Julio Pompeu (*) –
A bala passou zunindo perto da orelha antes de arrebentar o reboco da parede. Agachou-se perdido. Outra bala estilhaçou o concreto, lançando pedrinhas na cabeça de Zelão. Sua pistola estava carregada, mas ele era incapaz de atirar de volta. Naquele dia, Zelão chorou.
Há muito não chorava. A necessidade o ensinou a secar o choro. “Homem não chora!”, dizia seu tio enquanto o chicoteava com cinto de couro com fivela pesada. Cresceu com a cicatriz de uma fivelada na testa. Naquele tempo, chorava de dor.
Cada surra, era uma dor diferente. A mão do tio pesava quando via o menino resistente e a resistência aumentava com a força do chicote. Quando a resistência venceu a força, parecia não doer mais. Foi quando Zelão tomou coragem e esfaqueou o tio bêbado. Vendo-o caído, ensanguentado e assustado, chorou de raiva.
Foi preso. Na FEBEM. Lugar que era igual a um presídio, mas que não podia ser chamado de presídio. No cárcere educativo apanhou de cassetete, tomou murros e chutes. Às vezes, de quem trabalhava lá. Às vezes, de outros que nem ele. Chegou sabendo apanhar. Saiu sabendo bater. Por dois anos, chorou de saudades da mãe.
Reencontrou-a no cemitério. Emparedada rente ao chão na área das covas pobres. Colocou na frente do sepulcro flores roubadas do túmulo monumental de um rico. Lamentou não saber rezar. Ficou a tarde toda ali, pensando que algo dentro de si morreu junto com sua mãe. Preso, ela apanhou no seu lugar até ser morta pelo tio. Chorando de remorso, jurou vingança.
Levou três meses para conseguir uma arma. Foi até rápido. Começou de olheiro na boca de fumo, mas o currículo e as atitudes logo lhe deram moral e um 357 Magnum. Fez questão de inaugurar a arma no tio. Deu-lhe cinco tiros na frente de todo mundo que estava no bar. Não disse uma palavra. Apenas atirou e atirou… Olhando o cadáver desengonçado do tio, Zelão chorou de alegria.
A execução espetacular lhe deu fama de cruel. Cresceu no tráfico juntando dinheiro e inimigos. Quando achou que era incapaz de chorar, seus olhos vazios e secos encontraram Jéssica, mulher de olhos brilhantes e olhar forte como o nome. Sua figura alegre não lhe abandonava a mente. Numa noite quente e calma, viu-se chorando por amor.
Queria ser querido por Jéssica. Mas o coração da moça já tinha dono. No seu coração duro, Zelão pensou que a morte do amado de Jéssica seria o caminho para seu amor. Quando soube do motivo do assassinato do noivo, Jéssica foi até Zelão com lágrimas de sentimentos confusos. Entrou na boca de fumo, pegou a 357 Magnum de Zelão e disparou.
A primeira bala passou perto da orelha antes de arrebentar o reboco. Outra, estilhaçou o concreto atrás dele. Não era capaz de atirar de volta. Naquele momento, Zelão, paralisado pelo amor, chorou de medo.
O terceiro tiro, Jéssica deu em si mesma. Arrebentou seu coração ao estrondo da 357 Magnum. Zelão saltou para segurar seu corpo amolecido, como se um abraço pudesse lhe restaurar o brilho dos olhos.
Naquele dia, abraçado ao corpo morto da mulher amada, Zelão chorou toda tristeza esquecida em seu coração endurecido de tanto apanhar, seco de tanto bater.
(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.
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