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‘Encantos do lugar’ – crônica de Ermínio Guedes dos Santos

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Erminio Guedes – Engenheiro Agrônomo, consultor

– Naquele lugar havia algo incrível do mundo natural, misterioso e encantador – vida.

– Naqueles tempos! Naquele lugar! Sim!!!

Apesar do contraste, da aparência um pouco rude, com a vida em flor, havia naquele lugar uma força vindo das profundezas dos nossos sonhos, nas cores dos campos e das matas. O ar era aromático, a brisa fresca e acolhedora e a água corria cristalina no lajeado. Ali, as abelhas se alimentavam e polinizavam, o beija flor fazia malabarismos estonteantes e os animais tomavam água pura, em confortável banho de alegria. Caso Ana Maria Primavesi tivesse estado naquele lugar, por certo afirmaria que viu um raro espaço do mundo natural, de um sistema ecológico muito rico e belo.

O mundo, animal e vegetal, era integral. Nos campos, trevos e Maria Mole, misturando cores deslumbrante, de ipês dosarcos indígenas, pau brasil encanto dos portugueses e cambuís dos utensílios domésticos. O pau-ferro era a madeira dos ranchos e dos aramados, entre centenas de outras espécies. Da copa das árvores, o ronco estridente do Bugio-Preto atrás de comida e, em enorme algazarra defendia o bando e avisava do tempo “virando prá chuva”.

– “Som estranho esse”, vindo na noite! Parece grunhido de porco atolado! Ou assombração? Se alguém procurar, nada vai encontrar. A saracura desapareceu silenciosamente nos juncos do banhado. Ao nascer do sol, a seriema canta longa estrofe de presságios e sentimentos, como bem descritos por Tião Carreiro e Pardinho:

Canta, canta seriema
Seu cantar me faz chorar
Que saudade da morena
Que não pode me esperar.

Um ecossistema equilibrado, mosaico de cores, vermelha, rosada, esbranquiçada ao branco veludo, espécie de mimetismo que enfeitiçava os campos e atraia crianças e jovens, atrás da sorte no “trevo de 4 folhas”, símbolo perfeito da cruz, da unidade e do equilíbrio na vida, como diz a lenda (200 A. C.), do sagrado trevo de 4 folhas. O amarelo da Maria Mole, na cor do sol ao entardecer e aroma evocando sentimentos de alegria, felicidade, otimismo e calor – mas também de alerta à falsidade.

O campo era o templo dos campeiros e as matas – o espelho do universo.  Do lombo do cavalo – o homem mais perto de Deus e nas matas – o retrato do mundo a seus pés, com anjos observando. Muito provável que, em cenário semelhante, Leonardo da Vinci tenha viso La Gioconda e se inspirado na Mona Lisa. Aliás, muitos artistas, como o ambientalista britânico Andrew Goldsworthy, se inspiravam na natureza, às suas obras.

Naquele tempo, sim!  – Parece que Deus havia reservado àquele lugar um dos seus caprichos.

– Lembranças sagradas dos piqueniques, com a professora e as criançada brincando na sobra de árvores floridas e cheirosas, ou no lajeado de águas cálidas e transparentes, onde se ouvia o som da natureza. O sabiá cantador, o inebriado beija flor, o construtor apaixonado João de Barro e o quero-quero, valente sentinela em voos rasantes na defesa da família. Eram encantos da natureza e belezas da nossa terra.

– Louvor aos mestres que ensinam natureza às crianças, para respeitá-la, protegê-la e a amá-la.

Mas, de repente, tudo mudou. Matas queimadas e nascentes desparecidas. Bem, até os quero-queros do Capão Alto já sabiam do ranço autoritário que chegava e do que seria capaz. Mentes guiadas pelas próprias maldades contaminaram o lugar numa psicopatia de destruição, da natureza e da biodiversidade, desprezando a vida – barbárie no destino.

Dona Senhorinha, liderança local, sabia que, sem mata a água acaba, como nos animais, sem sangue a vida morre. Mas não imaginava noites escuras de primavera sem o encanto dos vagalumes, o amanhecer sem a sinfonia melancólica das seriemas, dos presságios dos bugios ou dos alertas dos quero-queros e, sem saber de José Saramago, fazia premonições:

A maldade e a crueldade, são inventos humanos, na sua capacidade de mentir e destruir.

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