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‘Bilhete para a santinha’ – crônica do escritor Elairton Gehlen

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– Se tem uma coisa que essa pandemia fez bem, disse meu amigo Joaquim, é que acabou com as novenas! Joaquim não era jovem e isso se percebe claramente pelo nome. Não só o nome, Joaquim tinha belos cabelos brancos, ainda fartos apesar da idade em torno de setenta anos. Diariamente frequenta a academia ao ar livre instalada pela prefeitura na praça central do distrito, logo depois vai ao bar do Zé para umas cervejas com os amigos, eu, eventualmente, um deles. 

– Agora está uma paz!, disse brindando com um copo de Antárctica e pediu que todos brindassem com ele, afinal, ninguém mais aguentava aquela rezação cada vez que aparecia uma data religiosa importante. E quando não era importante inventava uma, que dia de santo é todo dia, se fosse feriado, ninguém mais trabalhava. E ainda tem a capelinha que vai de casa em casa todo mês. Agora a Clarinda só reza o terço quando ela vem, depois é a televisão, todos os dias, mas daí eu não ligo, tô aqui tomando minha Antárctica.  

Entre o terço da Clarinda, o programa do Datena e a missa da TV Aparecida, Seo Joaquim toma bem umas quatro garrafas, sem contar o que bebem os amigos. Quando casei na Igreja, falou entre a terceira e a quarta garrafa, achei bonito aquele lugar, as coisas que o padre falou, todo mundo sabia responder quando o padre rezava e tal. Depois continuei indo, decorei tudinho da missa, todas as falas, dá até para prever o que o padre vai dizer no sermão, é só prestar atenção nas leituras. Tem uma hora bem importante que o padre pede dinheiro para a igreja e no fim da missa a gente sai e só lembra de tudo de novo no outro domingo quando vai lá na igreja outra vez. Agora não vou mais. 

Quando o Zé do bar veio com a quarta garrafa de Antárctica, Joaquim contou a história da santinha, a da capelinha que vai todos os meses na casa deles. É uma imagem de santa, disse. Feita de argila ou cerâmica, não sei, ela é trazida por alguém que tinha ela em casa e quando chega tem lá as rezas que se deve fazer. Tudo bem. Rezar é até bom. Mas da última vez que rezei com Clarinda, aconteceu um fato que daí em diante eu não quis mais rezar para a santinha da capelinha.  

Quem trouxe a capelinha foi dona Quitéria, continuou. O marido dela faz já muitos anos que deixou de ser católico e o filho foi convertido para uma dessas igrejas de crente e acabou que levou a irmã para lá também. Só dona Quitéria que continua firme, uma verdadeira Beata. Mas, foi justo com a santinha que dona Quitéria trouxe que veio o acontecido que me deixou intrigado. Até pensei em virar crente, só que vim pro Bar do Zé. Aqui posso confessar tomando uma Antárctica.  

A capelinha da santa veio normal, teve as rezas e tudo, eu que acendi as velas para a oração. No outro dia rezamos de novo para levar a capelinha da santa para a casa do João, o da oficina. Quando peguei a capelinha, que era eu que ia levar, vi um bilhete bem colado atrás que dizia: “Antes de levar, deve ser lido o texto bíblico contido em Êxodo 20:4 e depois Deuteronômio 5:8 e 9”. 

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