Por Mariana Rocha –
Em uma série especial sobre o impacto da educação superior na vida de profissionais indígenas, a Folha de Dourados vai contar a história de alguns entrevistados, destacando o impacto da formação acadêmica em suas vidas, passando por conquistas, desafios, lições aprendidas e conselhos deixados para as próximas gerações.
A primeira entrevista foi com o Professor universitário Aguilera de Souza, 47 anos, indígena da etnia guarani, formado em Pedagogia na Unigran e mestre pela Faculdade Intercultural Indígena (UFGD). Colecionando conquistas, ele disse também à Folha de Dourados que a graduação foi muito importante para alcançar outro marco histórico em sua trajetória: ser eleito o primeiro vereador indigena da cidade de Dourados, em 2012.
Em sua dissertação de mestrado, Aguilera conta um pouco de onde nasceu e de como conheceu a educação. “Nasci no Tekoha (território) Francisco Horta Barbosa (Reserva Indígena de Dourados, no Estado de Mato Grosso do Sul). Com 5 anos de idade, meus pais me matricularam na Educação Infantil (o pré-escolar), na Escola Francisco Meirelles. Quando estava cursando a 2ª série do Ensino Fundamental, eu tive que sair desta escola porque a minha família foi expulsa da Reserva por um grupo de milícia.”
Mesmo com dificuldades, hoje é professor universitário na mesma faculdade onde fez sua primeira graduação e é inspiração para muitos jovens indígenas.
Como a conclusão da faculdade mudou a sua vida e a vida de outras pessoas próximas de você?
“Para mim, o que mudou a minha vida foram os vários momentos importantes em que eu usufrui de todos os conhecimentos conquistados na universidade e na leitura dos autores que conheci dentro do ensino superior. Assim, a educação muda o comportamento, transforma nossa história, de tal forma que nós tomamos atitudes mais humanas, conhecendo as diferentes culturas, não só indígenas, mas também para demais diversidades. Hoje, eu tenho certeza que as pessoas mais próximas de mim se espelham muito na trajetória dos que conseguiram concluir o ensino superior e que assim como eu, estão buscando se pós-graduar. Minha formação inspira muitas outras pessoas e o fato de estar ali, exercendo o .”
Como indigena, você sofreu preconceito dentro da universidade?
“Eu muitas vezes fiquei calado, observando a rotulação que as pessoas não-indígenas fazem conosco, mas em algumas situações transformei falas preconceituosas em temas para debate em sala de aula. Gosto de lembrar de uma situação, quando eu já professor universitário, andando pelos corredores da faculdade ouvi: “Ah agora é moda. Indio dar aula na faculdade” (ironia). Peguei esta fala e coloquei ela em debate dentro da sala de aula. Se eu fosse outra pessoa, talvez ouviria isso e me esconderia, ou até mesmo me colocaria numa situação de vitima para a direção da instituição, mas os conhecimentos que adquiri me fazem ter certeza de que as pessoas que falaram isso desconhecem as questões indígenas e são praticamente, “analfabetos políticos” .”
A culpa de todo esse preconceito não é das pessoas mas sim da própria educação que em pleno século XXI traz a figura do “índio nu, caçando, selvagem”. Isso é o que está nos livros didáticos, desde a educação básica. Mas nós temos indígenas doutores, produzindo conhecimento, formados, só que estas figuras intelectuais não estão nas apostilas e nos livros. Assim, muitos professores foram formados a partir desse referencial preconceituoso.
Muitas vezes eu fui julgado pelo meu portugues, mas o que muitas pessoas não conseguem refletir é que eu não fui criado nesta língua e precisei, com muito esforço, dominar outra língua para poder provar que nós podemos, todos, aprender uns com os outros, dentro de nossas particularidades.
Para o futuro, qual a mensagem que você deixa para os estudantes indígenas?
“A mensagem que eu deixo a todos os estudantes indígenas é que a busca pelo ensino é também uma luta. Vocês precisam buscar força nas suas culturas, crenças e não abaixar a cabeça diante das afrontas. Pois o olhar diferente que vocês infelizmente vão perceber da sociedade não-indigena não é culpa deles, mas sim da educação. Coloquem isso nos seus corações. Para você vencer você terá muitas etapas, pois não é fácil. Se você quer ser engenheiro, advogado, você pode conseguir. Por último, prestem atenção nas amizades. Muitas vezes as pessoas com que você vai andar vão puxar você para baixo, mas também saiba que ninguém chega sozinho a lugar algum, então valorize as verdadeiras e saudáveis amizades. A luta traz cicatrizes, mas não desista, elas nos tornam mais fortes.”