Juliel Batista –
Aos 33 anos, a vereadora Karla Gomes (Podemos) tem usado seu primeiro mandato na Câmara de Dourados como um espaço para dar voz à causa animal – bandeira que, segundo ela, vai muito além do resgate de cães e gatos abandonados. “O maior desafio é conseguirmos mostrar à população e ao poder público que precisamos tratar a causa animal como uma questão de saúde pública”, afirma.
“O maior desafio é conseguirmos mostrar à população e ao poder público que precisamos tratar a causa animal como uma questão de saúde pública”
Em entrevista exclusiva à Folha de Dourados, Karla relembra o início de sua atuação na proteção animal, ainda em 2018, quando se uniu à Associação Amigos dos Animais (AAMA), organização civil sem fins lucrativos. “Eu sempre tive proximidade com os animais, desde a infância, por incentivo da minha família. Quando conheci a AAMA, entendi como tudo funcionava e nunca mais parei”, diz ela, reforçando que apenas resgatar não resolve. “Precisamos de políticas públicas para avançarmos”.
“Precisamos de políticas públicas para avançarmos”
Desde que assumiu a cadeira em janeiro de 2025, com 1.530 votos, a parlamentar afirma que sua prioridade tem sido institucionalizar o debate na Câmara. Criou a Comissão de Proteção e Defesa dos Direitos dos Animais e já conseguiu aprovar alterações importantes na Lei 3.180, elevando a multa por maus-tratos de R$ 13 para até R$ 6 mil. Além disso, uma emenda parlamentar de R$ 300 mil já está disponível para custeio do setor veterinário do CCZ, e outras estão em andamento para castrações e melhorias estruturais.
Karla também não foge de temas polêmicos, como a criação de abrigos públicos. “Sou contra. Abrigo não é solução. São depósitos de animais. O dinheiro gasto neles deve ser investido em educação, posse responsável e castrações”, defende, enfatizando que a base de qualquer transformação social é a educação. “Educar é ensinar o tempo todo. Uma sociedade equilibrada começa com responsabilidade, inclusive na hora de adotar um pet”.
“Educar é ensinar o tempo todo. Uma sociedade equilibrada começa com responsabilidade, inclusive na hora de adotar um pet”
A seguir, a entrevista completa com a vereadora Karla Gomes:
Folha de Dourados – Antes de assumir uma cadeira na Câmara, a senhora já atuava fortemente na proteção animal. O que motivou essa luta? Houve um episódio marcante que a fez abraçar essa causa?
Karla Gomes – Eu, desde a infância e por incentivo familiar, sempre tive uma proximidade muito grande por animais.
A atuação na causa animal começou atraves do meu ingresso na AAMA – Associação Amigos dos Animais, no fim de 2018. Trata-se de um grupo da sociedade civil que atua, de forma voluntaria e sem fins lucrativos, na causa animal. Esse grupo de pessoas promove educação acerca de posse responsável, resgates, tratamentos, castrações e adoções de animais em situacao de abandono e maus tratos.
O que me motivou foi observar, no dia a dia a quantidade de animais perambulando e, em muitos casos, totalmente abandonados, feridos… E etc. E queria poder fazer algo e comecei a procurar formas de fazer isso. Conhecendo a Aama eu entendi como as coisas funcionavam. Desde então nunca parei. Porém, mesmo dentro desse grupo tínhamos a clara noção de que só resgatar não adianta. Precisavamos de políticas públicas para avançarmos.
“O que me motivou foi observar, no dia a dia a quantidade de animais perambulando e, em muitos casos, totalmente abandonados, feridos…”
Como a senhora avalia a situação atual da causa animal em Dourados? Quais são os principais desafios enfrentados por protetores e ONGs do município?
Dourados está um pouco atrasada na causa animal. Até o presente momento não existe nenhuma política pública implementada. Embora exista Lei desde 2008 (no caso a Lei 3180 e suas emendas) não há nada de concreto. Nao há controle e senso dos animais, não existe chipagem, não existem programas de controle de natalidade contínuo, não existe apoio a entidades e protetoras independentes.
O maior desafio e conseguirmos na população e no poder público a necessidade de tratarmos a causa animal como uma questão de saúde pública.
Outro ponto relevante é destacarmos que a problemática do abando de animais e casos de maus tratos só vai ser controlado quando a própria sociedade parar de cometer esse tipo de crime. Ou seja, o próprio cidadão cria o problema!
Resumidamente, o correto seria trabalhar a causa animal a partir da educação e da conscientização acerca da POSSE RESPONSÁVEL. Ter um pet é uma ESCOLHA. A auto análise sobre as condições de mate-lo devem ser consideradas.
“O maior desafio e conseguirmos na população e no poder público a necessidade de tratarmos a causa animal como uma questão de saúde pública.”
Desde que foi eleita com 1.530 votos, quais projetos ou ações a senhora já apresentou ou apoiou em prol da causa animal?
Assumi o mandato em janeiro de 2025, portanto, 10 meses ate agora. O primeiro passo foi abrir o diálogo na própria Câmara de Vereadores. Como primeira vereadora eleita, majoritariamente, por essa bandeira, era meu papel colocar a proteção Animal em Pauta.
- Criamos o PL para criar a Comissão de Proteção de Defesa dos Direitos dos Animais – Projeto aprovado, Comissão implementada e eu sou a Presidente. Passo importar para validar a pauta dentro da casa de Leis. Inclusive, através dessa Comissão conseguimos aprovar, esse mes (out/2025), a alteração de dois artigos da Lei 3180. Em um dos artigos que eleva a multa por maus tratos que passa, agora, a variar entre 200 e 6 mil reais. Anteriormente a isso a multa era de 13 reais. Além disso, aprovamos a proibição de animais mantidos em terrenos baldios, onde não nenhum tipo de estrutura digna, essa já uma demanda que partiu das instituições de proteção e protetoras que sempre fazem resgates desse tipo
- Outro Projeto aprovado foi 084/2025 que torna a Expressão “Vira Lata Caramelo” como símbolo cultural imaterial do município de Dourados. A importâncias desse projeto consiste em possibilitar que ongs, associações ou grupos relacionados a causa possam desenvolver projetos de educação voltados para a causa e consigam submete-los a receber verbas atraves de empresas privadas que podem destinar parte do imposto que pagariam ao governo para esses projetos. Isso abre caminho para captação de recursos e mobiliza a própria sociedade a contribuir com a causa.
- Atraves de solicitação nossa a Coordenadoria de Bem Estar e Proteção Animal foi instalada e passou a funcionar de fato. Embora já existisse desde 2021 nunca foi implementada. Hoje está funcionando.
- Nesse mesmo âmbito, fizemos Indicação, via sessão plenária para que a Coordenadoria iniciasse um cadastro das protetoras independentes e das ongs para que possamos reunir dados da causa animal no município. Até o momento, conseguimos apurar que mais de 1200 animais estão sob cuidados dessas pessoas.
- Com outra Indicação conseguimos que o CCZ fosse às residencias dessas protetoras para fazer a vacinação in loco visto a dificuldade de levar dezenas de animais ao órgão.
- Enquanto os projetos não se consolidam e as politicas públicas nao são efetivadas…. Eu estou correndo atrás de emenda parlamentares. Até momento conseguimos uma emenda da Senadora Tereza Cristina no valor de 300 mil reais para ser usado com custeio do SETOR VETERINARIO do CCZ, ou seja, vai servir para a aquisição de materiais para melhorar o desempenho desse setor. Essa emenda já está na conta da Prefeitura aguardando o setor de compras finalizar o que precisa.Outra emenda, também da Senadora Tereza, no valor de 200 mil será empenhada em breve e essa deverá ser investida em castrações.
- Através de muito diálogo conseguimos destravar uma emenda da Senadora Soraya Tronicke para a reforma do Canil do CCZ. Emenda estava parada desde 2022 e ia ser devolvida. Com apoio da Secretaria de Governo conseguimos manter a emenda e a reforma do canil vai ser tornar realidade visto que já foi homologada a licitação da empresa vencedora para a obra.
- De olho no futuro, com apoio da Secretaria de Obras, conseguimos elaborar o Projeto (Anteprojeto) para a criação do Centro Cirurgico para Castrações do CCZ. È ainda uma perspectiva distante mas que pode sim se tornar realidade. E já estou em busca de recursos pra isso.
- Fora isso, temos mais 3 projetos em fase de conclusão que aguardam parecer jurídico para tramitação.
“Como primeira vereadora eleita, majoritariamente, por essa bandeira, era meu papel colocar a proteção Animal em Pauta.”
A cidade sofre com o abandono de animais, especialmente cães e gatos. Que políticas públicas a senhora acredita que deveriam ser implementadas com urgência para combater esse problema?
Acredito na Educação, na posse responsável, no controle de natalidade através de castração acessível. Acredito que quem comete maus tratos e abandono dever ser multado, punido de alguma forma. Não é justo que toda a sociedade pague pela irresponsabilidade e crueldade de alguns, que é o que acontece hoje. Só tem animais nas ruas, nas casas de protetoras, nas ongs por conta de pessoas que não tem o menor senso de responsabilidade pelo animal que escolheu ter.
“Acredito na Educação, na posse responsável, no controle de natalidade através de castração acessível.”
Existe algum plano em andamento para a construção ou ampliação de um Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) mais estruturado ou de um abrigo público para animais abandonados?
Se analisarmos a conjuntura nacional, o CCZ não é o órgão mais adequado para tratar de Bem Estar Animal. CCZ faz controle de Zoonoses, em suma deveria ser essa função. O Meio Ambiente é responsável por preservação e bem estar animal. O ideal é que a causa esteja sob o manto das políticas ambientais. Porém, em municípios onde não há uma Secretaria de Meio Ambiente, acaba que que as Secretarias de Saúde, através do CCZ, são os órgãos que promovem o mínimo de respaldo para animais errantes ou com alguma zoonoses e também atua como agente fiscalizador para casos de maus tratos.
Abrigos públicos são, comprovadamente, depósitos de animais. Cidades onde são instituídos abrigos o abandono aumenta. Isso é fato. Se não tendo onde descartar o animal as pessoas já abandonam, imagina com a possibilidade de um local público que “recolhe”. Isso não é solução. É algo paliativo que serve de incentivo para o tutor se desfazer do animal com a consciência mais em paz por ter onde deixar. E antes que me pergunte se é melhor na rua que em um abrigo eu sugiro que visitem abrigos e vejam a precariedade e tristeza de animais confinados, estressados, doentes que, muitas vezes, passam a vida numa baia pequena, suja e com pouquíssimos recursos. Isso nao é proteção! Proteção fala de bem estar e não de acúmulo. Então sim, sou contra abrigos. O dinheiro gasto em abrigos dever ser investido em educação de posse responsável, castrações e etc.
“O dinheiro gasto em abrigos dever ser investido em educação de posse responsável, castrações e etc.”
Como tem sido a receptividade dos demais vereadores e do poder executivo em relação aos seus projetos voltados à causa animal? Há resistência política?
Devo ser honesta nesse ponto e afirmar que tenho recebido apoio dos meus colegas parlamentares. Muitos ainda não tem a clareza e dimensão da causa e todas as suas nuances. Conceitos já ultrapassados ainda são levantados mas aos poucos vamos aclarando as ideias e estabelecendo um bom diálogo.
“Muitos ainda não tem a clareza e dimensão da causa e todas as suas nuances.”
A senhora defende a criação de campanhas permanentes de castração e microchipagem. Qual é o caminho para tornar isso realidade com recursos do município?
Defendo chipagem e todo tipo de controle animal que se possa promover. Não tem como desenvolver nenhum projeto de política pública sem dados, sem números e sem controle. O caminho é conseguir fazer com que a causa exista no orçamento municipal como outro programar qualquer. Isso é feio através de construção política, diálogo e projetos. O caminho é longo, até porque não existe solução fácil para problemas difíceis. Isso não vai acontecer da noite pro dia. Mas tudo tem um início… E já estamos nos primeiros passos dessa longa jornada.
“O caminho é conseguir fazer com que a causa exista no orçamento municipal como outro programar qualquer.”
Qual sua opinião sobre punições a agressores de animais? O que pode ser feito em Dourados para garantir que maus-tratos sejam denunciados e devidamente punidos?
Eu acredito que eu, assim como qualquer ser humano de bem, com valores humanos bem definidos, se indigna com qualquer ato de violência. Cometer maus tratos, agressões sobre um ser indefeso é um ápice da covardia! A sociedade não pode aceitar violência em nenhum nível e aqui eu não to falando só de animais. Na esteira da violencia animal vem as outras violências, isso se chama Teoria do Elo. Inclusive um dos meus projetos futuros é inserir essa temática nas escolas, para as crianças. O combate a qualquer tipo de atitude fora de padrão deve começar em casa com a família.
“Inclusive um dos meus projetos futuros é inserir essa temática nas escolas, para as crianças.”
A denuncia é fundamental para que os crimes de maus tratos sejam evidenciados e a partir disso o poder público possa agir através das leis. Não existe uma sociedade que funcione bem sem a ação conjunta do cidadão e do agente público. È preciso que justiça seja provocada para que haja de fato a execução de qualquer lei. Até porque seria impossível para qualquer gestão ter funcionários o suficiente para fiscalizar casa a casa como estão sendo tratados os animais.
Como os cidadãos comuns podem contribuir com a causa animal em Dourados? E qual papel a educação tem nesse processo de conscientização?
A educação é fundamental para absolutamente tudo em qualquer sociedade, A criança leva pra vida conceitos que aprendeu em casa, na escola, com os amigos e etc. Educação é aprender sobre algo e como utilizar isso, para funcionar é preciso que bons conceitos sejam incluídos nas escolas. Campanhas educativas também são ferramentas poderosas para mudar a mentalidade daquela pessoa que não teve oportunidade de aprender nas escolas como citei acima. O ser humano precisa ser educado o tempo todo. Foi assim no passado e é assim hoje. Um bom exemplo é sobre uso de cinto de segurança, sobre uso de preservativos e etc. Ùm constante ensinar e aprender.
Agora aquele cidadão que já tem clareza de muitas coisas é preciso que desenvolva a responsabilidade sob seus atos. O abandono e os maus tratos não são determinados pela camada social que o individuo vive. Ou seja, pobre, classe media e ricos promocem abandono pelos motivos mais banais. Não é incomum muita gente com boas condicoes financeiras pedirem ajuda de ongs e protetoras para custear tratamento de seus animais. Dito isso, é fundamental que quem vai adotar um cachorro ou um gato faça uma análise das suas condiçoes financeiras, emocionais e de espaço em casa para que a adoção não se torne um problema que a pessoa não ai ter condições de arcar.
“O abandono e os maus tratos não são determinados pela camada social que o individuo vive.”
Por fim, olhando para os próximos anos de mandato, qual é seu maior sonho ou meta como vereadora em relação à causa animal?
Penso em deixar um legado de construção desse caminho da causa animal. Possivelmente nao sera a minha geração que vai ver a mudança que tanto desejamos. O caminho é longo pois é preciso quebrar paradigmas e enfrentar vários aspectos culturais que definem nossa sociedade.
A proteção animal ainda é muito nova em todo cenário nacional e na nossa região mais ainda. Estou trabalhando muito para abrir essa estrada. Eu sonho com uma sociedade muito mais justa e equilibrada… Tanto para os animais quanto para as pessoas. Afinal quem pode cuidar de animais sao pessoas verdadeiramente humanas em sua essência.
“Estou trabalhando muito para abrir essa estrada. Eu sonho com uma sociedade muito mais justa e equilibrada…”