Bosco Martins – escritor e jornalista
Hoje, o silêncio tem som de luto. O coração da música instrumental sul-mato-grossense perdeu uma de suas batidas mais afinadas. Jairo Lara — o nosso eterno Jairo 7 Cordas — partiu. E com ele se foi um pedaço vivo da história sonora de Mato Grosso do Sul.
Eu o chamava de Jairinho, com o carinho de quem o conheceu nos tempos em que eu ainda era repórter da TV Morena e ele encantava os palcos com o Grupo Acaba, levando ao público uma fusão inconfundível de choros, modas, serestas, polcas paraguaias, chamamés e sambas, tudo costurado por sua habilidade rara de transitar entre o violão de seis e de sete cordas. Jairo não tocava — ele contava histórias com os dedos.
Mais tarde, já como diretor da TV e Rádio Educativa, não hesitei em convidá-lo para um programa só seu. O Jairo 7 Cordas — título simples, como ele — ia ao ar no horário do almoço, e era ele quem fazia tudo: gravava, editava, colocava no ar. Era tão bom que, quando ele não podia ir, a gente apenas repetia algum programa anterior, e o público ouvinte se extasiava como se fosse novidade. Era magia. E era dele.
Jairo tinha algo que não se aprende em escola de música: alma. Sua arte era uma extensão de sua humanidade — generosa, refinada, sincera.
Foi o filho dele, Henrique Lara, quem nos deu a notícia da partida. Uma despedida à altura da ternura de um filho: “O que me acalma é que uma vida eu te quis perto e até o final fui o seu filho. Peço a Deus que te receba em um lugar de muita paz e que todo sofrimento não te acompanhe. Obrigado por tantas lembranças e por todas as vezes que nossas almas estiveram juntas. Te amo e te amarei sempre. Vai com Deus, Pai.”
Tive o privilégio de acompanhar uma de suas últimas apresentações, ao lado do parceiro Carlos Alfeu, no espetáculo “Instrumental Polka-Choro”. O duo, ativo culturalmente até os últimos anos, percorreu palcos importantes do Estado, deixando registros em CD, DVD e programas de TV. A música era sua morada — e ele nunca a abandonou.
Jairo era engenheiro agrônomo formado pela UFMS, mas foi no violão que ele fincou raízes mais profundas. Foi o primeiro a introduzir o violão de 7 cordas em nosso Estado. Tinha nos dedos uma extensão da alma — e tocou ao lado de nomes como Gabriel Sater, Marcos Assunção e Gilson Espíndola, como igual entre gigantes.
Com o Grupo Acaba, ajudou a manter viva a nossa cultura por décadas. Em 1999, levou o som de nossa terra a Cuba, em um intercâmbio latino-americano patrocinado pelo governo federal. Suas composições ganharam o Brasil — como em “Fazenda Esperança”, interpretada por Gabriel Sater no programa Globo Rural em 2012.
Hoje, me invade uma tristeza funda, mas também uma gratidão serena. Por ter cruzado seu caminho. Por ter ouvido de perto seus acordes. Por tê-lo chamado de amigo.
Jairo, sua música não termina aqui. Ela ecoa, viva, nos corações de todos que tiveram a sorte de te ouvir — e ainda vai embalar muitas almas por aí.
Descanse em paz, 7 Cordas. Você virou melodia eterna.
