresentar um panorama atual? E como pretende atuar nesse tema?

Deumeires Moraes – A nossa intenção, quando construímos esse ranking — que chamamos de ranking salarial — foi justamente pressionar as negociações municipais. Como você sabe, os professores efetivos, assim como os aposentados com paridade, recebem hoje o maior salário do Brasil, sem sombra de dúvida. Inclusive, estamos finalizando um levantamento nacional que mostra que o segundo maior salário pago no país é, em média, 40% inferior ao dos professores efetivos do Mato Grosso do Sul.

Esse dado tem sido importante também para o diálogo com os professores convocados. Embora recebam menos que os efetivos — uma diferença também superior a 40% —, os professores convocados aqui ainda ganham mais do que os efetivos da maioria dos estados brasileiros. Para você ter ideia de como a situação salarial está precária em muitas regiões do país, em debates nacionais já ouvimos que “vivemos em uma ilha”. Além disso, no nosso estado, os professores convocados ganham mais do que os efetivos de pelo menos 60 das 79 prefeituras. No ranking geral, por exemplo, o convocado do Estado ocupa a 19ª posição, o que mostra que ainda há muito a avançar nos municípios.

Por isso, estamos acompanhando de perto as negociações salariais nas redes municipais, com o objetivo de fortalecer os sindicatos locais e buscar melhores condições para os profissionais da educação. Sabemos que nem todas as prefeituras vão alcançar o patamar da rede estadual, mas o ranking tem sido uma ferramenta fundamental nas negociações. Hoje, podemos dizer que pelo menos 70% das prefeituras já pagam acima do piso e respeitam integralmente o que determina a Lei do Piso. E é importante lembrar: a lei não trata apenas do valor salarial. Ela abrange três pilares que garantem a valorização dos profissionais: o salário, a jornada e o plano de carreira — incluindo o terço da jornada destinado às horas de atividade extraclasse.

“Hoje, podemos dizer que pelo menos 70% das prefeituras já pagam acima do piso e respeitam integralmente o que determina a Lei do Piso.”

Folha de Dourados – A senhora tem base sindical e política em Dourados e aqui construiu sua carreira. Como avalia a atual situação da educação local, nos principais níveis?

Deumeires Moraes – Então, nós passamos muitos anos com a valorização dos trabalhadores e trabalhadoras em educação bastante estagnada, especialmente no que diz respeito aos professores. Enfrentamos algumas arbitrariedades da gestão anterior, que não aceitava a presença da Fetems na mesa de negociação. Eu mesma fui impedida de participar mais de uma vez. No entanto, percebemos que, com a atual administração, há uma sinalização de mudança nesse olhar. Já participamos da primeira reunião de negociação, que, inclusive, teve um resultado bastante positivo.

Enfrentamos algumas arbitrariedades da gestão anterior, que não aceitava a presença da Fetems na mesa de negociação

Os professores de Dourados conseguiram o reajuste do piso salarial e, de forma inédita, receberam o valor retroativo desde janeiro — algo que, até onde me lembro, nunca havia acontecido. Também tivemos a retomada do piso para 20 horas, o que acreditamos que contribuirá para uma recuperação da valorização da categoria. Para se ter uma ideia, Dourados ocupava a 60ª posição no ranking de salários em 2024. Após essa negociação — e aqui quero cumprimentar o Simted de Dourados pela abertura ao diálogo com o secretário Nilson —, subimos para a 39ª posição. Isso mostra que já houve um avanço significativo, e nosso objetivo é continuar acompanhando e fortalecendo as negociações para garantir uma valorização cada vez maior dos profissionais da educação no município.

“(…) percebemos que, com a atual administração, há uma sinalização de mudança nesse olhar. Já participamos da primeira reunião de negociação, que, inclusive, teve um resultado bastante positivo.”

Deumeires Morais: 'Nossa missão é renovar o movimento sindical e garantir direitos aos educadores'
Jornalista Juliel Batista e Deumeires Morais – Foto: José Henrique Marques
Deumeires Morais: 'Nossa missão é renovar o movimento sindical e garantir direitos aos educadores'
A presidente da Fetems, Deumeires Morais, e o diretor da Folha, jornalista José Henrique Marques
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