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Nossa Feira Livre, personagens e suas trajetórias de vida: ‘Parabéns, a esse Mestre Guerreiro’

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 Ilson Boca Venâncio –                    

Sempre que eu ia a feira gostava de ficar assistindo a roda de capoeira pela força da expressão cultural, o canto, o ritmo da percussão, o som do berimbau, o gingo do corpo, tudo me envolve fazendo aflorar as minhas raízes africanas.

 Jogar não jogo, mais arrisco umas palmas e até um canto, e porque não um gingado com o corpo acompanhando o ritmo.

Mais sempre prestei muita atenção no mestre Guerreiro, pela sua dedicação e entusiasmo com que faz a sua roda. Tanto quando recebia grandes mestres de outros estados do Brasil, como quando estava com seus alunos, ou amigos da capoeira.

Mestre Guerreiro sempre estava presente na feira livre da Rua Cuiabá.  Certa ocasião perguntei a ele pela paixão que sentia pela feira e ele me respondeu que veio de uma região do país onde a feira é o maior ponto de convergência da população, onde todos se encontram, e tudo acontece ali na feira.

Ele é Baiano e como todo bom nordestino a tradição das feiras livres se faz presente.

“Quem quer vender e quem quer comprar, todo mundo vai pra lá” canta o artista, repentista, mamulengo, cordelistas, todo mundo vai à feira.

Aqui comigo é assim!   A gente treina na academia durante a semana, no domingo vem para a feira jogar capoeira.

Quando temos encontros com mestres de outras cidades e estados, a gente vem também realizar esse jogo aqui na feira, para ter maior visibilidade e está perto do público. Feira é local de encontro.

 Para ele a feira livre é esse espaço democrático e mágico, que acontece na rua por um tempo determinado e por ser a forma mais antiga de comércio, deve ser preservado.

Na feira pessoas de todas as classes e credos convidem harmonicamente em uma manifestação popular.

É por isso que na feira livre, quando o samba é de roda, o Mestre Guerreiro se empolga, e deixa saltar no rosto um sorriso de menino.

Certo dia após a minha costumeira ida à feira-livre para distribuir os jornais Folha de Dourados, como fazia em toda manhã de domingo, fui até a casa do Guerreiro onde conversamos bastante e alegremente.

Dessa conversa foi me contando que quando tinha cinco anos, morando em Salvador-Bahia ficava nas rodas observando atentamente a dança, enquanto segurava os pertences dos mestres que jogavam a capoeira.

O som do berimbau penetrava em seus ouvidos, espalhando pelo corpo pura adrenalina, que lhe puncionava ao ritmo e de repente rompendo a timidez arriscava umas cambalhotas até que certo dia, o mestre lhe convidou para aprender a jogar.

Guerreiro me disse que ficava jogando ali na rua, mais o que queria mesmo era estudar na academia, porém teria que pagar, (tudo tem um preço) e como era menor, não trabalhava, saia a catar papelão para conseguir esse dinheiro.

O mestre vendo o seu interesse em capoeira, lhe isentou do pagamento e dizendo que se ele quisesse ser uma bom capoeira, ia precisava se dedicar. Aquele momento foi de pura emoção e disse que naquele momento, emocionado agradeceu a Deus por aquela oportunidade. Naquele momento ser um bom capoeira era o que mais sonhava e se tornou o objetivo da sua vida.

Foi orientado pelo Mestre Bimba e Mestre Pastinha. Tornou se então um professor, credenciado para o trabalho, Guerreiro pegou a estrada, passando por vários estados.

Em São Paulo participou junto com o saudoso Mestre Silvestre, ali também foi membro diretor do Conselho da Associação dos Capoeira daquele estado.

Assim foi fazendo a sua história, por onde passava, deixando as suas marcas, fundando academias e formando capoeiristas.

Chegando em Dourados na década de oitenta em pouco tempo fundou a sua academia “Associação de Capoeira Baiana” e assim passou a compor com a história do desenvolvimento cultural da nossa cidade. 

A nossa conversa corria tranquila, me mostrando uma infinidade de matérias em jornais, materiais de divulgação, fotos e vídeos, que comprovam o imenso número de trabalhos e eventos produzidos por sua academia em nossa cidade. Foram quatro encontros nacionais, com a participação de onze estados do nosso Brasil, aqui realizado.

Além das inúmeras vezes que daqui saiu para representar a nossa cidade. Mestre Guerreiro comenta que os encontros nacionais em Dourados, só deixaram de acontecer por falta de incentivo público. “Quando os donos da casa não querem, nada podemos fazer”

Acredita que indo no ritmo que estava a cidade seria hoje um grande pólo desse evento e que a capoeira em si só resiste por ser uma cultura de raízes forte, e que o maior incentivo que eles recebem é o carinho e atenção do povo.

Indagado sobre o retorno material do seu trabalho, Mestre Guerreiro fica entristecido ao lembrar que apesar de tanto esforço que fez e faz em prol da nossa cidade, ele ainda mora numa casinha de aluguel a margem do Córrego Rego D’água.

Diz que é triste ter que conviver com a pior das pobrezas humana, que é a falta de educação e respeito com a natureza, principalmente quando isso vem do poder público, que não se preocupa em zelar pelo meio ambiente.

Ele me diz que apesar do seu esforço para dar uma vida melhor para sua família e capitaneando o prestigio popular até mesmo colocou o seu nome em disputa a favor da política, mas não foi suficiente.

Diz que para a aquisição de uma casa pelos projetos de financiamento da Caixa Econômica, também não teve êxito, pois exige comprovação de renda em carteira.

Por ele ser um profissional liberal do mundo da arte-cultura, não se encaixa no padrão exigido. Curso superior de quatro anos em educação física, ou áreas afins ele diz não possuir.

É preciso ter título da Academia, coisa que infelizmente pelo compromisso que sempre teve com a capoeira como cultura de inclusão social, formadora de caráter em cidadania, não lhe sobrou tempo para desenvolver.

Mas se diz se sentir muito lisonjeado pelo carinho e reconhecimento do povo pelo seu trabalho como o prêmio nacional que ganhou no Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN/ MIC, Luiz Fernando de Almeida.

Na entrega do prêmio, que aconteceu em Brasília, estiveram presentes a ministra da Cultura na época, Ana de Holanda e o presidente do Instituto. Esse prêmio teve como objetivo o “reconhecimento” e a “recuperação” deste patrimônio imaterial, que é a capoeira, pela sociedade.

Merece elogio o recebimento do prêmio, no caso de mestre Guerreiro, pelos seus sessenta anos de dedicação ao desenvolvimento da cultura de raiz, a capoeira.

Essa, além de ser uma atividade artística de luta, de música e de dança, auxilia no desenvolvimento físico, educando no sentido ético e moral e contribuindo para uma melhor formação em cidadania.

Vale a pena ressaltar que foi Mestre Guerreiro o único a receber esse prêmio, representando o Mato Grosso do sul.

Depois dessa conversa sair dali dividido, metade alegria, metade tristeza.

Alegre por conhecer a história de uma pessoa que pela dedicação e compromisso com a sua cultura ajuda a construir cidadãos melhores e triste em constatar que nem sempre o conhecimento e a capacidade são suficientes para garantir a inclusão.

Ao meu querido amigo Mestre Guerreiro a minha gratidão pelo respeito e amizade.

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