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Teologia do domínio é incompatível com o pentecostalismo autêntico e o futuro Brasileiro

Reinaldo de Mattos Corrêa*

Introdução: Sombra Colonial Sobre a Fé

Recentemente, três artigos jornalísticos publicados na Folha de Dourados comprovaram o quanto a Teologia do Domínio é nociva à sociedade brasileira. Tatam-se dos artigos: Teologia do domínio à luz das escrituras: Refutação bíblica e teológica, Teologia do Domínio como Servidão Colonial: Quando o “Plano de Poder” Trai a Bíblia e o Brasil, Limitada teologia do domínio (Reconstrucionismo Cristão) no contexto brasileiro.

Em resumo, os textos expõem as raízes colonialistas da Teologia do Domínio, a hermenêutica forçada e a profunda inadequação ao contexto sócio-religioso brasileiro. Este artigo avança nessa crítica, argumentando que o declínio e desaparecimento da Teologia do Domínio não só são desejáveis, mas inevitáveis, especialmente quando confrontados com a vitalidade e os valores centrais do pentecostalismo brasileiro autêntico. A sociedade civil e as próprias comunidades de fé têm um papel decisivo nesse processo.

I. Pentecostalismo vs. Domínio: Incompatibilidade Essencial

A força vital do pentecostalismo histórico no Brasil reside em elementos diametralmente opostos aos pilares da Teologia do Domínio:

  1. Ênfase no Poder do Espírito vs. Poder Político-Temporal: enquanto o pentecostalismo tradicional enfatiza o batismo no Espírito Santo, os dons espirituais, a oração fervorosa e a ação sobrenatural de Deus para transformar vidas e comunidades de dentro para fora, a Teologia do Domínio busca o poder através de estruturas políticas, jurídicas e culturais de cima para baixo. O Pentecostalismo prega dependência do divino; o Domínio, controle humano em nome do divino.
  2. Conversão Pessoal vs. Domínio Coletivo: o coração do pentecostalismo é a experiência transformadora do novo nascimento em Cristo, levando à santificação individual e ao testemunho. A Teologia do Domínio desloca o foco para a imposição de uma ordem social “cristã”, muitas vezes minimizando a necessidade de conversão genuína em favor da conformidade externa às suas normas. O Pentecostalismo prioriza mudar corações; o Domínio, mudar leis para forçar comportamentos.
  3. Escatologia Iminente vs. Escatologia Postergada: a expectativa da iminente volta de Cristo, marcante no pentecostalismo, gera um senso de urgência para a evangelização e a vida santa, não para projetos seculares de longo prazo de dominação cultural. A Teologia do Domínio, ao postergar o milênio para depois da conquista do poder, seculariza a esperança cristã, amarrando-a a sucessos políticos efêmeros.
  4. Origem e Identidade Popular vs. Elite Teocrática: o pentecostalismo floresceu entre os marginalizados, oferecendo esperança e comunidade. A Teologia do Domínio, com o projeto de poder elitista e a visão freqüentemente excludente (como destacado no artigo sobre “Servidão Colonial”), é percebida como estranha e autoritária por grande parte da base pentecostal, que rejeita a complexidade teológica imposta e o distanciamento da piedade prática.

II. Raízes Podres: Por que o Declínio é Inevitável

Teologia do Domínio carrega em si as sementes da própria decadência:

  1. Falência Hermenêutica: como brilhantemente exposto na “Refutação Bíblica”, a leitura do Antigo Testamento (especialmente as leis civis de Israel) como mandato político permanente para os Estados modernos é uma violência ao contexto e à mensagem global das Escrituras. Ignora o caráter único da teocracia israelita e a natureza do Reino de Cristo, “não deste mundo” (João 18:36). Essa base interpretativa é insustentável diante de uma exegese séria.
  2. Projeto Colonial em Terra Pós-Colonial: o artigo publicado na Folha de Dourados acerta ao denunciar a Teologia do Domínio como “servidão colonial”. O modelo é importado, baseado em uma visão estadunidense de poder, e ignora brutalmente as complexidades, traumas e diversidades culturais do Brasil. Projetos de dominação cultural uniformizante estão fadados ao fracasso em nações plurais e com história colonial como a nossa. É uma rédea que não serve ao cavalo brasileiro.
  3. Autoritarismo Incompatível com a Democracia: o objetivo final é um Estado confessional cristão, impondo sua visão específica de moralidade e religião a todos. Isso é intrinsecamente autoritário e profundamente antidemocrático, corroendo o pluralismo e as liberdades fundamentais – valores que, apesar de todos os desafios, são caros à sociedade brasileira moderna.
  4. Semente de Divisão: dentro das próprias igrejas, a Teologia do Domínio é divisiva. O foco no poder temporal desvia recursos e energias da missão espiritual primária, cria conflitos entre os que buscam o “domínio” e os que priorizam o serviço e a piedade, e pode levar à idolatria do poder político, como alertado no artigo sobre o “Contexto Brasileiro”.

III. Caminho do Declínio: Como a Sociedade e as Igrejas Podem Acelerá-lo
O desaparecimento da Teologia do Domínio não será automático, mas pode e deve ser promovido:

  1. Fortalecendo o Pentecostalismo Autêntico:

Ênfase Renovada na Experiência do Espírito: igrejas pentecostais devem reafirmar a identidade carismática, priorizando cultos de adoração fervorosa, oração intercessora, operação dos dons espirituais e dependência do poder sobrenatural de Deus para a transformação, não de estratégias políticas.
Discipulado Centrado em Cristo: ensinar que a verdadeira transformação começa no coração do indivíduo redimido e se expressa em amor ao próximo, serviço humilde e santidade de vida – não na conquista de cargos ou imposição de leis.
Escatologia Bíblica Clara: reafirmar a esperança na volta iminente de Cristo e o caráter celestial e espiritual do Reino, desvinculando a fé de projetos políticos terrenos de longo prazo.
Valorização da Base: dar voz e protagonismo às comunidades locais e aos fiéis comuns, cuja fé simples e prática é antítese do elitismo teocrático do Domínio.

  1. Educação Teológica e Crítica:

Expor as Falácias Hermenêuticas: seminários, pastores e líderes leigos devem ser equipados para identificar e refutar publicamente as distorções bíblicas usadas para fundamentar a Teologia do Domínio, utilizando análises como as presentes nos artigos citados.
Promover a Alfabetização Política Saudável: ensinar os fiéis a engajar-se civicamente com sabedoria, discernimento e respeito ao pluralismo, baseando-se em valores evangélicos de justiça, misericórdia e defesa dos vulneráveis, não em projetos de dominação religiosa.
História e Consciência Social: incluir nos currículos de formação cristã a reflexão crítica sobre colonialismo, autoritarismo e os perigos da fusão entre religião e poder de Estado, contextualizando para a realidade brasileira.

  1. A Sociedade Civil Vigilante:
    Exigir Transparência e Combater o Abuso de Poder: quando grupos influenciados pela Teologia do Domínio alcançam posições de poder, a sociedade deve ser vigilante contra qualquer tentativa de impor agendas religiosas específicas por meio do Estado, violando a laicidade e os direitos de minorias. Denunciar o autoritarismo disfarçado de fé.
    Valorizar e Amplificar Vozes Dissidentes: dar espaço e apoio a teólogos, pastores e líderes pentecostais (e de outras tradições) que se opõem publicamente à Teologia do Domínio e promovem a visão de fé mais humilde, servil e focada no espiritual.
    Promover o Diálogo Inter-Religioso e Pluralismo: fortalecer iniciativas que celebram a diversidade religiosa e cultural do Brasil, demonstrando na prática que uma sociedade justa e harmoniosa não requer a hegemonia de uma única visão religiosa, mas o respeito mútuo e o cumprimento das leis democráticas.

Conclusão: Vitória da Humildade sobre a Hubris

A Teologia do Domínio é um projeto de poder nascido da hubris, da ilusão de que os cristãos podem e devem impor o Reino de Deus pela força do Estado. Ela trai o exemplo de Cristo, que rejeitou o poder político mundano (Mateus 4:8-10), lavou os pés dos discípulos (João 13) e governa pela força do amor e da verdade. O declínio é necessário porque é espiritualmente incoerente, biblicamente infundado, socialmente perigoso e culturalmente alienígena ao Brasil.

O caminho para o desaparecimento da Teologia do Domínio passa pelo renascimento do pentecostalismo autêntico – aquele que busca o fogo do Espírito, não o trono do poder; que transforma vidas pelo amor, não pela lei; que espera a cidade celestial, não um império terrestre. Passa também por uma sociedade civil ativa, que defenda a democracia, o pluralismo e a laicidade do Estado contra projetos teocráticos.

Ao rejeitar a sedução do domínio temporal e abraçar novamente a humildade, o serviço e a dependência do Espírito Santo, as igrejas pentecostais brasileiras não apenas se libertarão da importação teológica nefasta, mas redescobrirão a força original e a verdadeira vocação: ser sal e luz no mundo, não os juízes e os governantes. Esse é o caminho da relevância duradoura e da fidelidade ao Evangelho. O domínio que importa é o de Cristo nos corações, não o dos cristãos sobre as nações.

*Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.

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