Julio Pompeu (*) –
Volta e meia, Yago se lembra de uma história que seu pai lhe contou quando ainda era criança. Falava de um príncipe muito querido pela família e pelo povo, mas que morreu muito novo. Sua alma subiu aos céus e, de tão amado que era, se tornou uma estrela. O consolo dos que o amavam era olhar para o céu estrelado.
Sempre que está triste, Yago olha para o céu em busca da estrela, não só a do príncipe, mas qualquer estrela, qualquer uma, mas nunca encontrou nenhuma. Conhecia estrelas só pelas telas de suas engenhocas eletrônicas. Para sua tristeza, no lugar onde vivia, as queimadas e as fumaças das fábricas, carros, caminhões e navios cobriam permanentemente o céu de um breu brumoso. Era como a cúpula de uma igreja que refletia as luzes e abafava os barulhos confusos da cidade.
Muitas vezes quis sair da cidade só para ver uma estrela de verdade. Planejou até, mas lhe faltava dinheiro, tempo, oportunidade, saúde e tantas outras coisas que prendem os adultos a uma vida que os faz questionar o sentido da vida. Restava ver as estrelas que podia. O brilho dos olhos de seu pai eram estrelas para Yago. Assim como o brilho dos olhos de Manuela.
Num dos inesperados lances do destino, Yago foi mandado a outra cidade. Lugar distante de sua enevoada terra. Um lugar de belezas naturais fotografadas em álbuns de viagens de uns poucos privilegiados e falseadas nas imagens de muitos nas redes sociais. Não iria a turismo, mas isso não lhe importava. Não queria saber das florestas, rios, praias e cachoeiras do lugar. Seu coração só tinha olhos para as estrelas, que poderia ver mesmo antes de chegar à paradisíaca cidade.
Contou de seu sentimento pelas estrelas a seu companheiro de viagem, Clêon. Este também havia passado toda sua existência até aquele momento sem ver uma estrela de verdade, mas não sentia falta. Os amores de Clêon eram diferentes dos de Yago, mas iguais aos de quase todo mundo naquela cidade. Gostava de dinheiro. De coisas fabricadas para facilitar a vida, para dar status, para dar o prazer de dizer que tem, para o prazer de comprar, para encher o armário com coisas ultrapassadas pelas novidades.
Não sabe se por causa do clima, do clarão do dia ou da escuridão excessiva da noite, o fato é que na viagem, Yago não viu estrelas no céu. Lá só tinha o céu. Diferente do céu de sua cidade. Sem fumaça. Céu limpo, mas sem estrela alguma. Só um vazio escuro. Um vazio sem fim. Estranhou. Mas como nunca vira um céu diferente do de sua cidade, achou que fosse assim mesmo. Certamente, veria estrelas quando chegasse na cidade das fotos bonitas.
Não foi o que aconteceu. Não viu nada do que apareciam nas fotos. Havia muitas árvores e plantas de plástico. Pássaros robôs que cantarolavam propagandas de cosméticos, enlatados, roupas da moda e promoções imperdíveis. E o céu, para seu desconsolo, era igual ao de sua cidade.
Perguntou para um habitante de lá sobre as estrelas.
– Estrela? Quer comprar uma?
Não entendeu. Quis saber mais.
– As estrelas foram todas retiradas do céu e vendidas para enfeitar as casas dos ricos.
– Mas levaram todas?
– Não. Só as mais próximas. As que podíamos ver.
– E não sentem falta das estrelas?
– Não. No mercado tem as de vidro. São bonitas. Baratas. E você escolhe a cor e a marca.
Yago não se conformava. Como podiam viver assim? Tentando entender, percebeu que Clêon e as pessoas de lá não tinham brilhos nos olhos. Não eram como os de seu pai ou de Manuela. Eram olhos opacos como o céu esfumaçado. Como se fossem de vidro, comprados, e só servissem para ver coisas de comprar. Não cintilavam. Não contavam histórias. Não amavam, só desejavam.
Voltou sem esperança de ver estrelas no céu. Mas feliz por saber que ainda há estrelas nos olhos de quem ama.
(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.
Clique aqui para ler artigos do autor.