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Há 11 meses, a deputada Gleice Jane concilia atividade política e tratamento médico

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Deputada estadual petista assumiu mandato com a morte de Amarildo Cruz, pouco depois de ter ficado paralisada em decorrência da Síndrome Guillain-Barré

José Henrique Marques

A professora Gleice Jane nasceu para a política e essa assertiva não é lugar-comum. É membro de família de sindicalistas e quando a mãe estava grávida dela, o pai deixou de participar de uma greve com receio de ser demitido. Assim que a greve terminou, foi demitido. “Brinco que, na sequência, nasceu a filha sindicalista. Entendo que, como classe trabalhadora, temos que defender os nossos direitos, porque nenhuma conquista nos foi dada, mas sempre obtida com muita luta”, disse a deputada estadual do PT em entrevista exclusiva à Folha de Dourados.

Na entrevista, Gleice Jane conta como recebeu a notícia da morte do deputado estadual Amarildo Cruz, do PT, em 17 de março de 2022, dias depois de receber o diagnóstico de que contraíra a Síndrome Guillain-Barré que a deixou paralisada em uma cama, sem ter a garantia de que recuperaria os movimentos.

“Mergulhei em uma mistura de muitas emoções, de tristeza, de preocupação, de ter que organizar todo o processo do mandato ao mesmo tempo em que eu ainda não estava em condições de organizar minhas ideias, porque naquele período até o funcionamento cerebral foi prejudicado em função da síndrome”, diz a deputada, acrescentando que “foi um desafio avassalador, afinal, não era essa a forma que imaginávamos começar nossa jornada política parlamentar”.

A trajetória política de Gleice Jane é decorrente da atuação como professora, sindicalista, feminista e atuante em movimentos sociais e assumiu o mandato sob o mantra ‘Nossas lutas tomaram posse’. Desde então, sua agenda é pautada na luta por melhorias na educação, saúde, empoderamento das mulheres e direitos LGBTQIAPN+, das comunidades indígenas e quilombolas, enfim do povo humilde e trabalhador.  

Leia a seguir, a entrevista na íntegra.

Folha de Dourados – Foi logo após ter ficado paralisada em uma cama, em decorrência do Guillain-Barré, que a senhora recebeu a notícia, em 2023, de que seus anos de luta se consolidaram em um mandato. Como foi esse momento e como tem sido conciliar suas responsabilidades políticas com o tratamento médico?

Deputada Gleice Jane – Imagina você realizar um sonho ao mesmo tempo em que perde tragicamente um companheiro um pouco antes de receber o diagnóstico de uma doença rara que, da noite para o dia, deixa você paralisada sobre uma cama sem ter garantia de que vai recuperar os movimentos? Esse foi um resumo do meu primeiro semestre de 2023. Ao receber a notícia do falecimento do deputado Amarildo Cruz, logo depois do diagnóstico de Guillain-Barré, mergulhei em uma mistura de muitas emoções, de tristeza, de preocupação, de ter que organizar todo o processo do mandato ao mesmo tempo em que eu ainda não estava em condições de organizar minhas ideias, porque naquele período até o funcionamento cerebral foi prejudicado em função da síndrome. E naquele momento a gente também estava com o companheiro Zeca do PT doente e internado. Então foi um período difícil para todo mundo, as companheiras e companheiros do PT e as pessoas que estavam construindo com a gente esse processo. Esse episódio representou um dos momentos mais difíceis da minha vida pessoal, equilibrando entre a tristeza profunda e a determinação de levar adiante um projeto construído ao longo de tantos anos. Nesse período recebi muito apoio, que se tornou um refúgio, uma rede de energias positivas me envolveu. Foi um desafio avassalador, afinal, não era essa a forma que imaginávamos começar nossa jornada política. A perda de um companheiro foi um golpe doloroso, mas também uma oportunidade inesperada para representar as lutas que compartilhávamos. No decorrer desses dez meses, entre sessões de fisioterapia imprescindíveis, concilio as atividades políticas, numa rotina intensa entre a busca por melhorias na saúde e o comprometimento firme com nosso mandato. É uma luta constante, porém, nessa batalha diária, temos conseguido preservar a saúde enquanto desempenhamos com dedicação e produtividade as funções legislativas. Até porque o mandato é coletivo. O desejo de assumir era um desejo coletivo e eu tinha a obrigação e a responsabilidade de assumir porque essa tarefa me foi dada coletivamente.

Com sua perspectiva feminista, como enfrenta os desafios de ser uma mulher em um universo político predominantemente dominado por homens?

Sempre digo que nós mulheres estamos em todos os espaços da sociedade, menos naqueles em que as nossas vidas são decididas. Se você observar desde o trabalho do cuidado doméstico até a execução de funções, inclusive políticas, como o trabalho nas campanhas eleitorais, é em sua maioria feito por mulheres. Porém, nos momentos decisivos, nos espaços onde as decisões são tomadas, a presença e participação das mulheres ainda é ínfima. Na Assembleia Legislativa somos três dentre as 24 cadeiras. Isso considerando que as mulheres são maioria no eleitorado. Esse é um ponto fundamental da nossa luta feminista: conscientizar as mulheres a ocuparem espaços de poder, de decisão. Porque quando a mulher assume esses espaços com sua visão sistêmica, ajuda a construir políticas públicas que efetivamente alcançam as crianças, os idosos, a classe trabalhadora, aqueles que mais precisam.

“PONTO FUNDAMENTAL DA NOSSA LUTA FEMINISTA: CONSCIENTIZAR AS MULHERES A OCUPAREM ESPAÇOS DE PODER, DE DECISÃO”

Neste período pré-eleitoral, seu nome surgiu entre os de possíveis pré-candidatos. O que pensa a respeito e como vê sua participação no processo eleitoral de 2024?

Enquanto deputada, tenho uma preocupação com as candidaturas em vários municípios, então, estou acompanhando isso e a gente tem feito um trabalho no sentido de motivar as mulheres a se candidatarem aos cargos nas prefeituras e vereanças. Nesse ano eleitoral, trabalharemos por mais mulheres na política, tanto disputando quanto, de fato, chegando aos cargos eletivos. Esse é nosso objetivo principal. Para além disso, temos muitos nomes fortes em nosso partido e que agregariam na disputa. Tenho certeza de que a construção de candidaturas será feita de forma que a gente, como partido, ofereça à população o que temos de melhor. E que na tomada de decisão vamos caminhar em conjunto num mesmo projeto.

“ENQUANTO DEPUTADA, TENHO UMA PREOCUPAÇÃO COM AS CANDIDATURAS EM VÁRIOS MUNICÍPIOS”

Como garante a representatividade plural em seu mandato, refletindo efetivamente a diversidade de opiniões e necessidades?

Assumimos o mandato sob o mantra ‘Nossas lutas tomaram posse’, porque foi exatamente isso que aconteceu. Minha trajetória política é decorrente da minha atuação como professora, sindicalista, feminista e atuante em movimentos sociais. Quando ocupei esse espaço, trouxe ao Parlamento esse coro de diversas vozes. Nossa proposta é de uma política baseada na horizontalidade, onde todas as pessoas da equipe têm voz e contribuem ativamente para a construção de legislações e políticas públicas, além de atuar constantemente num processo de escuta. Isso porque estamos sempre em um processo de escuta da sociedade organizada, dos sindicatos, movimentos sociais, organização das lutas. Nosso mandato escuta as pessoas, pois só assim conseguimos atuar de forma a atender os reais interesses das nossas bases, que sempre nortearão nossas ações.

Em que momento da sua atuação na área da Educação você decidiu se tornar uma sindicalista?

Esse despertar ocorreu muito cedo na minha vida. Eu venho de uma família de sindicalistas, meus tios sempre foram muito atuantes. Quando minha mãe estava grávida, meu pai deixou de participar de uma greve com receio de ser demitido. Assim que a greve terminou, ele acabou demitido. E eu brinco que, na sequência, nasceu a filha sindicalista. Entendo que, como classe trabalhadora, temos que defender os nossos direitos, porque nenhuma conquista nos foi dada, mas sempre obtida com muita luta. Então não importa se você ganha salário mínimo ou mais de dez salários. Se depende do seu trabalho para viver, você pertence à classe trabalhadora e precisa defender os direitos dessa classe. No meu caso, hoje estou deputada estadual, mas continuo sendo trabalhadora e sempre serei professora, que é a minha profissão. A gente brinca que quem vai pra área da educação obrigatoriamente já tem que ir para a luta, porque a educação sempre se constituiu a partir da luta. Eu fui provocada pelo conjunto da categoria a me dispor a ser candidata por um grupo dentro da categoria. Porque, na verdade, meu projeto pessoal não era ser sindicalista, era seguir outro caminho. Mas a gente teve uma eleição e precisava colocar um nome. E logo no primeiro momento que cheguei, como o pessoal já me conhecia do movimento estudantil, acabei escolhida pelo grupo. Então dentro de Dourados e do contexto da educação, as pessoas já me conheciam como uma liderança que lutava pela educação, antes de eu me tornar professora.

“HOJE ESTOU DEPUTADA ESTADUAL, MAS CONTINUO SENDO TRABALHADORA E SEMPRE SEREI PROFESSORA, QUE É A MINHA PROFISSÃO”

A partir da luta sindical, o que motivou a busca por um cargo eletivo?

Sempre fui provocada pelas mulheres para ser candidata, mas nunca quis. Lembro que houve momentos em que as mulheres se organizaram e pediram para que eu fosse candidata, e eu sempre resisti, achando que essa era uma tarefa que outras pessoas poderiam cumprir enquanto eu estava na luta sindical, na luta dos movimentos sociais. Quando passei no concurso, pensei que queria ficar um tempo no anonimato, porque já vinha de uma trajetória de anos de atuação no DCE, no próprio sindicato. Mas logo que assumi a direção do sindicato já estavam me esperando pra ajudar na luta. Com o tempo, percebemos que alguns de nossos problemas eram estruturais e precisávamos de mais representação. Mas foi no golpe contra a Dilma, quando muitos da classe política viraram as costas pra ela, que decidi ir à luta e colocar meu nome, como forma de fortalecer as fileiras do partido. Naquele momento, o mais importante não era o resultado, mas não fugir da luta.

Como tem feito para transformar sua experiência como professora com a busca por melhorias na área educacional do Estado?

Comecei 2023 na sala de aula, sofrendo junto da categoria todas as burocracias impostas e que dificultam o trabalho e adoecem os profissionais. Então, quando levo esse debate para a Assembleia, é com muita propriedade, porque sei exatamente onde estão os gargalos. Realizamos no ano passado uma audiência pública em parceria com o vereador Elias Ishy sobre a Revogação do Novo Ensino Médio (NEM) e ficamos muito felizes em ver, no final do ano, as mudanças que o Governo Federal fez no NEM. Mesmo não estando mais em sala de aula, a visita às escolas e a escuta com a direção, professoras e professores e comunidade escolar permanecerá sempre aberta. E sigo acompanhando de perto as lutas do sindicato. Algum tempo atrás, participei de assembleia da categoria, porque sou professora sindicalizada, e esse trabalho de representatividade é feito a partir da escuta das demandas levadas pela categoria no sindicato. Além das visitas às escolas, boa parte da atuação que fizemos junto com a Secretaria de Educação, em torno das burocracias e na provocação ao Governo do Estado, é fruto das reivindicações no sindicato. Acredito que o trabalho de representatividade na educação é sempre reivindicando aquilo que a categoria quer, o que tem demandado, pensando a partir dessa necessidade de quem está no dia a dia da escola. E o fato de eu ter estado na sala de aula até logo no início do ano passado e de conhecer todos esses problemas, além de facilitar, ajuda no debate, no fortalecimento de uma educação melhor. Porque se o Governo realmente atender aquilo que a categoria está dizendo, a gente pode melhorar a qualidade da educação no Estado.

Qual o momento mais significativo ou o maior desafio que vivenciou desde que entrou para a política?

A política é marcante a todo momento. Ela sempre marca as mudanças, as transformações da sociedade. E eu sempre vivi tudo isso de maneira muito intensa. Embora nessa trajetória tenha muitos momentos marcantes, acho que dois deles foram importantes: o momento do golpe contra a Dilma, quando a gente começa a perder a esperança; e as eleições que trouxeram de volta a nossa esperança em 2022. Além disso é interessante também 2003, quando o Lula é eleito pela primeira vez. Eu estava na juventude ainda, mas sempre acompanhei a política desde a minha infância e sempre fiz campanha pro Lula. Desde os 10 anos de idade eu tinha uma bandeirinha do PT com a qual eu fazia campanha. Então ver o Lula entrar era um momento que a juventude, toda aquela geração de pessoas que passou assistindo TV e vendo a fome no Nordeste, vendo um monte de situações no país, viu perspectiva de mudança, possibilidade de melhora, foi muito importante. Eu acho que são então três momentos fundamentais, muito marcantes no processo político, que é o momento em que a gente consegue ganhar, ver possibilidades de mudança com o primeiro mandato do Lula depois de muita esperança, de muita animação. Depois, vimos que não ia conseguir mudar tudo da forma como a gente queria, mas existiu muita transformação, foi muito bom para o país, para as pessoas mais pobres, e como eu venho de uma classe social baixa, vi todas essas transformações, fui uma das pessoas que sonhava em ter um futuro diferente e pude vivenciar esse futuro diferente com a mudança do governo. Depois, tem o golpe, tristeza e retrocesso, e no ano passado a recuperação desse desejo de mudança e de transformação de novo. Acho que são momentos bem interessantes.

“DESDE OS 10 ANOS DE IDADE EU TINHA UMA BANDEIRINHA DO PT COM A QUAL EU FAZIA CAMPANHA”

Como mantém sua conexão com o sindicato de professores e movimentos sociais mesmo após ingressar na política?

No processo de escuta da educação, temos levado questões pontuais para a Secretaria de Educação para as quais esperamos já neste ano de 2024 ter resultados, porque já tivemos sinalização do secretário de que grande parte daquilo que pedimos será atendido. Essa mediação que fazemos é sempre apoiada na escuta das reais necessidades da categoria, por intermédio do sindicato. A escuta qualificada é um ponto muito importante do nosso mandato. Nesse último semestre, realizamos vários seminários e audiências públicas com o intuito de saber o que os segmentos desejam, para representá-los de forma satisfatória. A partir disso, levamos adiante as reivindicações. Foi o que fizemos, por exemplo, após ouvir uma série de reclamações das comunidades indígenas sobre episódios de violência em seus territórios. Levamos relatório em mãos ao Governo Federal e pouco tempo depois foi criado pelo Ministério dos Povos Indígenas o gabinete de crise para investigar as violações aos direitos humanos. Em âmbito estadual, encaminhamos uma série de requerimentos e indicações ao Governo do Estado em busca de resposta a cada um dos questionamentos levantados pelos segmentos e também propondo ações que ajudem a mitigar os efeitos de problemas como a falta de água nas aldeias de Dourados e tantas outras questões urgentes.

Quais são seus principais objetivos na política?

Melhorar a vida das pessoas e trazer mais igualdade e justiça social para a população é uma premissa básica para mim. Para isso, precisamos atuar em conjunto, principalmente porque política não se faz sozinha. Há também as limitações impostas pelas esferas de competência. Como legislativo, posso cobrar, fiscalizar, propor, estabelecer parcerias e apontar caminhos, mas a responsabilidade maior ainda é de quem tem a caneta e os orçamentos em mãos. Mesmo assim, seguimos fazendo sempre o máximo com o que cada espaço nos proporciona. Avançamos ao próximo espaço somente quando exaurimos o anterior e precisamos ampliar a representação. Sinto que na Assembleia ainda temos muito a realizar. Porém, sabemos das urgências que muitos dos segmentos que representamos têm e precisamos atuar em conjunto para que essas necessidades sejam atendidas, porque quem tem fome e sede, por exemplo, não pode esperar.

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