Buenos Aires sediou a LXVI Cúpula de Presidentes do MERCOSUL, com a participação dos Presidentes Javier Milei (Argentina), Luis Arce (Bolívia), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Santiago Peña (Paraguai) e Yamandú Orsi (Uruguai).
O evento foi realizado na quinta-feira (3), em contexto global marcado por desafios energéticos e pela necessidade de cadeias energéticas resilientes, a integração energética foi um dos principais temas discutidos.
Na Declaração Presidencial sobre Integração e Segurança Energética, os líderes reafirmaram a importância de avançar na integração de gás natural e eletricidade no MERCOSUL, destacando o papel da energia como motor do desenvolvimento econômico, da inovação tecnológica, da industrialização e da atração de investimentos sustentáveis para o bloco.
Os presidentes reconheceram o valor da infraestrutura existente — gasodutos transfronteiriços, redes de interconexão elétrica e usinas binacionais — e enfatizaram a urgência de garantir fontes de energia confiáveis e competitivas para as indústrias e populações da região. Também foi reiterado o compromisso com a harmonização de regulamentações, a criação de condições estáveis para investimentos privados e a promoção de acordos de longo prazo para assegurar o fornecimento energético.
Nesse contexto, o único acordo bilateral assinado durante a cúpula foi o Memorando de Entendimento (MoU) entre Paraguai e Argentina para o desenvolvimento do Gasoduto Bioceânico, conferindo ao projeto uma relevância política e estratégica singular. Esse marco reafirma o compromisso de ambos os países com uma visão compartilhada para o futuro energético regional, posicionando o gasoduto como o principal projeto de integração energética do MERCOSUL nesta década.
O GASODUTO BIOCEÂNICO: INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA PARA A AMÉRICA DO SUL E O MUNDO
O Gasoduto Bioceânico é uma das iniciativas mais estratégicas para a integração energética na América do Sul. Seu objetivo é conectar a produção de gás natural de Vaca Muerta, na Argentina, aos mercados brasileiros, atravessando o Paraguai por meio de uma infraestrutura moderna, eficiente e segura. Integrado à Rota Bioceânica, esse corredor energético promoverá o uso do gás ao longo de seu trajeto, impulsionando o desenvolvimento industrial, a geração de empregos e a competitividade nos países envolvidos.
Uma visão de longo prazo: a origem do projeto
A Zeus Energy, com mais de uma década de atuação no Chaco paraguaio em atividades de exploração de gás natural, foi pioneira ao identificar um desafio e uma oportunidade: caso fosse descoberto gás no Paraguai, seria necessário conectá-lo a mercados regionais para viabilizar sua comercialização.
Em 2018, o cenário começou a se alinhar. Vaca Muerta emergia como um megacampo capaz de transformar o mapa energético da América do Sul, enquanto a Bolívia apresentava sinais de declínio em sua produção de gás, e o Brasil enfrentava um déficit estrutural no fornecimento de energia devido ao crescimento industrial e urbano. Nesse contexto, a Zeus Energy, em parceria com a Enera Ventures, propôs o Gasoduto Bioceânico como um projeto estratégico para posicionar o Paraguai como um ator relevante no mercado de gás natural, ao mesmo tempo em que impulsionaria sua industrialização com uma fonte de energia abundante, limpa e competitiva.
Na época, o então vice-ministro de Minas e Energia, Mauricio Bejarano, reconheceu o potencial transformador da proposta e a incorporou como um pilar da política energética paraguaia. Apesar do ceticismo inicial, devido à natureza prospectiva do projeto, a ideia ganhou força com as mudanças no cenário energético regional e global, marcadas pela crise energética, a transição para fontes mais limpas e a necessidade de segurança energética.
Com o governo do presidente Santiago Peña, o projeto foi retomado com prioridade. Diante da proximidade do limite da capacidade hidrelétrica instalada no Paraguai e da ambição de posicionar o país como um hub de integração energética na América do Sul, o Gasoduto Bioceânico assumiu centralidade na agenda de desenvolvimento. Mauricio Bejarano, agora novamente vice-ministro de Minas e Energia, consolidou-se como um dos principais articuladores do projeto, ao lado de figuras-chave como Claudia Centurión, Ministra de Obras Públicas e Comunicações, e Javier Giménez, Ministro da Indústria e Comércio. Junto à Enera Ventures e à Zeus Energy, formaram uma mesa de diálogo institucional para estruturar um processo técnico e político que priorize o gasoduto como um projeto estratégico.
Avaliação em fóruns regionais e internacionais
O Gasoduto Bioceânico foi discutido em fóruns relevantes do MERCOSUL, como o Estudo de Integração de Gás do Mercosul, financiado pela CAF e elaborado pela OLADE, que analisa as condições técnicas, econômicas e estratégicas dos corredores regionais. O projeto também está contemplado no Memorando de Entendimento entre Argentina e Brasil, que visa viabilizar o fornecimento de gás exportável para o norte do continente.
Nessas discussões, o gasoduto foi identificado como uma das rotas mais viáveis, devido à ausência de obstáculos sociais e ambientais, à topografia favorável e à disponibilidade de direitos de passagem. Sua relevância é clara: permite a exportação competitiva de gás argentino, transforma o Paraguai em um consumidor e industrializador estratégico e oferece ao Brasil uma nova fonte de energia a preços competitivos, diversificando sua matriz energética.
Avanços em acordos internacionais
Em 2 de julho de 2025, Paraguai e Argentina assinaram um acordo para avançar na integração do gás e na cooperação técnica e regulatória necessária ao desenvolvimento do gasoduto. Anteriormente, em fevereiro de 2025, durante o VI Fórum de Governos Subnacionais do Corredor Bioceânico, foi firmado o primeiro acordo binacional entre o Governo do Mato Grosso do Sul (Brasil) e o Paraguai, criando um grupo de trabalho conjunto. Atualmente, negociações avançadas com o Ministério de Minas e Energia do Brasil e a Província de Salta (Argentina) consolidam uma visão compartilhada de longo prazo para o projeto.
Interesse do setor privado
Grandes empresas do setor energético, como TotalEnergies, CAF, YPF, Techint, Pluspetrol e Transportadora de Gas del Norte (TGN), demonstraram interesse em participar de diferentes etapas do desenvolvimento do gasoduto, reforçando sua viabilidade e atratividade para investimentos internacionais.
Condições para viabilizar o gás de Vaca Muerta para o Brasil
O principal desafio para tornar o gás argentino acessível ao Brasil de forma sustentável envolve dois aspectos: o desenvolvimento de nova infraestrutura e a competitividade do preço final. Para atender à demanda brasileira, o gás deve ser firme, com preço abaixo de US$ 10/MMBTU para o consumidor final e contratos de longo prazo. O Gasoduto Bioceânico é a única iniciativa capaz de cumprir essas condições simultaneamente, posicionando-se como a alternativa mais estratégica e realista.
A disponibilidade de gás firme com contratos estáveis é essencial para o desenvolvimento industrial no Paraguai e no Brasil. As indústrias requerem previsibilidade no fornecimento e custos de energia estáveis para planejar investimentos. Para isso, é crucial operar em territórios com estabilidade política e econômica, que ofereçam segurança jurídica e garantias de conformidade. Acordos internacionais, como os do MERCOSUL, são fundamentais para proporcionar confiança a investidores e usuários finais.
Transformando ideias em obras: o Paraguai na liderança da coordenação
A integração energética exige ações concretas, liderança e coordenação eficaz. Como diz o ditado, “obras são amores”. O Paraguai, apesar de seu tamanho, demonstra firme compromisso com a cooperação regional. Nas palavras do presidente Santiago Peña: “Vivemos entre gigantes, mas não para nos isolarmos, e sim para construir pontes, dialogar e criar soluções conjuntas”.
Com essa visão, o Paraguai assume a responsabilidade de articular esforços técnicos, diplomáticos e financeiros, reconhecendo que o Gasoduto Bioceânico é um projeto regional que beneficia todos os envolvidos. Essa liderança não busca protagonismo, mas sim estabelecer uma plataforma comum para o desenvolvimento, a segurança energética e a integração sustentável.
Um projeto para antecipar o futuro energético
Em um cenário global de transição energética, o gás natural desempenha um papel crucial como combustível de transição para fontes renováveis. O Gasoduto Bioceânico vai além de uma infraestrutura: é um símbolo de integração regional, cooperação entre países e uma visão compartilhada de longo prazo. Conectando os oceanos Atlântico e Pacífico e integrando Argentina, Paraguai, Brasil e Chile, o projeto responde à necessidade de antecipar crises energéticas com planejamento, estratégia e compromisso regional.
Como já foi dito, não podemos agir como saquinhos de chá que só reagem quando a água já está quente. A integração energética deve ser proativa. O Gasoduto Bioceânico é, hoje, o principal projeto capaz de transformar a geografia energética da América do Sul.