Ilson Boca Venancio –
Uma das formas da história oral é coletar relatos sobre vivências de uma pessoa e essa é uma das coisas que gosto de fazer. Gosto de ouvir a história de vida daqueles que ilustram o meu universo. Nessa minha caminhada de “escrevinhador” pois não sou jornalista, gosto de escrever e contar histórias.
Depois de algum tempo tentando acertar um horário conveniente a ambos, trago aqui a história do artista e amigo Fernando Dagata, conhecido também como Dagata, o cidadão Fernando Castro Além.
Começamos a conversar e ele me diz que a sua iniciação musical foi com seu pai, o grande músico Leônidas Além. Lembra que quando menino pegava seus dedinhos e colocava sobre as cordas do instrumento e assim seu pai lhe ensinou as primeiras posições do violão. Foi com ele que fez as primeiras cantorias. As primeiras músicas que aprendeu a cantar eram as músicas que seu pai cantava e ouvia em casa.

Relembra quando menino, no período entre seus sete a nove anos, estudava judô no Ceper do 3º plano, local onde as sextas-feiras seu pai se reunia com os amigos para tocar e cantar numa roda de música e que, quando seu pai lhe avistava por perto, logo lhe chamava para cantar com ele.
Conta que na hora da música “Galopeira” ele ficava vermelho de tanto alongar a respiração, e destacar essa palavra. Relembra também outras músicas, como Fio de Cabelo, Menino da Porteira, populares e obrigatórias em todas as rodas de churrasquinhos e cerveja, hábito comum na nossa cidade.

Geralmente nesses encontros se canta as músicas que todos sabem cantar! Conta que apesar desse lado regionalista e romântico que o pai tinha, ele gostava de cantar em sua casa as músicas modernas da época, como as da Jovem Guarda, Roberto Carlos, Rita Lee, Raul Seixas, Jerry Adriani, entre outras tantas que faziam sucesso nos anos 60 e 70.
Dagata diz que uma das características que herdou do pai foi usar voz de forma postada acima com vibrado, característica de cantores da música paraguaia, mas que hoje tem utilizado outras técnicas de interpretação, mas deixa registrado essa herança paterna.
Vale aqui uma lembrança para os contemporâneos dos anos sessenta e setenta, pois sempre que se ouve falar em nossa cidade o sobrenome Além, logo se lembra do saudoso Leônidas Além, cantor que ficou na história da nossa cidade do velho estado de Mato Grosso, nosso atual Mato Grosso do Sul.
A música paraguaia e as regionais como Polca, Guarânia, Boleros, e o cancioneiro romântico brasileiro como Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Aguinaldo Timóteo, Aguinaldo Rayol, Roberto Carlos, Jerry Adriano entre tantos outros dos tempos da jovem Guarda foram influências do trabalho artístico do seu pai.
Além gostava de cantores que, como ele, utilizava a voz postada e forte com bastante vibrado. Em Dourados, Leônidas Além era o nosso melhor cantor seresteiro, gostava de se reunir com os amigos para tocar e cantar, mas na hora do trabalho ele era caprichoso. O luxo dos casamentos da Igreja Matriz era ter a música cantada pela voz de Leônidas Além.
Nos festivais ele sempre se destacava, e nos bailes cantava e tocava com o conjunto musical Swing Blues, nas serenatas, uma cultura muito habitual na nossa cidade, enchia de prazer quem recebia a serenata despertado com aquela bela voz.
Dagata diz que foi nos anos 80, quando veio a abertura democrática e o rock nacional ganhou destaque no rádio e nos programas populares da televisão, expressando uma linguagem mais livre soltando pra fora toda a angústia acumulada pela pressão da censura durante a ditadura militar, chamando a atenção do mercado e ganhando destaque no cenário nocional e internacional, que se apaixonou pelo rock dizendo: “É com esse que eu vou!” E foi.
Começou a comprar discos de rock nacional: Paralamas do Sucesso, Blitz, Rita Lee, Raul e aí nasceu a formação do seu primeiro repertório. Depois de muito estudo e ensaios, vinte e cinco anos passados, iniciou a sua vida profissional com a música.
Com o decorrer do tempo foi ganhando espaço e ficando conhecido na cidade e região, fortalecendo assim o seu trabalho que tem oitenta por cento de rock nacional dos anos oitenta. Começou a prestar mais atenção na história do rock e foi percebendo a qualidade do rock produzido nos anos sessenta e setenta, bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath, The Doors, Bob Dylan, Janis Joplin, The Roling Stones, Jimi Hendrix e toda aquela leva de músicos maravilhosos que produziram o rock neste período.

Por outro lado, também veio o trabalho autoral, que resultou nas gravações de três discos CDs. Nessa sua trajetória conheceu e trabalhou com muitos músicos, o que deu crescimento e maturidade ao seu trabalho.
A sua música caminha pelos bairros da cidade, visita a Usina Velha, vai para a aldeia, nada nos rios onde se banham os Terenas, e guarani Caiuás, perambula pelas ruas, bares, praças e escolas levando o velho e bom Rock and Roll!
Hoje com a popularidade do áudio visual passou a produzir os clips que é uma forma mais atual na comunicação, por esse motivo o fato do retorno do Ministério da Cultura, e suas leis de incentivo, vê aí a possibilidade de pleitear recursos que lhe possibilite produzir Clips com suas músicas ainda inéditas.
Na caminhada com a música, ele foi ampliando as suas relações com o trabalho de outros músicos sul-mato-grossenses como Almir Sater, Paulo Simões, Geraldo Espíndola, Jerry Espíndola, Grupo Acaba, Toninho Porto, Zé Pretinho, Olho de Gato, entre outros e a sua música foi amadurecendo e ficando mais versátil ganhando um estilo mais definido.
Suas letras que abordam diversas temáticas como indígenas, meio ambiente, temas históricos como a música Usina Velha, que foi organizado para música com letra construída a partir de uma poesia desse autor, Ilson Venancio, e outros temas focando a cultura da nossa cidade. Disse-me que agora mais maduro, tem no Rock and Roll a sua maior tendência.
Dagata também é professor de história. Contou-me que depois de dar aulas no curso superior como convocado, prestou concurso no Estado e assumiu uma cadeira para lecionar no ensino médio, mudando da faixa etária adulta para alunos de onze a quinze anos numa escola de campo no município de Ponta Porã.
Fala que isso lhe trouxe um desafio novo como professor, pois trabalha com um misto de alunos de culturas e classes sociais diferentes. Na escola rural há os filhos do patrão, dos empregados e os indígenas, que por sua vez são a maioria, e essa composição mista exige do professor um maior cuidado e compreensão para estimular os alunos no que é realmente a compreensão do processo histórico, se reconhecerem como agentes do processo nas relações sociais que devem estar bem estruturadas e fortalecidas para a formação consciente do cidadão.
Trabalhando com essa composição mista, o professor não pode ter uma visão eurocêntrica, ou seja, como sempre foi, uma a visão a partir da Europa, olhando para africanos e povos indígenas. Cabe ao professor usar método interativo, assim como no teatro do Zé Celso, e Boal, onde os diretores e atores da plateia participam compreendendo a história.
Observou que há uma divisão natural estabelecida entre a classe, as meninas indígenas se sentam de um lado, os meninos no outro, enquanto as não indígenas ficam ao meio, e ele na condução do processo educativo tenta compreender a visão de cada grupo, para que possa haver um bom aprendizado e harmonia entre todos.
Para ele o professor é o mediador dos alunos, é ele que propõe o conteúdo, mas são os alunos que têm que serem protagonistas do seu conhecimento, levando em conta que caso os grupos tenham uma cultura diferente, o professor tem a responsabilidade de compreender cada uma. Em determinado momento percebe que os indígenas têm que realizar um esforço maior no aprendizado do conteúdo associado com a língua falada por eles.
Dagata fala com muito amor e carinho de seus filhos, diz que o mais velho Igor é músico como ele e um ótimo guitarrista, coisa que ele se realiza vendo no filho o desempenho nesse instrumento que gostaria muito de ter aprendido a tocar. O mais novo. assim como ele. é professor já em fase de pós-graduação indo para o doutorado em geografia lhe deixando muito orgulhoso.
Ele me disse que teve dúvidas na escolha do curso que faria: Geografia ou História mais acabou optando pela História e se sente realizado com a sua escolha. No exercício professoral recebe e aceita as dicas preciosas da sua esposa que é professora da língua inglesa, que muito lhe transmite segurança pelo seu conhecimento pedagógicos e habilidade no trato com os alunos em sala de aula. Isso lhe transmite segurança, confiança por essas orientações preciosas que muito lhe ajuda a melhorar o seu desempenho em sala de aula.
Dagata, além de músico, professor e compositor, agora é também produtor cultural. Realizou em Dourados, na Praça Antonio João, o evento que a cidade merecia para agregar todas as tendências da arte cultura e também todos os povos que formam a nossa comunidade o Festival de Todos os Povos, cujo evento contemplou todos os segmentos da nossa arte incluindo a culinária, artesanato, música, dança, literatura e poesia promovendo uma interação com a comunidade facilitando o a troca e o reconhecimento, entre artistas e comunidade.

Eu, como participante desse evento na Tenda da Literatura, onde declamei poemas e cantei músicas e presenciei também a minha filha, Flora, no espaço da Gastronomia, levando a população a conhecer e consumir os seus pães de fermentação natural posso testemunhar a importância desse festival para a nossa cidade!
Ele me conta que com o sucesso alcançado, ganhou credibilidade para produzir o Festival da Primavera, na vizinha cidade de Caarapó, que irá acontecer em outubro de 2023 no mesmo formato, mas proporcional ao tamanho da cidade.
Em 09-06-2022 foi fundada a Academia de Letras do Brasil, seccional Dourados e esse companheiro assumiu a cadeira de número 13, tendo como Patrono o Zé Pretin, lhe garantindo “Ad immortalitem”. Nesse papel, o acadêmico deixa obviamente de ser uma pessoa comum, o que ele já não era, e passa a ser efetivamente obreiro da cultura.
Eu como apoiador de tudo que emana do povo, desejo sucesso nessa sua caminhada e que seu caminho vá muito mais além, Fernando Castro Além, meu companheiro Dagata.