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‘O custo oculto das obras públicas: Quando o orçamento vira promessa vazia’, por Marcos Granzoti

Por Marcos Granzotti (*) –

O artigo aborda uma problemática recorrente e danosa na administração pública brasileira: a emissão de ordens de serviço para obras ou serviços sem a garantia prévia de recursos financeiros para o pagamento. Essa prática, embora possa parecer um atalho para a celeridade na execução de projetos, é uma grave ilegalidade, violando princípios constitucionais e infraconstitucionais caros à gestão pública, como a legalidade, moralidade, eficiência, economicidade e, crucialmente, a responsabilidade fiscal.

Ela contraria frontalmente dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), especialmente seu Art. 16, que exige a prévia e suficiente dotação orçamentária para a realização de despesas, e a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), que em seu Art. 92, inciso IV, e Art. 136, condiciona a emissão de ordens de serviço e o início da execução contratual à existência de empenho prévio. O empenho é o ato da autoridade competente que cria para o Estado a obrigação de pagamento, reservando a dotação orçamentária necessária e intransferível para aquela despesa específica, garantindo a disponibilidade financeira antes mesmo da contratação.

As consequências dessa irresponsabilidade são devastadoras para as empresas contratadas, especialmente para as pequenas e médias empresas (PMEs), que possuem menor capacidade de absorver choques financeiros. A falta de pagamentos causa uma asfixia financeira aguda, comprometendo severamente o fluxo de caixa, inviabilizando investimentos e forçando as empresas a contrair empréstimos bancários com juros elevados para honrar seus compromissos imediatos. Isso gera um profundo desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, pois a equação original de custos e receitas é alterada drasticamente, muitas vezes tornando a continuidade da obra insustentável.

O impacto transcende a empresa, gerando um perigoso efeito dominó: fornecedores não são pagos, salários de funcionários atrasam ou resultam em demissões em massa, impostos deixam de ser recolhidos. Em casos extremos, essa situação pode levar à falência da empresa, à perda de empregos e a um aumento do custo Brasil, pois o mercado passa a precificar o elevado risco de calote em futuras contratações públicas, encarecendo os serviços para toda a sociedade e comprometendo a reputação da própria administração pública.

Para o gestor público que adota tal prática, as consequências são severas e de múltiplas esferas. Ele pode ser responsabilizado por improbidade administrativa, conforme a Lei nº 8.429/92 (alterada pela Lei nº 14.230/21), especialmente nos artigos que tratam de atos que causam prejuízo ao erário (Art. 10) ou que atentam contra os princípios da administração pública (Art. 11), como a legalidade e a moralidade. As sanções podem incluir o ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por até 14 anos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público. Além disso, a conduta pode configurar crimes contra as finanças públicas, previstos no Código Penal (e.g., Art. 359-D, que trata da ordenação de despesa não autorizada), com penas de prisão.

Os Tribunais de Contas (TCs) exercem um papel fiscalizador crucial, podendo julgar as contas do gestor como irregulares, imputar débito (obrigação de ressarcir o erário), aplicar multas e até mesmo declará-lo inidôneo para exercer cargos públicos por determinado período. Essas punições visam não apenas coibir a má-gestão e o desrespeito à lei, mas também restaurar a confiança na administração pública e garantir a accountability dos agentes.

O artigo também destaca que as empresas não estão desamparadas, mas devem agir proativamente. Elas devem adotar medidas preventivas robustas, como a realização de uma due diligence pré-contratual para avaliar a saúde financeira e o histórico de pagamentos da entidade pública, exigir a comprovação do empenho para cada etapa ou parcela do contrato e documentar rigorosamente todo o processo de comunicação e execução. A implementação de um programa de compliance interno, com foco na análise de riscos contratuais, é fundamental. Em caso de inadimplemento, as empresas conhecem seus direitos legais, que incluem:

Juros e correção monetária: Sobre os valores atrasados, calculados com base em índices oficiais (e.g., IPCA) ou conforme previsão contratual, visando preservar o poder de compra da moeda.

  • Direito de suspender a execução do contrato: Após 60 dias de atraso no pagamento, conforme previsto na Lei nº 8.666/93 (Art. 78, XIV) e reiterado na Lei nº 14.133/2021 (Art. 137, §2º), mediante formal comunicação à administração.
  • Rescisão contratual: Em último caso, com direito a indenização pelos prejuízos sofridos, incluindo lucros cessantes (o que a empresa deixou de lucrar) e danos emergentes (custos diretos incorridos).
  • Ações judiciais: Possibilidade de acionar o poder judiciário por meio de Ação de Cobrança para reaver os valores devidos, ou Mandado de Segurança em casos específicos de direito líquido e certo.
  • Acionamento dos órgãos de controle: Apresentação de Representação ou denúncia aos Tribunais de Contas ou ao Ministério Público, para que investiguem a conduta do gestor e exijam as devidas responsabilizações.

Em conclusão, a prática de emitir ordens de serviço sem a devida cobertura financeira é um atentado contra o planejamento, a boa gestão e a honestidade na Administração Pública. Ela não só compromete a vida de empresas e trabalhadores, levando à falência e ao desemprego, mas também atrasa o desenvolvimento do país, deixando obras essenciais paralisadas e alimentando um ciclo vicioso de desconfiança, desperdício e ineficiência.

A conscientização de gestores sobre as graves consequências dessa irresponsabilidade, somada à proatividade e ao conhecimento dos direitos por parte das empresas, é fundamental. É preciso que o respeito à lei, à responsabilidade fiscal e aos princípios da administração pública seja a regra, e não a exceção. Somente assim poderemos construir um futuro em que a promessa de uma obra pública se traduza em concreto, qualidade e benefício real para todos os brasileiros, sem o custo oculto da irregularidade e da irresponsabilidade com o dinheiro do contribuinte. É um dever de todos exigir que o dinheiro público seja tratado com a seriedade e o respeito que ele merece.

(*) MARCOS ANTONIO GRANZOTTI BILLY – Advogado Criminalista. Graduado em Direito pela UNIGRAN – Centro Universitário da Grande Dourados. Especialização em Direito Penal e Processo Penal pela Escola de Direito da Associação Sul-Mato-Grossense dos Membros do Ministério Público (EDAMP). Ex-Seminarista Diocesano do Seminário Sagrado Coração de Jesus.

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