No passado, ouvir música era uma atividade por si só. Fosse nas antigas óperas ou concertos, mais tarde no rádio, depois nos LPs ou CDs, era comum que alguém reservasse um tempo no seu dia para, simplesmente, escutar uma bela canção.
Mas os tempos mudaram. Talvez porque com a era dos streamings, o acesso se ampliou, e muito. Hoje, é possível encontrar virtualmente qualquer obra disponível imediatamente. Mais ainda, é possível encontrar peças semelhantes, do mesmo gênero ou do mesmo artista, ou de alguma forma relacionada ao gosto do ouvinte. É bem verdade que às vezes o DJ Algoritmo pisa um pouco na bola, mas isso é parte do processo de aprendizagem.
Com tantas opções disponíveis, surgiu uma mudança de comportamento, que vai ao encontro da sociedade da informação dos dias atuais – a música como trilha sonora para atividades cotidianas.
Já não é preciso ter um toca-discos ou um cd player para escutar uma gravação. Seu celular faz o trabalho, com uma qualidade de som cristalina, e com possibilidade de uso de fones de ouvido. Então, pode-se ouvir uma canção em absolutamente qualquer lugar, e em qualquer momento. Basta relembrar as Olimpíadas de Tóquio, quando os jovens skatistas competiram ao som de suas playlists preferidas, com fones de ouvido sem fio e smartphone no bolso das bermudas largas. Ou quase isso, já que o medalhista de prata brasileiro Kelvin Hoefler confessou, após a competição, que não estava de fato escutando nada. Apenas queria evitar que falassem com ele e tirassem seu foco.
Não são apenas os skatistas olímpicos que usam a música como instrumento de concentração e/ou relaxamento. Nadadores, futebolistas e até jogadores de poker tem uma trilha sonora própria para sua atividade. E a escolha faz sentido, porque pesquisas já provaram que, selecionando a melodia certa, é possível atingir um grau de concentração maior e, assim, obter melhores resultados.
Mas será que a música pode ajudar no desempenho de tarefas cotidianas? Ou essa é uma prerrogativa de atletas de alto desempenho?
Pode-se conseguir a resposta de uma maneira empírica. Quem nunca colocou um som animado enquanto realizava tarefas braçais? Bandas de Rock ou um belo sambão ajudam, sim, na hora de fazer uma faxina completa. Passar o aspirador ouvindo Metallica ou juntar um esfregão com Zeca Pagodinho são certezas de uma limpeza pesada com a alma leve.
Para quem não quer acreditar em uma avaliação subjetiva, há pesquisas interessantes sobre essa influência da música. Está comprovado que ela pode até mesmo alterar o olfato e o paladar. Ou seja, se você gosta de ouvir alguma coisa enquanto cozinha, saiba que seu tempero pode variar de acordo com sua trilha sonora. Alguns pesquisadores e gourmets estão estudando como usar as canções para aprimorar a experiência gustativa. Já se sabe, por exemplo, que certos estilos fazem o sabor do chocolate parecer mais doce. Será que veremos o dia em que, junto aos talhares de um restaurante elegante, estarão fones de ouvido?

Muitas pessoas criticam o hábito jovem de estudar ou trabalhar enquanto ouvem música. O argumento é que ela pode atrapalhar a concentração ou absorção de informações. Porém, isso pode não ser necessariamente verdadeiro. Depende muito do tipo de tarefa e do tipo de obra. Escolhendo a playlist correta, ela ajuda sim na concentração. Há, inclusive, cirurgiões que gostam de operar ouvindo música, já que isso alivia a tensão na sala de cirurgia. Programadores são outra categoria na qual uma melodia é parte do trabalho. Com tantos códigos na tela, um som agradável facilita o raciocínio e a resolução de problemas.
Parece que ouvir música deixou definitivamente de ser uma atividade passiva. A cada dia mais, ela compõe uma trilha sonora personalizada e quase infinita para cada indivíduo, seja em seu trabalho ou em atividades corriqueiras. E, se no mundo louco em que vivemos ainda sobrar algum tempo, você pode até mesmo permitir-se um momento vintage, sentando em uma confortável poltrona para simplesmente ouvir sua canção favorita.