fbpx

Desde 1968 - Ano 56

22.4 C
Dourados

Desde 1968 - Ano 57

InícioColunistaJulio Pompeu: 'Ilusões'

Julio Pompeu: ‘Ilusões’

Julio Pompeu (*) –

Luzia não é de todo triste, só melancólica às vezes. Nestas vezes, quem a conhece percebe que algo não está bem. Mas ela nunca diz o que é. A resposta é sempre a mesma. “Nada não. Nada importante”. Quando insistem na pergunta, desconversa. Luzia é discreta nas atitudes e mais ainda nos sentimentos. Guarda-os dentro de si porque sabe que são só para si. Sentimentos só são compartilháveis com quem também os sente ou sentiu. Ou com quem os entende. Mas Luzia não conhece ninguém de afetos e ideias como as dela.

Ela não se transtorna por tudo o que tanto transtorna aos outros. Não detesta quem todo mundo detesta e tampouco ama quem todo mundo ama. Não se imagina em fã clube ou hater club de quem quer que seja. Não usa nem curte a moda e o fato de alguém seguir moda não lhe diz nada. Ela não tem arroubos de nenhuma espécie. Nem time de futebol. Nem euforias daquelas que as pessoas costumam ter quando estão no meio de pessoas eufóricas. Luzia é indiferente ao social. Não se sente constrangida com os demais.

Mas isto não significa que seja indiferente aos outros. Ao contrário, sofre pelos outros e com os outros. Sente profunda empatia por sua miséria. Mas não pela miséria econômica, que para Luzia é só uma perversidade, mas pela miséria mais miserável, aquela própria da condição humana. De se perceber frágil no mundo. De ter um vazio insanável por dentro da alma e passar a vida iludindo-se de que com uma nova conquista material ou social o vazio se preencherá. Luzia é humana e também possui o seu vazio, assim como suas ilusões, mas aí é que está a angústia singular de Luzia, suas ilusões não são como as dos outros porque ela não se ilude com os outros, mas pelos outros.

Todo mundo corre atrás da moda não pelas qualidades do que está na moda, mas pelo ar de inveja que conseguirá daqueles que também buscam a moda, mas não a conseguem. Enquanto isso, Luzia, que entende de moda mas não liga para ela, vê a falta de sentido em achar que a felicidade está no olhar invejoso do outro. Ou no olhar de admiração, submissão, carinho ou qualquer outro.

Sua ilusão é a de que as pessoas poderiam ser diferentes do que são. Menos encarneiradas nas tantas modas. Poderiam ser mais elas mesmas e menos o que tanta gente espera que elas sejam. Poderiam se esforçar mais pela própria felicidade do que pelo entristecimento de quem lhes lembra que a felicidade que buscam é ilusória. Ou pela eliminação do quê ou de quem cisma ser causa das suas tristezas, sem se darem conta de que tristeza é coisa de dentro e não de fora do próprio espírito. Luzia queria que as pessoas fossem menos tolas.

Mas elas não são como Luzia gostaria que fossem. São apenas como são. E elas também gostariam que as coisas fossem diferentes do que são, mas elas apenas são como são. E tudo é indiferente às felicidades de todos. E todos continuam iludidos na sua busca por felicidade.

Estas ideias tolas sobre si mesma e sobre as pessoas não lhe saíam da cabeça durante o velório. Contemplava o cadáver do amigo e pensava, com ar melancólico, na vida que ele teve e na vida que ela ainda tem. Como alguém ali poderia entender que seu ar triste daquele momento não era pela tristeza do falecimento do amigo? Para quem poderia confessar toda inveja que sentia do morto? Suspirou na sua ilusão de, um dia, não mais precisar conviver com toda aquela gente iludida entre suas mesquinharias e misérias.

(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.

- Publicidade -

ENQUETE

MAIS LIDAS