A rotina dos moradores de Kherson, no sul da Ucrânia, foi transformada pela ação constante de drones russos que atacam civis e criaram o que moradores e militares chamam de “safári humano”. A cidade foi libertada da ocupação russa em 2022, mas continua diariamente sob fogo intenso, com drones de curto alcance capazes de identificar alvos em tempo real e atingir pessoas, casas e veículos.
Olena Horlova vive nos arredores de Kherson e relata que teme ser atacada sempre que sai de casa. Ela mantém as duas filhas dentro da residência e dirige à noite sem faróis para não ser vista. Horlova afirma que os drones pousam em telhados quando as baterias estão fracas e esperam até que alguém apareça.
Ela disse que “quando pessoas, carros ou mesmo um ciclista aparecem, o drone decola repentinamente e solta o explosivo”. Segundo ela, até animais têm sido atingidos. Horlova acredita que civis são atacados como “vingança” pelas comemorações que marcaram a libertação da cidade.
Os drones FPV começaram a ser usados contra civis em Kherson antes de se espalharem por mais de trezentos quilômetros ao longo da margem direita do rio Dnipro. Equipados com câmeras que transmitem imagens ao vivo, permitem que operadores selecionem alvos em movimento.
Um relatório da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Ucrânia, da ONU, concluiu que os ataques configuram crimes contra a humanidade ao matarem e ferirem civis, destruírem casas e forçarem milhares a fugir.
Interceptações obtidas pela Associated Press mostram drones russos voando baixo sobre estradas e mirando carros estacionados ou em movimento, incluindo veículos de suprimentos e ambulâncias.
O comandante do 310º Batalhão Independente de Guerra Eletrônica, Dmytro Liashok, afirma que cerca de trezentos drones chegam a Kherson todos os dias e que, em outubro, nove mil drones sobrevoaram a cidade. Ele diz que a região se tornou um campo de treinamento para operadores russos. As forças ucranianas conseguem neutralizar mais de noventa por cento dos drones, mas o impacto sobre a população é amplo.
Dados do escritório de direitos humanos da ONU apontam que ataques com drones de curto alcance são hoje a principal causa de mortes civis perto da linha de frente. Autoridades locais registram mais de duzentos mortos e dois mil feridos desde julho de 2024 nas regiões do sul. Quase três mil casas foram danificadas ou destruídas.
Durante visita à cidade, Angelina Jolie descreveu a ameaça aérea como “uma presença pesada”. Ela relatou que precisou interromper uma atividade enquanto um drone sobrevoava a área e afirmou que as famílias convivem com essa rotina todos os dias.
No principal hospital de Kherson, que recebe vítimas desses ataques, Nataliia Naumova, de setenta anos, se recupera após ser atingida por um drone Shahed enquanto aguardava um ônibus de evacuação. Ela disse que “as pessoas lá sobrevivem, não vivem”.
O vice-diretor médico, Dr. Yevhen Haran, afirma que os ferimentos vão de amputações a lesões fatais. Para ele, “é simplesmente uma caçada humana”. Em um único mês, o hospital tratou oitenta e cinco pacientes internados e cento e cinco ambulatoriais com ferimentos causados por explosões.
O próprio Haran foi atingido por um drone FPV em agosto enquanto viajava de carro com a esposa. Ele recorda que socorristas avisaram sobre a presença de um drone. Ele afirmou que o equipamento “voou direto para o carro deles”. Estilhaços atingiram o veículo da frente, e Haran foi atendido com uma crise hipertensiva e sintomas de concussão.
A sensação de insegurança permanece, mesmo dois anos após a saída das forças russas da cidade. Moradores como Horlova afirmam que vivem na esperança de que o conflito recue ou que um cessar-fogo reduza os ataques. Enquanto isso não ocorre, Kherson segue como alvo constante dos drones que transformaram a região em um ambiente de caça contra civis.
(Informações RIC)

