Eduardo Martins (*) –
Não se cabe mais num all star (converse) cano alto, o tempo passou, me disse ela. Pensei; passou-se com ele a juventude, a adolescência, não se tem mais 27 anos, tampouco 37, 47, é a fase cinquentenária, isso desautoriza a colocar um all star de cano alto no pé? Ken ia me dizer isso.
Essa idade fez jogar fora o all star alto e com ele a pretensa visão de mundo juvenil e com ela calçou-se o sapatênis. Quiçá um all star de cano baixo ainda é permitido/tolerado pela socialite, sociedade da moda.
É engraçado, não se cabe no padrão. Sendo obrigado a aposentar o tênis all star de cano alto, substituí-lo por um de cano baixo, e assim, ser aceito como gente normal, enquadrado na idade cronológica bem definida pela elite jovem (dona da moda?).
É exatamente assim que se dão alguns ritos de passagem, o velho all star de cano alto te mostrando quem você é e o seu lugar num tipo de sociedade. Organização social de castas cronológicas que depois dos 27 te proíbe ser e estar num all star de cano alto; cafona, brega, velhote metido à jovem, entre outras pilhérias e gracejos desferidos pelos donos da moda, neste caso uma certa juventude, adolescentes. Ou não! No entanto, é um altíssimo preço a pagar e correr sérios riscos de julgamento estético o que pode levar do ridículo ou a não aceitação explícita.
Era para ser só um tênis que calça bem o pé e a pessoa se sentir confortável e legal. Era só um all star de cano alto. No entanto, virou um símbolo de gerações, marcação de tempos, domínios de territórios.
Cabe a um simples tênis essa propriedade tão singular de demarcar épocas da vida de uma pessoa? É possível que sim. E talvez até legal, contudo, neste caso a moda seria, então, essa ditadura estética e inquisitorial geriontifóbica.
Aqui caímos nos guetos reservados pela bela juventude monopolista do poder do riso, sendo esta a sua arma dissimulada, ou escancarada, talvez num pretenso discurso de poder hierarquizante categorizador de lugares pré-estabelecidos; cancelamento?!
Uma espécie de dominação da juventude, dos adolescentes contra os velhos, que se vale de pequenas armas, mas eficaz, para despossuir, deslegitimizar velhos ditadores de regras ridicularizando-os e os colocando em seus devidos lugares; de “véios”.
Na verdade, trata-se de uma espécie de desafronta contra os maus tratos sofridos pelos adolescentes; falta de perspectiva de emprego, não poder dirigir até os 18, nem poder comprar bebidas alcoólicas, tampouco se casar e sempre precisar da tutela dos adultos, ou quase nunca serem ouvidos e raramente serem levados a sério, etc, etc. O que restou? O poder de usar um tênis all star cano alto. Vingança?!
O que eu acho de tudo isso? Do all star de cano alto ser uma propriedade única e exclusivamente do adolescente? Eu quero é mais. Sapatênis nos velhos, ou, pode ser aquelas sandálias franciscana, de couro; bem feito!
Vale a desforra dos adolescentes, ainda que seja representada por um all star de cano alto.
(P.S) acabei ficando com um de cano baixo mesmo, vermelho. Aceito minha derrota.
(*) Eduardo Martins, no dia 11 de março do 523 anos da invasão dos colonialistas portugueses contra os povos originários, suas terras, riquezas materiais e espirituais.