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Elairton Gehlen escreve: ‘Os vendilhões do templo’

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Elairton Gehlen – escritor –

Antes de começar a escrever este conto, devo dizer que sou Cristão, ainda que eu não siga nenhuma denominação em especial. Também diria que sou Crente, esse nome que dão para crentes não católicos romanos, ainda que discorde veementemente de muitas denominações que se autodenominam evangélicas, mas que mais parecem empresas capitalistas e que não têm nenhum pudor em adorar a dois deuses ao mesmo tempo, ainda que a bíblia o proíba. Dito isto, vamos ao texto propriamente. 

Eu tenho um amigo que mora num país Sul Americano e ele diz que por lá as igrejas são muitíssimas ricas. O segredo, disse, está na liberdade religiosa. Não me espantei, pois aqui no Brasil também temos liberdade de organização religiosa e igrejas muito ricas, ao que ele acrescentou o que seria o tal segredo. O segredo, repetiu como se fosse realmente algo muito secreto, é que lá no meu país, qualquer um pode abrir uma igreja, fazer-se pastor, cadastrar na Receita Federal e com o CNPJ em mãos reivindicar até o terreno junto ao poder público sem ter que pagar nada, e daí vender a promessa do Céu para aqueles que pagam o dízimo e pronto, logo a igreja se enche de esperançosos miseráveis, assim como enche também a conta bancária do pastor. 

Como falava à sério, cenho franzido e tudo, pensei tratar-se de um pequeno país administrado como um fazendeiro cuida de uma fazenda de gado. Sim e não, disse. O presidente administra mesmo como se fosse uma fazenda de gado, ele berra para um lado, grita para o outro e o gado o segue fielmente, mal sabe que vai para o matadouro. Mas, não é um pequeno país, é um dos maiores do continente, prá lá de duzentos milhões de habitantes, incluído os bovinos que seguem os gritos e os berros! 

Perguntei-lhe sobre o governo do país e sua relação com as igrejas, já que aqui isso parece tão evidente. Respirou fundo, ergueu as mãos ao ar em pequenos círculos, olhou-me com aquele olhar intrigado de quem quer, não querendo, responder uma pergunta, fechou a mão esquerda diante de si e com direita espalmada em direção ao meu peito, afirmou com segurança e tristeza no olhar que, se não fosse o Superior Tribunal Federal, o presidente já teria colocado placa de igreja em frente de seu palácio e se autonomeado pastor titular da igreja com o nome do país. Pelo sim, pelo não, apresentou uma reforma tributária prometendo instituir o dízimo. Para ser ministro, disse, não importa a idoneidade, basta ser terrivelmente evangélico! 

E o povo, perguntei, está feliz? Feliz? Sim. Os banqueiros e os latifundiários estão felicíssimos! E o gado pasta! Pensei ser isso uma metáfora. Não é possível que banqueiros e latifundiários paguem o dízimo. Não!!! Quase berrou. Banqueiros e latifundiários não pagam impostos, eles são tidos por deuses, são adorados pelos do povo. Quando um destes aparece em público, o que é raro, normalmente ficam reclusos em seus templos, mansões, resorts, casas de praia, fazendas, etc., mas quando aparecem no meio do povo são reverenciados como a santos da igreja católica, o povo põe-se de joelhos diante deles. 

Então perguntei: E os católicos, por lá devem ter muitos, eles também adoram deuses relacionados às riquezas? Eu sou suspeito para dizer, falou abaixando a cabeça. Não me confesso católico, mas, se Martinho Lutero voltasse, seria imediatamente mandado vivo para a fogueira, tamanho é o empenho em vender objetos santificados pelas redes de televisão da igreja. 

Dito isso, danou a chorar como criança. Chorou um vale de lágrimas. Depois de algum tempo em silêncio, tomamos de um livro de Albert Camus e conversamos por um longo tempo sobre o absurdismo. 

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