Os Guarani e Kaiowá voltaram a retomar, na manhã desta quarta-feira (24), a Fazenda Ipuitã, localizada na Terra Indígena (TI) Guyraroká, em Caarapó (MS). Eles foram recebidos a tiros por jagunços que estavam acampados no local. Dois indígenas foram sequestrados e levados para a sede da fazenda.
Ao tomarem conhecimento do sequestro, outros membros da comunidade dirigiram-se à sede para exigir a libertação, o que ocorreu após conflito. Dois pistoleiros fugiram para a mata, e um terceiro permaneceu no local. Conforme os indígenas, os capangas também atearam fogo na mata para incriminá-los.
Diante dos acontecimentos, os Guarani e Kaiowá decidiram permanecer na área retomada. A TI Guyraroká é declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de ocupação tradicional e aguarda a conclusão do processo de homologação.
A retomada desta quarta-feira dá sequência a um conflito iniciado no último domingo (21), quando os indígenas ocuparam a fazenda para impedir a pulverização de agrotóxicos próximos à sua aldeia. Na segunda-feira (22), a Tropa de Choque realizou o despejo ilegal do grupo, uma vez que não havia mandado judicial.
Após deixarem o local, a comunidade estabeleceu um prazo de 48 horas para uma resposta positiva sobre a interrupção da pulverização
Com o prazo expirado nesta quarta-feira e sem a resposta desejada – mesmo com a presença de representantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e da Funai na aldeia –, um grupo decidiu retornar à fazenda. Lá, encontraram os homens armados que haviam montado um acampamento para impedir nova ocupação.
Em nota pública, o MPI informou que solicitou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública o aumento do efetivo da Força Nacional de Segurança na região.
Denúncias na ONU
Albert K. Barume, relator Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, recebeu um informe nesta quarta-feira (24) sobre a escalada da violência contra os Guarani e Kaiowá da TI Guyraroká. Barume se reuniu com lideranças indígenas e integrantes do Cimi em uma conversa na sede da ONU, em Genebra, onde ocorre a 60a Sessão do Conselho de Direitos Humanos.
O relator se mostrou preocupado com a situação e analisa possibilidades de como sua relatoria pode reagir às flagrantes violações de direitos humanos.
Por outro lado, durante o Diálogo Interativo na 60a Sessão do Conselho de Direitos Humanos, Bruno Marcos, integrante do Cimi, se pronunciou denunciando as violações de direitos humanos sofridas pelos Guarani e Kaiowá na TI Guyraroká.
Comunidade Guarani e Kaiowá retoma fazenda sobreposta à TI Guyraroka, no domingo (21). Foto: Comunidade de Guyraroka
Comunicado à CIDH
A comunidade de Guyraroká e organizações aliadas enviaram apelo urgente à secretária Executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Os indígenas pedem que a Comissão acelere os processos judiciais que envolvam a demarcação da TI Guyraroká: única medida capaz de solucionar definitivamente o conflito e garantir a sobrevivência física e cultural da comunidade.
“Em continuidade à nossa comunicação de 21 de agosto de 2025, os peticionários vêm, com urgência, informar a esta Ilustre Comissão sobre a grave escalada de violência, repressão e criminalização contra a comunidade Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Guyraroká, de Caarapó, Mato Grosso do Sul”, diz trecho do documento.
O apelo é uma atualização sobre a situação de violência e violações de direitos na Terra Indígena Guyraroká presentes na Medida Cautelar (MC 458-19), concedida pela CIDH em 29 de setembro de 2019. A medida tem como objeto a TI Guyraroká e visa garantir os direitos à vida e à integridade pessoal dos indígenas.
A atualização informa que a comunidade segue confinada a uma área diminuta de seu território, cercada pelo agronegócio e sofrendo com a contaminação de suas terras e águas
Conforme a atualização, “nos últimos dias, a comunidade foi forçada a tomar uma atitude drástica para proteger sua própria sobrevivência, resultando em uma nova onda de repressão estatal e na disseminação de informações falsas com o objetivo de deslegitimar sua luta”. O documento discorre sobre os fatos desdobrados desde domingo ressaltando os objetivos da retomada.
“Os eventos recentes demonstram, de forma inequívoca, a total falha do Estado brasileiro em cumprir suas obrigações de proteger a vida, a integridade e o território da comunidade de Guyraroká. A ausência da Funai durante o ataque, a ação violenta da polícia e a falta de fiscalização sobre o uso de agrotóxicos evidenciam que o Estado não apenas é omisso, mas atua ativamente para perpetuar as violações de direitos”, aponta outro trecho.
A atualização informa que a comunidade segue confinada a uma área diminuta de seu território, cercada pelo agronegócio e sofrendo com a contaminação de suas terras e águas. “A situação de insegurança alimentar, já grave, tende a se agravar com a perda das plantações e a impossibilidade de cultivar em um ambiente envenenado”, conclui. (Com Assessoria do Cimi)