fbpx

Desde 1968 - Ano 56

7.6 C
Dourados

Desde 1968 - Ano 57

InícioColunistaA Saga do acessório dourado (e inconveniente)

A Saga do acessório dourado (e inconveniente)

Reinaldo de Mattos Corrêa*

O Capitão, como gostava de ser chamado – embora sua única batalha naval fosse contra a torneira pingando na cozinha – estava passando por uma fase… acessoriada. Não era um relógio de ouro ostentação, nem um novo pingente com o mapa do Brasil em diamantes (que, diga-se, estava um pouco fora do orçamento ultimamente). Era algo mais discreto, elegante mesmo, preso no tornozelo. Um bracelete tecnológico, segundo seus apoiadores mais criativos. “É a última moda em segurança eletrônica!”, apregoava um deles, tentando vender a ideia como se fosse um smartwatch de luxo.

O próprio Capitão, é claro, tinha seu próprio spin para o apetrecho. Em seu primeiro comício pós-instalação, subiu ao palco com aquele passo característico, meio bamboleante, como se estivesse desafiando um chão inclinado. O olhar era de águia ferida (ou galinha assustada, dependendo do ângulo). Levantou a perna da calça, estrategicamente, revelando o tal objeto prateado.

“Olhem só, meus queridos patriotas!”, bradou, apontando para o tornozelo como se exibisse uma medalha de honra ao mérito. “Os inimigos da liberdade, da família e do churrasco de domingo pensaram que me calariam com esse sinalizador de patriotismo! Mas vejam bem: é prova da minha inocência! Só colocam isso em quem é perseguido político! E olha que chique, hein? Tem até luzinha que pisca! Parece enfeite de árvore de Natal! Viva a tecnologia brasileira!”

A plateia, um misto de perplexidade e devoção inabalável, aplaudiu. Alguns mais entusiasmados tentaram imitar o passo, resultando numa coreografia que lembrava uma tropa de recrutas após uma noite de cachaça. O Capitão, animado com a reação, tentou uma pequena dança. Foi quando a coisa ficou cômica. Cada pulinho, cada gingado mais ousado, era seguido por um olhar rápido e preocupado para baixo, como se temesse que o acessório resolvesse dar um passeio autônomo. Parecia um galo tentando sapatear sobre ovos de porcelana.

Nos dias seguintes, o “bracelete da liberdade” virou personagem constante. Em entrevistas, ele tentava cruzar as pernas com aquele ar de estadista, mas o tornozelo monitorado teimava em aparecer na câmera, brilhando sob os holofotes mais do que seus olhos quando falava em “esquerdopatas”. Era uma disputa silenciosa: o microfone versus a tornozeleira. A tornozeleira, aliás, sempre ganhava em visibilidade.

Os memes, claro, foram implacáveis. Alguns diziam que era o novo “passo de ouro” da moda. Outros, que ele finalmente tinha um GPS para não se perder nos próprios raciocínios (que, convenhamos, às vezes faziam rotatórias inexplicáveis). Um apoiador mais exaltado tentou lançar uma linha de “tornozeleiras estilizadas do capitão”. A coleção “Liberdade Vigiada” não decolou, surpreendentemente.

O ápice da saga do acessório dourado (e inconvenientemente preso ao tornozelo) foi durante uma live histórica. Enquanto discorria sobre “verdades absolutas” e “inimigos invisíveis”, a pequena luz do dispositivo começou a piscar com uma intensidade alarmante, emitindo um leve bip que o microfone captou. O Capitão parou no meio de uma frase sobre “transparência”, olhou para baixo com desdém, deu dois tapinhas no aparelho como se estivesse consertando uma TV antiga, e retomou o discurso:

“É só o Wi-Fi grátis que vem com o aparelho, patriotas! Conectando o Brasil real com o Brasil ideal! Bandido bom é tornozeleira reluzente, não é mesmo?!”

A live continuou, mas a expressão no seu rosto era a de um homem que acabara de perceber que, talvez, aquele acessório chique fosse menos um sinal de perseguição gloriosa e mais um… lembrete incômodo. Muito incômodo. E a luzinha, teimosa, seguia piscando, como um pequeno farol irônico iluminando a contradição ambulante que ele havia se tornado. Afinal, era uma lição antiga, mas que alguns só aprendem quando o objeto vai parar no próprio pé: o chicote do caçador, um dia, pode muito bem virar coleira.

*Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.

- Publicidade -

ENQUETE

MAIS LIDAS