Juliel Batista –
O juiz federal da 2ª Vara Federal de Dourados decidiu anular uma medida liminar proferida durante o plantão judicial que determinava a adoção de providências urgentes em uma ação de reintegração e manutenção de posse.
O magistrado fundamentou a decisão ao afirmar que já havia se declarado incompetente para julgar o caso, por existir conflito de competência entre varas federais da cidade. O impasse será analisado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), responsável por definir qual juízo deve conduzir o processo principal, que possui conexão com uma Ação Civil Pública já em andamento na 1ª Vara Federal de Dourados.
Segundo o juiz, enquanto o conflito não for decidido, todas as medidas urgentes devem ser analisadas pelo relator do caso no TRF-3, conforme prevê o artigo 955 do Código de Processo Civil.
“Qualquer medida liminar ou acautelatória deve ser dirigida ao relator do conflito no TRF-3, e não a este juízo, que já exauriu sua jurisdição ao suscitar o incidente”, afirmou o magistrado.
Dessa forma, o juiz tornou sem efeito a decisão emitida durante o plantão e determinou que a decisão fosse comunicada ao tribunal para ciência do relator. A medida busca evitar decisões conflitantes e garantir a segurança jurídica enquanto o TRF-3 não define a vara competente.
Governo estadual e federal monitoram conflito entre indígenas e fazendeiros em Caarapó
O processo judicial ocorre em meio a um conflito que já dura mais de um mês entre indígenas Guarani-Kaiowá e fazendeiros na região de Caarapó, no sul de Mato Grosso do Sul. O caso ganhou repercussão nacional após um incêndio destruir maquinários e parte da sede de uma fazenda, no último sábado (25).
O governador Eduardo Riedel (PP) afirmou nesta segunda-feira (27) que pediu urgência nas investigações sobre o incêndio, ocorrido após cerca de 30 indígenas ocuparem a área.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o fogo teria sido provocado por pessoas ligadas à fazenda, e não pelos indígenas. A entidade informou ainda que o grupo deixou o local no domingo (26) e se recolheu à Terra Indígena Guyraroká, onde aguarda uma comitiva interministerial com representantes dos ministérios dos Povos Indígenas, Direitos Humanos, Orçamento e Planejamento, Funai, Incra e Ministério Público Federal.
A visita da comitiva à região estava prevista para ocorrer ainda na segunda-feira.
Durante agenda em Mato Grosso do Sul, a ministra Simone Tebet (Orçamento e Planejamento) também defendeu investigação rigorosa sobre o episódio.
Disputa por território e denúncias ambientais
O local em questão é considerado área de retomada pelos Guarani-Kaiowá e está em processo de demarcação, parado desde 2016 no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), recomendou ao governo brasileiro medidas de proteção à comunidade Guyraroká, reconhecendo que a área pertence tradicionalmente aos indígenas — um reconhecimento que o Estado brasileiro já havia feito em 2009.
Além da disputa territorial, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) abriu investigação para apurar denúncias de uso irregular de agrotóxicos na área ocupada, supostamente aplicados por funcionários da fazenda.
O MPMS informou que enviou ofícios à Polícia Militar Ambiental, Iagro, Imasul e à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) para verificar as condições ambientais do local.
Clima de tensão e pedidos de proteção
Representantes do Cimi afirmam que a ocupação foi uma ação de segurança dos Guarani-Kaiowá, motivada por ameaças e ataques sofridos por indígenas.
“Categorizamos a ocupação como uma ação de segurança dos Guarani-Kaiowá, que seguem sofrendo ataques pelo Estado e pela fazenda. É uma medida de precaução para proteger a própria vida”, declarou Matias Rempel, representante do conselho.
Há cerca de uma semana, dez indígenas foram feridos com balas de borracha durante confronto em outra área ocupada em Caarapó. Entre os feridos está Valdelice Veron, uma das lideranças mais conhecidas da etnia no estado.
Em nota, o Cimi afirma que desde o início das retomadas as famílias indígenas vêm sendo alvo de ações violentas, sem mandado judicial ou ordem de reintegração de posse.
“Os indígenas pedem proteção às suas vidas e que o Estado garanta a demarcação do território. Hoje, os Kaiowá vivem em apenas 50 hectares dos mais de 11,4 mil declarados, enquanto o restante segue degradado pelo uso irregular da terra”, destacou a entidade.
Contexto
O caso reforça o clima de tensão fundiária que há décadas marca a região sul de Mato Grosso do Sul, onde territórios tradicionais Guarani-Kaiowá disputam espaço com propriedades rurais consolidadas. A decisão judicial, ao tratar de competência e medidas urgentes, está diretamente ligada a esse cenário de conflito, que mobiliza órgãos federais e estaduais em busca de uma solução pacífica e definitiva.

