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‘Mediocridade Literária: Sintoma de um Problema Estrutural’, por Reinaldo de Mattos Corrêa

Reinaldo de Mattos Corrêa (*) –

A Literatura é um território vasto demais para caber apenas na pena dos talentosos. Ela floresce também nos gestos hesitantes dos medíocres que se dizem escritores, daqueles que escrevem sem domínio, sem lapidação, mas com uma urgência humana que não deve ser desprezada. A criação — mesmo quando frágil, confusa ou repetitiva — ainda é um gesto de participação no mundo simbólico. E sociedades precárias em educação, como a brasileira, não podem se dar ao luxo de amputar nenhuma porta de entrada ao imaginário.

No entanto, é justamente nesse ponto que se abre o abismo entre a generosidade da Literatura e a responsabilidade do Estado.

Em um Brasil no qual a escola pública ainda não oferece condições reais para que a maioria aprenda a interpretar criticamente um texto, é inevitável que muitos aspirantes à escrita surjam sem maturidade estética. Não se trata de humilhar ninguém. Trata-se de reconhecer um fato sociológico: a mediocridade literária não é uma falha individual, mas um sintoma estrutural. Ela revela, antes de tudo, o fracasso do sistema educacional.

Mas há um erro maior, e este sim exige correção imediata: quando a Administração Pública investe recursos da população para promover eventos ditos “literários” onde os escritores de ofício estão ausentes, e onde o protagonismo é entregue a amadores que confundem publicação com mérito e autopromoção com relevância. O problema não é a existência dos medíocres — estes são parte legítima do ecossistema cultural. O problema é o Estado tratá-los como referência.

Se o poder público quer gastar dinheiro com mediocridade, que gaste. Mas que gaste com responsabilidade. Que ofereça cursos sérios de escrita criativa, oficinas de leitura, programas de formação literária capazes de transformar o entusiasmo cru desses aspirantes em competência artística. Que permita que um dia esses autores, hoje desajeitados, caminhem para se tornar escritores de fato — não por decreto, não por editais frouxos, mas por craft, disciplina e evolução estética.

Ao mesmo tempo, é urgente que os bons escritores sejam promovidos com mais vigor. São eles que devem compor o horizonte cultural do País; são eles que podem ampliar a sensibilidade coletiva, disputar imaginários, enriquecer o vocabulário ético e simbólico da sociedade. Um evento literário que não convoca escritores é um desfile de fantasias sem costureiro. Um Estado que insiste nisso não está democratizando cultura: está apenas nivelando tudo por baixo.

A Literatura precisa de todos, mas a sociedade precisa de referências. Que a Administração Pública compreenda essa diferença. E que, ao fomentar a pluralidade, não abandone a excelência — porque sem ela, o que chamamos de Literatura se torna apenas ruído.

*Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.

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