Julio Pompeu (*) –
Arthur nunca gostou de política. Torcia o nariz quando este era o assunto. Coisa chata. Políticos, todos ladrões para ele. Não saberia dizer quando foi que mudou. Provavelmente, quando todos mudaram. Arthur não ligava para política porque ninguém ligava, agora liga para política porque todo mundo liga. Sua essência é a de ser como todos são, mas faz isso aos gritos, fazendo parecer que a opinião que apenas repete seria dele. Tornou-se sujeito de opiniões fortes sem ter, de fato, opinião alguma. Acabou eleito deputado.
Discursa mais nas redes sociais do que no plenário. Mesmo os discursos do plenário são feitos mais para o seu celular do que para seus colegas. Faz a política do monólogo, em que fala o que acha que vai dar engajamento e pouco se importa com o que os outros fazem ou deixam de fazer em plenário. Vota para agradar ao público. Ao seu público. Nada mais. Não conhece os problemas do país. Não pensa nas leis para o país. Não se importa com o país. É deputado por fora. Igualzinho ao que deveria ser um deputado de verdade. Mas seu mundo é de mentira.
Trajano é policial há quase 20 anos. Sujeito operacional. Caveira. Selva. Tem corpo musculoso e cara de bravo. Gosta do trabalho à noite. É quando descarrega por aí o que carrega no espírito. Dá tapa na cara só para relaxar. De tempos em tempos, mata. Precisa matar. Para aliviar-se. E para o bem da sociedade, acredita. “Só mato bandido”, diz com orgulho e cautela.
Foi treinado e retreinado em academia policial e cursos. Ouviu palestras sobre respeito, direitos humanos, racismo etc… Fez oficinas para humanizar seu espírito. Aprendeu tudo. Seria capaz de passar com boas notas em provas daqueles conteúdos. Mas acha tudo besteira. Sua expertise vem da prática, da rua, dos tapas na cara de vagabundo, de reconhecer vagabundo sem nem saber explicar como é que sabe que algum sujeito é vagabundo. Só sabe que é.
Trajano veste farda de policial. Fala e anda que nem policial. Mas é policial só por fora. Assassino por dentro. Um herói para muita gente.
Acassia é patriota e do lar. Mulher direita e de direita. Gosta de vídeos do YouTube e do TikTok, mas não gosta de séries de tv e nem de novela. Diz que são coisas cheias de imoralidades e de comunismo. Ela não gosta nem um pouco de comunismo. Não mesmo. Aprendeu com o avô a desconfiar de comunista, ainda que ela ache que no tempo dele comunista era bicho mais raro de se ver por causa dos militares. Acassia gosta de militares. Gosta tanto que se casou com um: Capitão Sávio.
Formam um belo casal. Andam de mãos juntas. Na igreja, são exemplo de casal cristão. Sempre polidos e com frases bíblicas na ponta da língua. Capitão Sávio viaja muito. Sempre em alguma missão de defesa da pátria. No começo, Acassia não gostava dessas longas ausências. Desconfiava que nem sempre o serviço do marido fosse pela pátria. Passou a gostar quando conheceu os serviços de Mário, o fisioterapeuta. Na ausência do Capitão, Mário ocupa seu lugar na cama ao lado de Acassia.
Se ela investigasse, não teria muita dificuldade em descobrir que as missões do Capitão são quase todas com Fabíola, outra moça, bem mais moça que Acassia, que também gosta de militares, apesar de ser comunista. Capitão Sávio combate ferozmente na cama com sua comunista.
Parecem um casal, mas só parecem. Não são um. São dois, cada um na sua. Cada um com o seu. Não se amam. Também não se largam. São convenientes um ao outro. Capricham nas aparências ao ponto de, às vezes, por alguns instantes, até acharem que são felizes.
(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.
Clique aqui para ler artigos do autor.