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Elairton Gehlen: ‘Namorar como antigamente’

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Elairton Gehlen – escritor –

– A gente podia namorar como antigamente… 

João Pequeno queria namorar, e namorar como antigamente, sentar na sala e ver televisão, tomar chimarrão na área da frente e conversar, passear na praça, ir à igreja. 

– Acho que não, antigamente não foi muito bom, aliás nada… 

Maria Júlia queria ter namorado na sala escutando programas de rádio, tomado chimarrão no quintal, trocando a cuia por uma conversa boa, ir à igreja colher os frutos do espírito e até passear de mãos dadas. Mas, antigamente, seu sonho virou pesadelo, o brutamontes com quem se casou queria vencer na vida e ganhar dinheiro, cada vez mais, até que ficou muito rico e morreu enfartado depois de ter bebido muito numa festa com investidores. 

– Eu acho que a gente podia… 

João Pequeno estava determinado a recuperar um tempo que se perdera quando teve que trabalhar doze a catorze horas por dia, serviço bruto no campo, derrubando mato, fazendo poço. Se casara, antigamente, não dava para pensar em namoro, tinha muitas necessidades, todas urgentes.  

– Talvez a gente podia, se agora ainda fosse antigamente… 

Maria Júlia estava determinada a não recuperar o sofrimento de antigamente quando esperava, esperava e o que recebia era a notícia auspiciosa de um futuro maravilhoso quando tivessem ganho tanto dinheiro que não haveria mais necessidade de ganha-lo pois o dinheiro se ganharia por conta própria. 

– Eu não quero o teu dinheiro, tenho o suficiente para nós dois… 

 Antigamente, haviam as fotonovelas, uma sequência de fotos com as falas em ‘balõezinhos’ que contavam certamente a história do amor verdadeiro. As telenovelas começaram representando isso. Desde as novelas da Rocord, nos anos setenta, até os dias atuais muitas coisas mudaram. Quem almeja um ‘amor verdadeiro’ certamente fará referência ao namoro de antigamente. João Pequeno, que já conta seus setenta anos de idade, quer esse amor de fotonovela. 

– O dinheiro nunca foi suficiente… 

Maria Júlia, quase setenta, carrega as marcas do amor de fotonovela, não perdia uma edição de Fascinação, chorava lendo Capricho e sonhava com o príncipe encantado lendo Grande Hotel. O Príncipe apareceu, prometeu toda a riqueza do mundo e foi conquista-la. Quando, finalmente achou que tinha o bastante, fez uma festa para celebrar a aposentadoria, morreu no meio das comemorações. 

– Maria Júlia! – ainda suplicou, pela última vez João Pequeno – não podemos deixar que o absurdo da existência nos roube a existência, ainda que ela seja absurda! 

– João Pequeno – respondeu Maria Júlia, lágrimas nos olhos – ainda que pareça absurdo, eu quero namorar com você, mas não como antigamente, não temos mais tempo para isso! 

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