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Acredito que já atravessamos o pior momento em termos de saúde pública’, diz ex-diretor do Ministério da Saúde

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Infectologista Júlio Croda diz que alguns estados e municípios podem já ter alcançado imunidade coletiva, mas frisa que pandemia continua e número de casos e mortes ainda deve crescer

09/08/2020 07h31 – Por: Folha de Dourados

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À custa do sofrimento do país inteiro e de cem mil vidas perdidas, parte do Brasil parece ter alcançado a chamada imunidade coletiva, embora ainda sejam contados em milhões os vulneráveis ao coronavírus. O pior já passou, diz o infectologista Júlio Croda, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e da Escola de Saúde Pública de Yale.

Leia mais: Ciência na pandemia: nunca na História se aprendeu e se produziu tanto em tão pouco tempo

Brasil ultrapassa 100 mil mortos por Covid-19

Em abril, o então secretário-executivo da Saúde, João Gabbardo, chegou a dizer que o Brasil não chegaria a 100 mil mortes. O que deu errado?

Falta de liderança, de gestão. O Ministério da Saúde deixou de cumprir seu papel de gestor, de ajudar os estados em pior situação, de coordenar os esforços.

O que o governo federal deveria ter feito e não fez?

A função do governo é orientar e apoiar os estados, os mais pobres, os que têm mais mortes. Mas o Ministério da Saúde perdeu a capacidade de gestão. O governo federal tem culpa. Mas há gestores estaduais com parcela de responsabilidade.

Como quais?

São Paulo foi melhor que o Rio de Janeiro, e a Bahia melhor do que o Ceará, por exemplo. Os estados que controlaram melhor chegaram a um platô que agora cai gradualmente. São Paulo tem um platô, estados que têm platôs achataram ou estão achatando a curva. Já o Rio, por exemplo, teve um pico e depois despencou. Isso é o esperado quando não há intervenção eficiente. Pico elevado e redução brusca é a história natural da doença.

O que é isso?

É o ciclo normal de uma epidemia. Ela pega todos os vulneráveis que encontra pela frente e encolhe à medida que eles adoecem ou morrem e há menos gente para transmitir o vírus. Os suscetíveis que ficam são os que se protegeram com o distanciamento. Eles agora estão expostos ou vão se expor. E, friso, numa população grande, os suscetíveis são muitos.

Estudos sugerem que a imunidade coletiva contra o coronavírus é menor do que a estimada e alcançada quando cerca de 20% da população é infectada. O que isso significa?

Alguns estados e municípios estão perto do limiar da imunidade coletiva. É o caso da Região Norte, principalmente o Amazonas, do Rio de Janeiro, capital, e de Fortaleza. Isso quer dizer que o vírus já não se propaga com tanta facilidade, mas ainda circula. Há vulneráveis que, sem distanciamento social, vão se expor. E, por isso, ainda morrerá muita gente.

Por quê?

Um percentual de 20% de infectados para chegar à imunidade coletiva numa população grande como a nossa é muita gente, cerca de 40 milhões de pessoas. E imunidade coletiva não quer dizer que todo mundo está protegido, e sim que a transmissão não ocorre com tanta intensidade, não há explosão de casos nem colapso do sistema de saúde.

Como chegamos à imunidade coletiva em alguns locais?

Ao custo de uma tragédia, de 100 mil pessoas mortas. Em nenhum momento, imunidade coletiva deveria ser estratégia de qualquer governo. É a constatação científica de uma desgraça. Veja o Amazonas. Ele teve um excesso de mortes de 500%, muitos morreram sem atendimento. O sistema de saúde colapsou, foi o caos. Em junho, quando a economia reabriu, continuou a haver casos, mas o vírus já tinha infectado e matado tanta gente que a propagação caiu. A taxa de soroprevalência (exposição ao vírus) em Manaus é de 14,8%. Sinal de que o limiar de imunidade coletiva parece ser mesmo menor. Na cidade do Rio aconteceu algo semelhante.

O que aconteceu?

No auge da pandemia na cidade, o excesso de mortes chegou a 100%. Alguns estudos mostram que a soroprevalência no município está entre 15% e 20%, chegando a 28% em certas comunidades. A taxa de mortalidade no Amazonas chegou a 30 óbitos por 100 mil habitantes; no Rio, a 18 por 100 mil. Isso é elevadíssimo. E a diferença é em função do acesso ao atendimento, o Rio tem mais leitos de UTI.

O pior já passou?

Acredito que já atravessamos o pior momento em termos de saúde pública. No Rio de Janeiro, por exemplo, não deve haver uma segunda onda maior do que a primeira na capital. Mas a pandemia não acabou de forma alguma. O número de casos vai aumentar, isso é esperado. Porém, não teremos o caos. Exceções podem ser municípios do interior.

Como está a situação no país?

A epidemia cresce no Sul e deve continuar nesse ritmo até o fim do mês; permanece estável no Centro-Oeste e cai em parte do Sudeste (Minas Gerais é a exceção, onde sobe), Norte e Nordeste.

Chegamos à tragédia dos 100 mil mortos. Se a chamada imunidade coletiva é de cerca de 20% da população, o que podemos esperar?

O pior passou, mas a tragédia não. Se levarmos em conta que a letalidade real da Covid-19 é de 0,5%, teríamos 200 mil mortos no Brasil. Como a doença avança depressa no Sul, até o fim de agosto poderemos ver mais cerca de 20 mil a 30 mil pessoas morrerem. Em setembro, com o fim da estação de vírus respiratórios, a pandemia deve reduzir.

E como iluminar o túnel?

Distanciamento social, higiene e máscara podem reduzir o número, e termos 150 mil e não 200 mil mortos. Não podemos naturalizar mortes e sofrimento.

O que será nosso normal nos próximos meses?

Uma vida com máscara, hábitos de higiene e distanciamento social. Podem haver surtos em cidades em áreas não afetadas antes. Por isso, podemos esperar por aberturas e fechamentos localizados, e é fundamental que governos testem todos. O trabalho cirúrgico será decisivo para nos dar mais tranquilidade.

Que trabalho é esse?

Teste de PCR para saber quem está infectado. Pegar os infectados e isolá-los, rastrear contatos para identificar possíveis infectados, e isolá-los também. É isso que poderá conter a transmissão e proteger os vulneráveis.

E os testes de sorologia, de anticorpos?

Sorologia é ver o passado, importante para ver o cenário e a tendência da pandemia, para orientar políticas públicas. O projeto Epicovid, da Universidade Federal de Pelotas, o maior do Brasil e que o Ministério da Saúde parou de financiar, é fundamental nesse sentido.

Então podemos evitar uma segunda onda?

Sim, a imunidade coletiva somada ao distanciamento e à testagem pode evitar internações e mortes.

Mas segurança só mesmo com a vacina?

Sim. E não só para os vulneráveis não expostos. Temos que lembrar que não se sabe muito bem quanto dura a imunidade ao coronavírus.

Por que a pandemia afeta tanto as Américas?

A pandemia afeta as Américas mais que qualquer outra parte do mundo. EUA, Brasil e México concentram a maioria dos casos. Eles têm em comum presidentes que não lideraram esforços para conter o coronavírus. Preferiram um caminho negacionista, contra o distanciamento. Hoje, somos o epicentro da pandemia. Cerca de 50% dos óbitos estão na América Latina. Países como Brasil, México, Peru e Chile têm economias fragilizadas, falta de liderança nacional e sociedades que não aderiram ao esforço coletivo de manter o distanciamento social. (O Globo)

Infectologista Júlio Croda

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