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Crônica: Ninguém nunca saberá

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13/03/2018 07h05

Crônica: Ninguém nunca saberá

Por: Folha de Dourados

(*) Rebecca Loise

Era dia. O sol confundiu as horas. Não siga o horário de Brasília, fique sob o efeito do cerrado e acredite na linha do Equador. Havia uma primeira pessoa, talvez uma segunda e, por fim, a terceira. Ainda não se sabe. Era domingo na Dourados de Mato Grosso do Sul, do Sul do centro-oeste do Estado. Estado do Agro não é Pop.

Bike é pop, principalmente num dia de domingo, enquanto ando de encontro ao vento. Os cabelos ao vento um dia antes da fatal segunda-feira, que seria “só amanhã” e já é hoje.

“Hoje eu preciso te falar, te encontrar de qualquer jeito”, como naquela canção que pede cachimbo para apreciação. Eu queimo e você fuma, eis mais uma maneira de fazer amor.

A cidade parece fantasma em dias assim, no entanto, o meu coração não é um túmulo escancarado. Em caso de fatalidade, permito os dizeres na lápide: “ela mexia os pés sem saber o que fazer com as enormes mãos”. Se couber mais verdade, acrescente: “foi feliz apenas quando não sabia que o era”.

Na espera de que nada acontecesse, uma árvore, dessas que não se movem em razão do peso de suas raízes, colidiu com seu tédio desatento.

Uma terceira pessoa encontrou uma gravação na galeria do aparelho de celular que terminou por cair dentro de um buraco no campo minado do asfalto. O vídeo denuncia uma ciclista registrando, pela câmera do aparelho, uma tarde arrastada e vazia de domingo na companhia de si mesma.

Em cidade dourada com ouro desviado, os transeuntes, andarilhos, andantes, moradores, estrangeiros, desconfiados, indígenas, velhos, jovens, trabalhadores, crianças, artistas, todos eles, precisam tampar eles mesmos os seus próprios buracos.

Saiu uma nota sobre isso no jornal, mas para quê tanta notícia? O grosso deste mato é do Sul. Sabe-se lá em que estado está Mato Grosso, porém, aqui é preciso ter norte.

Ficou por ser descoberto se havia uma segunda pessoa no dia, na hora, no local da colisão. A polícia não está investigando, se tudo correr como de costume, ninguém nunca saberá.

A primeira pessoa se despediu do peso do relógio, com ou sem verão. Ela agora está com suas pernas enroscadas nas nuvens, esperando brotarem raízes de seus pés antes que raios lhe partam em qualquer estação. Se ao menos um raio lhe partir, isso ninguém nunca saberá, levem seus buracos para tomar chuva. “Nuvem partida chora de pura emoção e banha buracos”. Sairá uma nota no jornal, mas ninguém a lerá. Poesia é pop, mas não dá ibope.

Contudo, não há desrazão para se preocupar. Não importa que nada aconteça ou que nunca se saiba de nada, antes de toda segunda-feira sempre haverá um dia de domingo.

(*) É psicóloga e mestra em Psicologia (PUC-SP), professora universitária (UFGD) e atua como psicanalista em consultório particular. Bailarina, escritora, poeta e amante das artes cênicas. Desde 2010 alimenta seu blog “De Sóis Noturnos” (www.rebeccaloise.blogspot.com). E-mail: [email protected].

Crônica: Ninguém nunca saberá

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