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As latas dos lixo

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Elairton Gehlen – escritor –

Fui levar o lixo da cozinha para a rua e encontrei o seu Zé procurando latas para fazer o extra da renda sobre as diárias de servente de pedreiro. Quanto dá, Seu Zé, de extra por mês? Uns cinco, seis, às vezes até uns dez reais, é que eu recolho as latas só de noite e não é todos os dias, só segunda, quarta e sexta-feira.  

É quase um privilégio levar o lixo da cozinha e encontrar pessoas como o Seu Zé. Outro dia encontrei Seu Davi e as histórias que contam são meio parecidas. Não estudaram nas escolas regulares porque a escola da vida exigiu a presença desde muito cedo para que a família pudesse comer quase todos os dias e ter uma celebração qualquer no final de ano. Tornam-se adultos e então vem outra família, a sua, e a história se repete para os filhos. 

Não tinha latas no lixo neste dia e eu queria a conversa, então ofereci algo que poderia ser especial para ele, perguntei pela família e surgiram dois filhos menores de cinco anos e uma esposa que não podia trabalhar fora por causa dos pequenos. Voltei para dentro de casa e saí com creme de leite e leite condensado, talvez a esposa faça amanhã uma sobremesa especial, mesmo não sendo final de ano. E o que ele me deu vale milhares de vezes mais, uma história, é disso que vive o escritor. Minha consciência está pesada, estou em débito, quando vê-lo outra vez, vou compensar parte da dívida, mas ai!, ele certamente me contará outra história e ficarei devendo outra vez. 

Não sei se é justo fazer comparações, mas lembro do programa Amauri Júnior que exaltava os luxos das festas onde os ricos esbanjavam de um tudo que se podia comprar com dinheiro. Duvido que algum daqueles parasitas sociais fosse capaz de comprar uma história construída nas lixeiras. E eu olho para Seu Zé enquanto ele me fala que veio de Minas com o pai e mais quatro irmãos porque a mãe já tinha vindo com outro há mais tempo e o pai também se casara outra vez e os irmãos eram meio. E essa história me faz mais sentido que toda a riqueza esbanjada em festas privadas de uma elite que não tem ideia do que seja a beleza.  

Seu Zé embarca na bicicleta, eles estão sempre de bicicleta, e fica parado me olhando, abaixa o olhar triste depois me olha e continua sua fala. Foi difícil quando veio a doença, o vírus, não tinha trabalho e a ajuda do governo salvou, deu para comer quase todos os dias, tinha dia que faltava, mas Deus cuida. Seu Zé é crente, sabe que Deus vai cuidar. O problema é saber quem é o deus dos governantes. O mundo jaz no maligno! 

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