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Em 2025, MS superou feminicídios do ano passado; caso Vanessa Ricarte ganhou destaque nacional

Layane Costa, do Mídia Max –

Em Mato Grosso do Sul, 39 mulheres perderam a vida durante o ano de 2025. Números que superaram em 11% o ano de 2024, no qual ocorreu o registro de 35 feminicídios. No estado sul-mato-grossense, a maioria das mortes ocorreu pelo simples fato de os companheiros não aceitarem o fim do relacionamento, seja ele casamento ou namoro.

Assim, o primeiro feminicídio registrado neste ano na Capital foi o da jornalista Vanessa Ricarte. A morte da servidora pública expôs falhas históricas na rede de atendimento e impulsionou mudanças internas na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) e na Casa da Mulher Brasileira.

A partir desta fatalidade, em Mato Grosso do Sul, o debate sobre a violência de gênero teve dimensão ampliada, alcançando os serviços de amparo e acolhimento às vítimas de violência doméstica e provocando a revisão de protocolos dispensados às mulheres.

O feminicídio é tipificado como qualquer morte violenta de mulheres motivada por questões de gênero. Em 2015, entrava em vigor a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15), o assassinato de mulheres por serem mulheres. Assim, a lei considera feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.

A Lei 14.994, de 2024, aumentou a pena para os condenados pelo crime de feminicídio, que passou a ser de 20 a 40 anos de prisão, maior do que a incidente sobre o de homicídio qualificado (12 a 30 anos de reclusão).

Em uma entrevista concedida neste ano ao Jornal Midiamax, a professora do curso de Direito da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Rejane Alves de Arruda explica que a pena se tornou a mais alta do Código Penal.

“Antes, nós tínhamos o homicídio qualificado, pelo caso de haver violência de gênero, com uma pena de 12 a 30 anos. Agora, nós temos o crime de feminicídio com uma pena que varia de 20 a 40 anos, a pena mais alta do Código Penal”, prossegue.

Rejane ainda destaca que o novo tipo penal torna as estatísticas mais claras. “O feminicídio ganhou uma visibilidade que, até então, ele não tinha nas estatísticas. De tal forma que é possível agora diferenciar o que é homicídio e o que é homicídio cometido contra a mulher, sobre a perspectiva de gênero”, conclui.

Em 2025, MS superou feminicídios do ano passado; caso Vanessa Ricarte ganhou destaque nacional
Rejane Alves de Arruda, professora da UFMS e advogada, fala sobre a mudança na pena para o crime de feminicídio. (Foto: Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Vanessa Ricarte

A jornalista e servidora pública do MPT (Ministério Público do Trabalho), de 42 anos, entrou para as estatísticas no dia 12 de fevereiro, em Campo Grande. Vanessa Ricarte entrou para a lista de vítimas ao ser esfaqueada três vezes na região do tórax dentro da sua própria residência, no bairro São Francisco.

Na data dos fatos, ela foi socorrida e encaminhada em estado gravíssimo para a Santa Casa, onde veio a óbito. O autor, que segue preso desde então, foi o seu ex-noivo, Caio do Nascimento Pereira — que carrega mais de 10 passagens por violência doméstica.

Na madrugada do dia 12 de fevereiro, Vanessa chegou a ir até a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, acompanhada de um amigo, para registrar um boletim de ocorrência por agressão. No entanto, no período da tarde, ela foi até sua casa, acompanhada do mesmo amigo, para pegar seus pertences. Chegando à residência, foi esfaqueada por Caio.

Em 2025, MS superou feminicídios do ano passado; caso Vanessa Ricarte ganhou destaque nacional
Vanessa Ricarte denunciou falhas no atendimento de vítimas de violência doméstica na Deam. (Redes Sociais)

Reestruturação

Em decorrência da morte da jornalista, muitas movimentações foram realizadas, em uma tentativa de mudar o cenário de violência contra a mulher no estado sul-mato-grossense.

No entanto, a repercussão do caso foi amplificada, nacionalmente, após áudios gravados por Vanessa apontarem falhas no atendimento que ela havia recebido quando procurou ajuda na Casa da Mulher Brasileira.

Esses áudios escancararam fragilidades no atendimento prestado pela instituição em Campo Grande e levariam, em algumas semanas, ao início de uma reestruturação interna, especialmente na Deam.

Projeto Alerta Lilás

A ferramenta desenvolvida pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), criada em fevereiro deste ano, tem como objetivo central ampliar o compartilhamento de informações sobre autores de violência doméstica.

O Alerta Lilás foi projetado para enviar avisos automáticos a promotores de Justiça, juízes e delegados de Polícia Civil, sempre que um agressor comete um novo ato violento. Esses alertas chegam por meio dos sistemas já utilizados para processamento das ações penais, via e-mail e por plataformas de comunicação.

Os alertas são gerados a partir de “gatilhos” que são disparados quando são registrados novos processos no SAJMP e novos boletins de ocorrência de violência doméstica no Sigo (Sistema Integrado de Gestão Operacional). O sistema analisa milhares de processos e, ao identificar um caso de violência doméstica, passa a monitorar o agressor em diversos bancos de dados.

4ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Em março, ocorreu a inauguração da 4ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na Casa da Mulher Brasileira, em Campo Grande. A unidade do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) visa reforçar a rede de proteção às mulheres e aprimorar o combate à violência doméstica. Assim, dobra a capacidade do Poder Judiciário de processar e conceder medidas protetivas.

Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher

Já na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), após exatos 45 dias da morte da jornalista, o local passou por inúmeras mudanças, que incluíram a remoção de três delegadas — sendo duas envolvidas no atendimento de Vanessa Ricarte e a titular.

A delegada Riccelly Maria Albuquerque, que realizou inicialmente o registro do boletim de ocorrência da jornalista, removida ‘ex-officio’, no interesse da Administração. Ela foi para a Depac-Cepol (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário do Centro Especializado de Polícia Integrada), onde atuava antes de ir para a especializada.

Já Lucélia Constantino, que atendeu Vanessa quando a jornalista havia ido buscar a medida protetiva, também foi removida a pedido. Ela está atuando na Depac-Cepol.

Por fim, Elaine Benicasa, que era a titular da delegacia, foi removida a pedido e está atualmente atuando na DGPC (Delegacia-Geral da Polícia Civil).

Grupo técnico

Um grupo técnico, conhecido como força-tarefa, havia sido criado para aperfeiçoar o atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar. A medida seria para maior eficiência e celeridade na apuração dos crimes contra a mulher.

Em Campo Grande, o grupo está responsável por analisar boletins de ocorrência de casos represados, aqueles onde as vítimas ou autores não são encontrados no endereço e nem por telefone pela Polícia Civil, bem como desistência de representação por parte das vítimas ou ausência/inexistência de provas ou elementos comprobatórios para a instrução e andamento dos procedimentos.

Na época, o Governo do Estado havia criado o grupo para atuar diretamente na Casa da Mulher Brasileira, a fim de desafogar um passivo de cerca de 6 mil boletins de ocorrência acumulados na Deam e melhorar o fluxo de atendimento. A força-tarefa reúne policiais civis, assistentes sociais, psicólogas, defensoras públicas e representantes do MPMS e TJMS.

Nova Deam

Em agosto, ocorreu o anúncio da chegada da “Deam 2”, em Campo Grande. O prédio está localizado na Rua Abrahão Júlio Hae, no Centro de Campo Grande. O local irá ajudar a ampliar a capacidade de investigações dos crimes cometidos contra as mulheres.

A diferença entre as unidades será somente que a nova não terá a parte do flagrante e nem do Imol (Instituto de Medicina e Odontologia Legal). Assim, as mulheres precisarão continuar indo à Deam localizada na Casa da Mulher Brasileira.

Padronização de atendimentos

Em dezembro, uma portaria normativa dispôs sobre a obrigatoriedade de orientação padronizada por parte dos servidores da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul às vítimas de violência doméstica e familiar, abrangendo o registro de ocorrências, pedido de MPU (medidas protetivas de urgência) e o acesso à rede de apoio, independentemente do registro criminal.

A Portaria 244/2025/DGPC/MS, assinada pelo delegado-geral de Polícia Civil, Lupérsio Degerone Lúcio, leva em consideração o acordo de Cooperação Técnica nº 03.010/2025, firmado entre o TJMS e o Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio da Sejusp, com interveniência da Delegacia-Geral da Polícia Civil e da Polícia Militar, para atendimento célere das disposições legais relativas às medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha.

Vítima mais nova de MS

Sophie Eugênia Borges está entre as vítimas de feminicídios deste ano em Mato Grosso do Sul. Com apenas 10 meses, a menina foi esganada e posteriormente teve o corpo carbonizado pelo próprio pai, João Augusto de Almeida. A mãe, Vanessa Eugênia Medeiros, de 23 anos, também foi vítima do esposo.

O crime ocorreu em 26 de maio, quando Sophie e Vanessa foram mortas esganadas e tiveram os corpos queimados. O relato de João Augusto fez até policiais mais experientes ficarem perplexos com a frieza do rapaz ao contar os detalhes de como matou a esposa e a filha e depois colocou fogo nos corpos das vítimas.

“Ele tinha desprezo pela condição de serem mulheres”, afirma o delegado Rodolfo Daltro, do DHPP (Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa). Conforme o relato de João, ele disse que não pagaria pensão para duas mulheres.

“Acho que, se fosse um filho homem, ele não teria cometido o crime”, desabafou o delegado, ainda chocado com a frieza do rapaz, que nem sequer era usuário de drogas ou tinha passagens pela polícia. Isso reforça, mais uma vez, que agressores não têm perfil, não têm cara e estão mais perto do que a gente pode imaginar.

Em 2025, MS superou feminicídios do ano passado; caso Vanessa Ricarte ganhou destaque nacional
Vanessa Eugênia, de 23 anos, e sua filha, Sophie Eugênia, de 10 meses. (Reprodução, Redes Sociais)

‘Inaceitável’, diz subsecretária

Em entrevista ao Jornal Midiamax, a subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres, Manuela Nicodemos Bailosa, pontuou que os números registrados em 2025 são inaceitáveis, uma vez que 39 mulheres mortas é motivo de profunda dor e reflexão para a sociedade sul-mato-grossense.

“O cenário de feminicídios em 2025 é inaceitável, e os 39 casos que infelizmente registramos até o momento representam famílias destruídas e a urgência de intensificarmos nossas ações de combate ao feminicídio”, pontuou.

Ampliando para o campo das políticas públicas, Manuela entende que o termo “cruel” é reflexo da persistência da desigualdade de gênero e da violência estrutural. “Qualquer vida perdida é uma tragédia e, sim, o número de 39 casos, de acordo com o Monitor de Violência, é motivo de profunda dor e reflexão para a sociedade sul-mato-grossense”, finalizou.

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