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‘A Jacuzada na Cidade’, por Carlos Magno Mieres Amarilha

Carlos Magno Mieres Amarilha (*) –

Meus caros leitores, preparem-se para a “Crônica do Dia”! Certa vez, em uma das minhas incursões por documentos antigos, lá no Museu da CAND (Colônia Agrícola Nacional de Dourados), no Distrito de Indápolis (que não época do episódio chamava-se Serraria, havia uma sede da CAND, nas pesquisas que fiz, me deparei com um documento empoeirado, escrito na mão, uma verdadeira pérola, assinado pelo jornalista carioca Cássio Lima, que narrava um experimento sobre a semente da erva mate de 1949. E que fato!

A Colônia Agrícola Nacional de Dourados, instalada em 1943, nas antigas terras da Empresa Matte Laranjeiras, era um caldeirão de projetos e experimentos agrícolas. Entre os pesquisadores, um se destacava: o Professor Alcides Vila Boas, da USP. Ele já estava por lá desde o ano de 1944 e era uma figuraça na pequena Dourados, que na época contava com uns cinco mil habitantes.

Prof. Alcides, como era conhecida na vila de Dourados, a sede da CAND, ele era o tipo de pessoa que participava de tudo: quermesses, leilões, bailes, churrascos, casamentos… Enfim, um cidadão ativo e muito querido pela comunidade.

Pois bem, um belo dia, o professor Alcides foi ao Correio. Tinha uma pesquisa importante sobre a semente da erva-mate e precisava de uns “jacus” para completá-la. Para quem não conhece, o jacu é um pássaro do tamanho de um galo, grandão, e quando voa, fica meio desengonçado, parece que vai cair a qualquer momento.

Mas o que ele tem de desengonçado, tem de apaixonado pela semente da erva-mate, que nasce nas folhas. Eles adoram! E quando estão felizes ou namorando, dão uns gritos que parecem um “pipoooooooooo” bem alto. É um som característico, especialmente ao meio-dia, depois de se empanturrarem com as sementes e irem tirar aquele cochilo. E é daí que vem o costume local: quando a gente está alegre, em casamento, aniversário dos filhos, ou qualquer festa, solta um “pipoooooooooooo”! E o cochilo depois do almoço? Ah, esse é tradição em Dourados, e dizem que veio dos jacus da cidade! Por ficarem admirando esses pássaros encantadores de espalharem alegrias e companheirismos. Por isso, a cidade comemora as festas de meio de ano, o Dia do Jacu, em homenagem as Jacuzadas em Dourados.

Voltando ao documento histórico, narrado pelo jornalista:

No Correio, Alcides fez um pedido de um telegrama para o Sr. Fábio Santos, responsável pela CAND em Itahum, um distrito que abrigava a Estação de Trem da NOB. O pedido era simples e direto: “Por gentileza, providenciar, um ou dois Jacus, levar para a sede em Indápolis”.

O tempo passou, mais de oito meses, e o professor Alcides já tinha até esquecido do tal pedido. De repente, um novo telegrama chega à sede da CAND na Serraria (Indápolis), escrito: “A logística, as gaiolas, a alimentação e a água para os jacus haviam sido entregues”. Alcides não entendeu nada. Jacus? Gaiolas? Que história é essa? Se perguntou. Não teve escolha, deixou seus experimentos com o encarregado João Vilhalva. Pegou o Jeep da administração e rumou nas estradas empoeiradas para a sede da CAND em Dourados.

Chegando lá, a cena era inacreditável. Havia mais de mil carroças, daquelas enormes, chamadas de “ALÇA PRIMA”, e cada uma delas estava abarrotada de gaiolas. Dentro das gaiolas? Jacus! Muitos jacus! Mais de trinta mil deles! Era Jacu que não acabava mais.

A população da vila, em uma espécie de passarela improvisada, se aglomerava, boquiaberta, tentando entender o que estava acontecendo. Afinal, Dourados recebia gente diferente todos os dias, e cada um trazia seus costumes, culturas diferentes, segundo Capilé, tipo: “cada louco com a sua mania”. Naquele tempo, não havia televisão, então era muito comum as “histórias contadas” pelas famílias antes de dormir, eram o entretenimento das crianças, principalmente sobre as estórias do Penka, Saci Pererê, Laquicho, Cobra Voadora, entre outros mitos contados pelos avós e pais; e, que de geração em geração as “contações” tinham um papel social importante na cultura local. Ou seja, a população local, já conheciam inúmeras estórias “cabeludas”, e a Jacuzada ali, em maior números, os moradores queriam saber o desfecho dessa história concreta.

O Prof. Alcides, ao chegar, estacionou o Jeep próximo da multidão. E aquele burburinho entre as pessoas, “Meu Deus, o que é isso, Maria?”, perguntou Seu Joaquim, com os olhos arregalados.

Dona Maria, abanando-se com a mão, respondeu: “Sei lá, Joaquim! Parece que o circo chegou, mas só tem Jacu, nenhum bicho esquisito!”

Foi então que Ramires Rodrigues, o responsável pela Sede de Dourados, se aproximou do professor Alcides, com um papel para ele assinar. “Está aqui sua encomenda, professor”, disse Ramires. Alcides pegou o papel e leu. E logo percebeu que o telegrafista havia cometido um erro monumental: “um” se transformou em “trinta mil”!

“Trinta mil jacus?! Isso é um exército, não uma encomenda!”, exclamou o professor, quase caindo para trás.

O que fazer com 30 mil jacus? Como alimentar aquela multidão de aves? Rapidamente o Dr. Aguirre, administrador geral da CAND, convocou uma reunião e convocou, o prefeito, vereadores, o general Pedro Bolsan, o presidente da ACED, representado pelo comerciante Hayel Bon Faker, os fazendeiros, do Sindicato Rural, Toshinobu Katayama e toda diretora da CAND. Depois de longas e acaloradas discussões entre o delegado, o padre, o advogado, o engenheiro, o jornalista (o próprio Cássio Lima), e o professor pesquisador, a conclusão foi inevitável: soltar os bichos das gaiolas. A população lá fora, em suspense, aguardava o desfecho da “Jacuzada”.

“Será que eles vão atacar a gente?”, sussurrou uma criança para a mãe.

“Que nada, meu filho! Jacu é bicho tranquilo, só quer saber de semente de erva-mate, namorar e dormir no meio dia, pode ser o barulho que for, tira o cochilo”, respondeu a mãe, rindo.

Quando as gaiolas foram abertas, foi um verdadeiro Deus nos acuda! Jacu para todo lado! Era jacu no telhado, jacu na calçada, jacu na janela, nas cercas, no poste do telégrafo. Onde se andava, só se via jacu, aqui, ali, acolá. A praça foi tomada da Jacuzada toda, as lanchonetes só tinham jacus em todos os assentos, o cinema, as igrejas, as escolas… todos os lugares foram invadidos pelas aves.

“Olha lá, o jacu do Seu Zé está comendo chipa quentinha da padaria!” gritou um menino, apontando. O Jacus dos padres, mandam e desmandam no quintal, agora é dos Jacus, disse Dona Eulália Pires, sorrindo para o Padre Avelino da Cruz.

“Eles estão fazendo o ‘pipoooooooooo’ de felicidade! Acho que gostaram da cidade!”, comentou uma senhora, sorrindo.

Os vereadores, em reunião extraordinária, junto com o Prefeito chegaram a conclusão, tiveram que decretar feriado, pois não havia como ter aulas ou qualquer outra atividade normal. Os jacus simplesmente dominaram a cidade. E como era feriado, resolveram fazer a festa na praça. Com várias barracas de comes e bebes, apresentação com danças de quadrilhas, de Katira, corrida de cavalos de dia, foram uma semana de festa na praça. A cidade toda recebeu os Jacus com carinho e respeito.

Contam os moradores, com um certo exagero, que o jacu é um bicho desengonçado, anda meio esquisito, bem “Jacu” mesmo. E, claro, você conhece um jacu de longe: sempre fora de moda.

Mas, apesar de tudo, eles trouxeram um novo ritmo para Dourados, com seus gritos de alegria e seus cochilos sagrados do meio-dia.

E foi assim que ficou conhecido o “Dia do Jacu” em Dourados, no dia 24 de junho, a Festa da Jacuzada ou a Festa dos Caipiras. Uma história que, de tão inusitada, merecia ser contada e recontada, e que até hoje faz a gente soltar um ‘pipoooooooooooo’ de tanto rir.

Por Nossa Senhora da Jacuzada! O padre acendeu a vela e agradeceu a esse pássaro que cultiva a erva mate, dando tanta alegria, união, amizade, celebração, momentos únicos entre as pessoas, representado com o tereré, chimarrão, chá e remédios.

A tradição permanece também na música, com o sagrado grito: “pipooooooooooooooooooooooooo”, no chamamé, na polca, na alegria do ser humano, que dá aquele tchan na festa. Com gritos e alegrias que a Jacuzada deixou enraizada a tradição em toda área de fronteira que se espalhou pelo mundo afora, digo, na região do Pantanal, do Chaco, dos correntinos e dos sul-mato-grossenses, espalhando alegria e felicidade, a marca do Jacu. Ficou. “Não grita meu amigo, e ah! – como que não foi gritar, se sou feliz: – Pipoooooooooooo”.

Assim, a Jacuzada se estabeleceu além das fronteiras.

(*) IN: A CRÔNICA DO DIA. Quem conta conto ganha conto. Literatura Pura! Prelo, 2025.

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