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‘Casados para sempre’, conto do escritor Elairton Gehlen

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Elairton Gehlen – escritor –

Josenildo é desses sujeitos que se pode chamar de douradense da gema! Seu bisavô fora soldado na Guerra do Paraguai, lutou ao lado de Antônio João na Retirada da Laguna, que ficou conhecido como o Combate da Colônia Militar de Dourados. Foi uma batalha difícil onde apenas quinze valorosos soldados brasileiros enfrentaram três mil e quinhentos paraguaios, morreram todos e os paraguaios ocuparam a colônia militar. 

Foi bem aqui, dizia Josenildo ao lado da estátua do herói da Laguna, foi bem aqui onde está a estátua do Antônio João, que meu bisavô morreu lutando pelo Brasil. A estátua fica na praça central da cidade de Dourados a uns 170 quilômetros de onde ocorreu a tal batalha, mas nada disso importa para o bisneto do herói desta nação. Josenildo quer mesmo é se casar e o sangue do heroísmo de Laguna que lhe corre pelas veias, pode bem ajudar, não pode? Melhor casar que viver abrasado! 

A viúva do bisavô Juanito teria chorado a morte do valente marido até o exército brasileiro liberar o pagamento das pensões às viúvas de militares mortos em combate, ou não. Marli Ojeda, viúva de Juanito, decidiu nunca mais se casar para não perder o direito, mas teve outros três maridos informais e do terceiro nasceu José Ojeda, avô de Josenildo. Depois de ser condecorado por três vezes durante as comemorações do aniversário da heroica Retirada da Laguna, José casou-se com a paraguaia Marilisse de Atagua. O Prefeito de Bela Vista propôs à Câmara de Vereadores a cassação das homenagens. Aprovado por unanimidade, José não compareceu para devolver os diplomas, fugiu com Marilisse para Ponta Porã onde, dizia, poderia facilmente atravessar a fronteira e seria herói de um país estrangeiro. 

Em Ponta Porã lhe nasceram quatro filhos: Ramon, Rodrigues, Júlio e Pablo, este muitíssimo aplaudido quando desfilou vestido de Antônio João pelas avenidas da cidade num 7 de setembro. Era ano eleitoral e Pablo foi eleito vereador. Em discursos inflamados exaltava o heroísmo dos bravos soldados liderados por Antônio João. Logo o reconheceram como o herói da Pátria e elegeu-se facilmente prefeito com o apoio do ainda incipiente comércio ilegal de produtos contrabandeados do Paraguai para o Brasil. 

Não podendo conciliar a legalidade exigida pelo mandato e as concessões ilegais exigidas pelos traficantes, caiu em desgraça. Fugiu para o Paraguai levando consigo as menções honrosas concedidas ao seu Pai José em Bela Vista. Lá lhe nasceu Josenildo à uma pobre paraguaia pestilenta que lhe servia as refeições e limpava a casa, além de atender-lhe os desejos sexuais. Pablo morreu miserável deixando a pobre serviçal sem seu emprego e ainda grávida. Ao lhe nascer o filho, pôs-lhe o nome de Josenildo, este cresceu com graça e alguma sabedoria, mas era feio tal qual a mãe. Aos catorzes anos decidiu recuperar a honra da família, juntou os méritos concedidos ao seu avô José e rumou a Dourados, disposto a se casar e tornar-se político influente. 

Dia após dia punha-se na praça denominada Antônio João, ao lado da estátua do herói em discursos patrióticos à espera da bem-amada que lhe seria a esposa até que a morte os separe. Na semana da pátria, enquanto fanáticos bolsonaristas desfilavam seus carros de luxo, um anjo lhe apareceu ao lado da estátua. Era o anjo da medida de uns três metros, um pouco maior que a estátua de Antônio João, por isso Josenildo lhe respeitou quando pôs à frente a mão direita com o dedo indicador ao rosto do bisneto do heroico soldado e lhe disse com voz segura: 

– Três mentiras hão na tua história; primeira: Teu bisavô Juanito era paraguaio; Segunda: A Colônia Militar de Dourados nunca foi em Dourados, mas em Antônio João que fica a 170 quilômetros de Dourados e, finalmente a terceira: tu és muito feio, como tua mãe, e nunca te casarás! 

Mal o anjo se foi e os olhos de Josenildo ainda estavam postos nas nuvens quando Milena, uma das mulheres mais lindas da cidade, bandeira do Brasil aos ombros, tomou sua mão e, olhos molhados, mãos trêmulas, mal conseguir gaguejar: 

– Você é Josenildo?  Bisneto do herói da Pátria? Casa-se comigo? 

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