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‘Incompatibilidade da teologia do domínio com o catolicismo’, por Reinaldo de Mattos Corrêa

Reinaldo de Mattos Corrêa*

Introdução:

A Teologia do Domínio (ou Dominion Theology), com as raízes em certos ramos do protestantismo evangélico (especialmente Reconstrucionismo Cristão e alguns segmentos Pentecostais/Neopentecostais), apresenta uma visão de mundo profundamente incompatível com os fundamentos da fé católica. Como teólogo católico, é imperativo elucidar não apenas as dissonâncias doutrinais, mas também propor um caminho positivo e evangélico para que sua influência diminua no Brasil, terra de profunda fé e rica tradição católica.

I. Incompatibilidade Doutrinal: Por que a Teologia do Domínio não é Católica?

  1. Escatologia Distorcida e o “Reino Agora”:

Teologia do Domínio: prega a necessidade de os cristãos dominarem as estruturas terrenas (política, cultura, economia, educação) antes da Segunda Vinda de Cristo, estabelecendo assim o Reino de Deus na Terra por meio do poder humano e da imposição da “lei bíblica” (geralmente uma interpretação fundamentalista do Antigo Testamento). A Parúsia é condicionada a esse domínio prévio.
Visão Católica: o Reino de Deus é uma realidade já presente mas ainda não plenamente realizada (cf. Lumen Gentium 5, 9). Ele cresce misteriosamente pela ação do Espírito Santo e pela adesão livre à fé, não pela conquista política ou poder secular (Jo 18:36). A Igreja é sinal e instrumento deste Reino (LG 1), mas sua consumação final só virá com o retorno glorioso de Cristo, ato livre e soberano de Deus, não resultado de uma conquista humana. Esperamos “novos céus e nova terra” (2Pd 3:13; Ap 21:1), não uma cristianização forçada das estruturas atuais.

  1. Sincretismo com Ideologias Seculares e Reducionismo do Evangelho:

Teologia do Domínio: frequentemente se alia a projetos políticos e ideológicos específicos (geralmente de direita, mas potencialmente a qualquer corrente que prometa poder), reduzindo o Evangelho a um programa de poder temporal. A salvação e a missão da Igreja são confundidas com o controle das instituições seculares.
Visão Católica: a Igreja não se identifica com nenhum sistema político ou ideologia (Gaudium et Spes 76). Sua missão é transcendente: proclamar Cristo crucificado e ressuscitado, chamar à conversão, celebrar os sacramentos, servir aos pobres e promover a justiça à luz do Evangelho. Enquanto os fiéis leigos têm o dever de transformar o mundo segundo os valores do Reino (Apostolicam Actuositatem), a Igreja como instituição mantém sua independência e foca na salvação das almas. O Evangelho é poder de salvação (Rm 1:16), não de dominação política.

  1. Negação da Transcendência e da Natureza da Igreja:

Teologia do Domínio: tende a uma visão imanentista, onde o Reino se confunde com o sucesso material e político visível. A Igreja é vista como um exército para conquistar o mundo.
Visão Católica: a Igreja é, antes de tudo, sacramento de salvação (LG 1, 48), mistério que participa tanto do terreno quanto do celestial. Sua força reside na Cruz, na humildade, no serviço (Mc 10:42-45) e na graça dos sacramentos, não no poder mundano. A verdadeira vitória é a do martírio e do amor, não a do controle legislativo.

  1. Interpretação Fundamentalista e Desprezo pela Tradição:

Teologia do Domínio: baseia-se frequentemente em uma leitura literalista e descontextualizada da Bíblia, especialmente de passagens do Antigo Testamento sobre teocracia, ignorando a progressão da Revelação culminada em Cristo e a interpretação autorizada da Tradição.
Visão Católica: a fé católica assenta-se no tripé Sagrada Escritura, Sagrada Tradição e Magistério vivo da Igreja (Dei Verbum 10). Rejeita o sola scriptura e valoriza dois milênios de reflexão teológica, doutrina social e discernimento magisterial que contextualizam a aplicação dos princípios bíblicos na complexidade do mundo moderno.

  1. Risco de Teocracia e Autoritarismo:

Teologia do Domínio: a lógica inerente leva à tentação de impor uma visão religiosa específica através do poder do Estado, desrespeitando a liberdade religiosa e a autonomia legítima das realidades temporais (GS 36).
Visão Católica: defende a sadia laicidade do Estado (Dignitatis Humanae) e a liberdade religiosa como direito fundamental. O papel dos fiéis é propor o Evangelho como luz e fermento na sociedade, respeitando a liberdade de consciência e colaborando com todos pelo bem comum, sem buscar hegemonia ou privilégios.

II. Como os Católicos Podem Contribuir para o Declínio de sua Influência no Brasil (Estratégia Positiva):

A resposta católica não deve ser combater negativamente, mas brilhar com mais intensidade. O declínio virá não por ataques, mas pela superioridade evidente da proposta católica integral e autêntica:

  1. Aprofundamento Doutrinal e Formação Sólida:

Implementar: paróquias e dioceses devem investir massivamente em formação bíblica, teológica (incluindo escatologia correta) e doutrina social católica para leigos, padres e catequistas.
Por que funciona: um católico bem formado, que conhece a riqueza da Tradição e a verdadeira natureza do Reino, percebe facilmente o reducionismo e os erros da Teologia do Domínio. A formação é a vacina.

  1. Vivência Autêntica da Fé: Caridade, Liturgia e Espiritualidade:

Implementar: reavivar a piedade eucarística, a devoção mariana autêntica (não supersticiosa), a oração pessoal e comunitária. Fortalecer a prática concreta da caridade através das Cáritas, vicentinos e outras iniciativas, especialmente junto aos mais pobres.
Por que funciona: a força da Igreja está na santidade de seus membros e no amor visível. Quando os católicos vivem a radicalidade do Evangelho no serviço humilde, na adoração profunda e na vida de oração, oferecem um testemunho muito mais atraente e poderoso do que qualquer projeto de poder. Desmascara a falsa promessa de “domínio” material.

  1. Engajamento Leigo Competente e Ético na Sociedade:

Implementar: formar e apoiar leigos católicos para atuarem com competência profissional e ética evangélica em todos os campos: política (sem confundir partido com Igreja), educação, cultura, economia, mídia, ciência.
Por que funciona: demonstra que é possível transformar a sociedade a partir dos valores do Reino (verdade, justiça, solidariedade, opção preferencial pelos pobres) sem buscar dominar ou impor uma teocracia. Mostra a eficácia do fermento na massa (Mt 13:33).

  1. Diálogo Fraterno e Firmeza Doutrinal:

Implementar: promover o diálogo ecumênico e inter-religioso respeitoso, mas sem relativismo. Quando questionados, os católicos (leigos e clero) devem saber explicar com caridade e clareza por que a visão da Teologia do Domínio não é católica, apontando para Cristo e a Tradição.
Por que funciona: o diálogo bem fundamentado expõe as diferenças e oferece a alternativa católica de forma atraente. Evita a polarização estéril e mostra a razoabilidade da fé.

  1. Comunicação Clara e Utilização de Mídias:

Implementar: utilizar criativamente mídias sociais, rádios, TVs e publicações católicas para veicular conteúdos de qualidade: formação teológica acessível, testemunhos de vida cristã, reflexão sobre doutrina social, cobertura crítica de eventos à luz da fé.
Por que funciona: combate a desinformação e oferece um contraponto qualificado às narrativas simplistas e triunfalistas da Teologia do Domínio, alcançando o público onde ele está.

  1. Fortalecimento da Comunidade Paroquial:

Implementar: transformar as paróquias em verdadeiras comunidades de fé, acolhedoras, participativas, com atenção às famílias, jovens e idosos. Combater o clericalismo e valorizar os dons dos leigos.
Por que funciona: uma comunidade viva, unida na caridade e na fé, é o melhor antídoto contra discursos divisores e messiânicos de domínio. Oferece um sentido de pertença e missão autênticos.

Conclusão:

A Teologia do Domínio é incompatível com o Catolicismo porque reduz o transcendente Reino de Deus a um projeto imanente de poder temporal, distorce a Escatologia, instrumentaliza a fé para fins políticos e despreza a Tradição e o Magistério. A força dela no Brasil advém, em parte, de uma lacuna na formação e vivência da fé católica integral por parte de muitos batizados.

O caminho para o declínio não passa pela perseguição ou pelo confronto agressivo, mas pelo ressurgimento vigoroso de uma Igreja Católica autêntica no Brasil: uma Igreja profundamente formada na Palavra e na Tradição, apaixonada por Cristo Eucarístico, comprometida com os pobres, servidora humilde da sociedade e irradiadora de uma esperança que não se funda em conquistas terrenas, mas na promessa fiel de Cristo. Quando os católicos viverem com radicalidade e alegria a beleza da fé, o fascínio por propostas reducionistas e incompatíveis como a Teologia do Domínio naturalmente se dissipará, cedendo lugar ao verdadeiro e eterno Reino de Deus. O antídoto é a santidade.

*Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.

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