José Milton Rocha (*) –
Com mais de meio século de existência, o Jornal Nacional (JN) exibido antes da novela das oito da noite na Globo, desde setembro de 1969, sofre sua mais profunda transformação. A partir desta segunda, 3, será apresentado pelo jornalista Cesar Tralli e editado pela jornalista Cristiana Souza Cruz. A passagem de cargo aconteceu na sexta passada, ao fim das notícias factuais, com o jornalista sendo chamado por Bonner para a bancada. Tralli sentou na cadeira de frente para William Bonner e Renata Vasconcelos que continua como coadjuvante de Tralli, e foi lembrado que naquela cadeira normalmente sentam autoridades quando entrevistadas ao vivo no jornal, principalmente, candidatos majoritários em época de eleições.
A Globo transformou o episódio num verdadeiro Happening, destinando o último bloco do jornal para momentos de amenidades que emocionaram não só o público, mas principalmente os próprios apresentadores e toda a redação que assistia in loco. Bonner lembrou suas quase três décadas de bancada, quando chegou aos 23 anos, lembrando de um diálogo que teve com Cid Moreira, nos dias iniciais de JN. Além de imitar voz de criança, o apresentador que vai apresentar junto com Sandra Annemberg o Globo Reporter a partir de fevereiro do ano que vem, imitou com perfeição Cid Moreira e seu vozeirão arrancando risos de todos. Lembrou do nervosismo que tomou conta dele ao estrear na bancada e que para descontrair fez uma brincadeira perguntando ao Cid quando ele deixara de ficar nervoso, ao que o então veterano apresentador respondeu que nunca deixou de ficar nervoso, mas que naquele momento estava menos que Bonner.
Claro que a troca de comando na bancada do JN foi também uma jogada de marketing da Globo para ganhar audiência e a resposta parece ter sido bastante positiva. Segundo informações do Kantar Ibope na Grande São Paulo, principal mercado de televisão no Brasil, o JN teria alcançado média de 23 pontos com picos de 24. Cada ponto equivale a 199 mil telespectadores na capital paulista. Esses números equivalem à audiência do final da novela “Garota do Momento” (2024), no horário das seis de muito sucesso na emissora, em seu último capítulo, a trama alcançou 22 pontos.
Antes da troca de posto do JN, o próprio Tralli que apresentava o Jornal Hoje passou o cargo para o jornalista Roberto Kovalick, fazendo os números da audiência subir de patamar. Percebendo isso, a Globo produziu uma troca de comando do JN mais elaborada que rendeu cerca de R$ 10 milhões em propaganda, segundo noticiou a Folha. Quatro anunciantes – Amstel, McDonalds, Nubank e Pilão – ratearam o patrocínio da Edição do JN, e cada um comprou a cota de cerca de R$ 2,5 milhões, sem descontos dados em situações como esta, por causa da eventualidade.
A chegada de Cesar Tralli à bancada do principal jornal do país marca como disse no início do texto, a maior transformação no noticiário. A primeira delas, o fim da voz empostada e grave que parecia marca registrada dos apresentadores anteriores Sergio Chapelin, Cid Moreira e o próprio Bonner, citando apenas os mais recentes e mais marcantes também. A apresentação mais ágil é uma forma de um produto de televisão aberta se contrapor a audiência fragmentada a partir da explosão das redes digitais e produção de conteúdos de internet, além de outros dispositivos eletrônicos possibilitados com a intensificação de produtos de internet.
Assim, a notícia ganha uma nova roupagem, porque Tralli tem seu modelo próprio de se comunicar com o público. Ele traz para o JN, por exemplo, vivência e experiência acumuladas em sua rica trajetória no jornalismo de rua, e em coberturas nacionais internacionais como correspondente em vários continentes, que proporcionaram contato direto com a notícia, no momento da sua ocorrência. É o primeiro apresentador com todos estes predicados, que ocupa a famosa, além disso, Tralli por ter o faro da apuração desenvolveu relações com muitas fontes no Brasil, o que lhe dá muita visão e percepção dos bastidores dos acontecimentos.
Talvez por acumular todos esses predicados, Tralli tenha sido escolhido pela emissora para conduzir seu principal e mais valorado produto noticioso. O jornalista venceu a concorrência de vários colegas de profissão entre eles, Rodrigo Boccardi (demitido em janeiro deste ano), Dony De Nuccio (se demitiu em 2019) e Evaristo Costa (desligamento voluntário em 2017). Lembrando que o processo de escolha começou há cinco anos, quando Bonner começou a negociar com a emissora sua saída da bancada do JN para se dedicar à família e projetos pessoais.
Tralli descende de família simples, de origem italiana. O pai trabalhava em empresa na área de informática e a mãe era professora primária. Estudou em escolas públicas e, aos sete anos, foi matriculado na Cultura Inglesa. O curso lhe rendeu bolsa de estudos em Londres. O interesse pela palavra escrita começou ainda na infância. Aos 12 anos, escrevia e enviava cartas para grandes jornais. Algumas chegaram a ser publicadas na seção de leitores. Formou-se em jornalismo pela Faculdade de Comunicação Cásper Líbero e fez mestrado em ciências sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Antes de chegar à Globo em 1993, trabalhou em jornal e nas televisões Record e SBT, onde participou do programa popular Aqui e Agora.
(*) Jornalista, mestre em Comunicação, doutor em história, atualmente, aluno especial do PPGCOM-UFMS, pesquisa a mídia de Dourados-MS e suas transformações.

