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Licitação: O ‘pesadelo’ do gestor ou garantia do cidadão?

Por Marcos Granzotti (*) –

Prezado(a) leitor(a),

A administração pública brasileira é frequentemente palco de um debate tenso entre a urgência por resultados e a rigidez dos controles legais. Recentemente, o Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, adicionou uma voz contundente a essa discussão, expondo uma frustração comum a muitos gestores. Sua fala encapsula o dilema:

“O pior do Estado é a tal da licitação. As estradas em Minas Gerais que estamos recuperando, pontes que estamos construindo, tudo atrasa porque toda hora tem questionamento judicial”, afirmou. Zema disse que, mesmo quando conhece empresas consideradas confiáveis, não pode escolhê-las diretamente. Definiu a obrigatoriedade como “o pesadelo do gestor público”. “Se eu for contratar aquela empresa que é confiável, que eu conheço, eles vão falar que eu estou direcionando para ela. Então, esse é o pesadelo do gestor público”, declarou.

Essa declaração, embora reflita um anseio por eficiência, merece uma análise aprofundada sob a ótica do Direito Administrativo, pois toca no cerne dos princípios que regem o Estado Democrático de Direito.

A Licitação como Instrumento Constitucional

O “pesadelo” descrito pelo governador não é uma criação arbitrária da burocracia, mas uma exigência direta do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal. A licitação é o procedimento que materializa princípios fundamentais da Administração Pública, como a impessoalidade, a moralidade, a isonomia e a busca pela proposta mais vantajosa.

Ao afirmar que não pode contratar uma empresa “confiável” que “conhece”, o governador descreve, precisamente, a barreira que o princípio da impessoalidade busca criar. O gestor público não atua em nome próprio, mas como um agente do Estado. Suas preferências, conhecimentos pessoais ou relações de confiança não podem ser o critério para a alocação de bilhões em recursos públicos. A escolha deve ser objetiva, baseada em critérios previamente definidos em edital e acessíveis a todos os interessados em igualdade de condições.

O Direcionamento e a Violação da Moralidade

A preocupação de ser acusado de “direcionar” a contratação caso escolhesse uma empresa de sua confiança pessoal é absolutamente legítima. O direcionamento de licitação é uma das mais graves infrações no âmbito do Direito Administrativo, configurando ato de improbidade e, potencialmente, crime previsto na Lei de Licitações (Lei 14.133/2021).

O processo licitatório existe exatamente para impedir que a confiança pessoal do gestor se sobreponha ao interesse coletivo. Ele garante que a competição seja justa e que o contrato seja firmado com quem apresentar a melhor proposta para a Administração, e não com o mais “confiável” aos olhos de uma única pessoa.

A Judicialização: Obstáculo ou Mecanismo de Controle?

A crítica de que “tudo atrasa porque toda hora tem questionamento judicial” também precisa ser contextualizada. A judicialização é, de fato, um desafio para a celeridade dos projetos. Contudo, o acesso ao Judiciário é uma garantia constitucional (o princípio da inafastabilidade da jurisdição).

No contexto das licitações, o questionamento judicial funciona como um vital mecanismo de controle externo. Ele permite que um licitante que se sinta prejudicado por uma ilegalidade no processo possa buscar a correção do ato. Embora possa ser usado de má-fé para fins protelatórios, sua existência é uma salvaguarda essencial contra abusos, fraudes e erros da própria Administração. Eliminar ou dificultar essa via seria abrir mão de uma ferramenta crucial de fiscalização.

Conclusão: Eficiência Dentro da Legalidade

A fala do Governador Zema ecoa uma frustração real com a complexidade da máquina pública. No entanto, a solução não reside em abandonar os instrumentos de controle, mas em aprimorá-los. A nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) buscou modernizar os procedimentos, introduzindo modalidades mais flexíveis e focando em planejamento e governança para reduzir litígios.

O verdadeiro desafio do gestor público moderno não é encontrar formas de contornar o “pesadelo” da licitação, mas sim dominar suas regras para conduzir processos eficientes, transparentes e, acima de tudo, legais. A licitação não é o inimigo da eficiência; ela é a principal aliada da sociedade na defesa do patrimônio público contra o arbítrio e o desvio de finalidade.

(*) MARCOS ANTONIO GRANZOTTI BILLY – Advogado Criminalista. Graduado em Direito pela UNIGRAN – Centro Universitário da Grande Dourados. Especialização em Direito Penal e Processo Penal pela Escola de Direito da Associação Sul-Mato-Grossense dos Membros do Ministério Público (EDAMP). Ex-Seminarista Diocesano do Seminário Sagrado Coração de Jesus.

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