(*) Mário Cezar Tompes da Silva –
Decidido a usufruir o feriado do dia do trabalhador na companhia de meu neto, achei que seria uma boa ideia levá-lo a um passeio no Parque do Lago. O dia havia amanhecido ensolarado e com uma temperatura agradável, típica de um outono generoso. Uma manhã luminosa e um clima suave, ideais para caminhar e divertir-se ao ar livre.
Com muito bom ânimo chegamos os três (eu, minha esposa e meu neto) no parque. Entre capivaras, playgrounds, pista de caminhada e diversas árvores, eram muitas as promessas para desfrutar aquela manhã luminosa.
No entanto, a medida que íamos adentrando o local fomos nos deparando com uma paisagem de tal forma arruinada que a sensação era que já não estávamos em um parque, mas em meio a um desastre. Era como se um dilúvio bíblico tivesse se abatido sobre aquele local infeliz. Um extenso lamaçal recobria boa parte do que anteriormente era um gramado verdejante e acolhedor. Em meio à área recoberta de lama se destacavam aqui e acolá poças de água estagnada de aparência e odor bastante desagradáveis.
Em meio a toda essa paisagem desolada, bravamente resistiam em pé, com o restinho de dignidade que lhes sobrou, algumas tendas brancas que haviam sido montadas para abrigar as comemorações da Festa da Páscoa, evento organizado pela prefeitura alguns dias antes.
Nada havia escapado à sanha do lamaçal que, além do gramado, também soterrou o playground e trechos da pista de caminhada. Aparentemente com o objetivo de minimizar os efeitos da lama e permitir, de alguma forma, a circulação dos visitantes durante a festa, foi espalhada uma espessa cama de palha de arroz sobre a argila pastosa e encharcada de chuva. No entanto, com os graciosos raios luminosos daquele primeiro de maio interagindo e fermentando toda aquela palha molhada, nós, visitantes, éramos recepcionados com um não tão gracioso bafo rançoso, suficientemente abominoso para abortar qualquer intenção de permanência em um parque que paulatinamente ia ganhando os ares sulfurosos do inferno de Dante Alighieri.
A ideia do passeio havia sido minha, porém o bom senso e, mais do que isso, a crescente indignação da esposa e do neto recomendaram uma pronta retirada do local. Foi um dos passeios mais breves que já realizamos.
O relato acima talvez soe severo demais com a iniciativa da prefeitura de realizar a festa da Páscoa. Para sermos justos, temos que reconhecer o acerto do poder público em promover eventos em espaços públicos. É uma maneira correta de estimular os douradenses a frequentarem mais o parque. A melhor forma de preservar e garantir a segurança daquela área é colocar gente lá. Os espaços que não são capazes de atrair pessoas morrem. Eles tornam-se desertos, são depredados e pichados. Vejam, por exemplo, o destino da praça do Cinquentenário!
No caso da festa da Páscoa, embora a prefeitura tenha acertado na forma, se equivocou (e muito) nos meios. O Parque do Lago é uma área ambientalmente frágil, aliás é um local de proteção ambiental em função das muitas nascentes presentes e com lençol freático muito próximo da superfície. Ali não devem ser realizados eventos de muito grande porte que exijam montagem de muitas estruturas. Isso pressupõe a entrada no parque de caminhões e automóveis para transportar materiais diversos.
Apenas alguns dias antes do evento, passando pelo parque, presenciei um caminhão basculante carregado de terra circulando pela pista de caminhada que havia, há bem pouco tempo, sido recapeada. Essa pista foi planejada para pessoas, não possui uma base para suportar o peso de automóveis, tão pouco de caminhões basculantes carregados que facilmente chegam a atingir quinze toneladas.
Aliás, no dia que levei meu neto ao parque presenciei um automóvel de um órgão da imprensa circulando na mesma pista de caminhada. Mais grave, a viatura da Guarda Municipal faz regularmente sua ronda utilizando-se da mesma pista. Não necessito de bola de cristal para prever vida bem curta para a pobre pista que deveria ser exclusivamente de caminhada. Naquele mesmo dia já me deparei com trechos afundados e guias arrebentadas na pista recém-inaugurada. Em poucas palavras, dinheiro público sumindo no sorvedouro do mau uso.
Boa parte da lama que recobria o que antes era um bonito gramado foi, em boa medida, resultado da circulação de automóveis durante a montagem do evento. Não era tão difícil imaginar que colocar carros e caminhões circulando em um solo encharcado por chuvas intensas ocorridas antes e durante a festa e com o lençol freático aflorando na superfície seria receita assegurada para um desastre. E infelizmente o desastre se abateu sobre o parque. O triste resultado continuava em exposição no feriado do primeiro de maio quando visitamos o local. Tudo isso decorreu de equívocos que poderiam facilmente ter sido evitados.
Como afirmei antes, realizar festas e outros eventos no parque é uma excelente ideia. Porém, há que se respeitar as limitações ambientais da área. Sobretudo, há que, de imediato, restringir ao máximo a circulação de automóveis e caminhões naquela área. A começar pela Guarda Municipal que poderia realizar suas rondas com motocicleta no lugar da pesada viatura que continua a circular e a comprometer a integridade da pista de caminhada. Essa última denominação não é por acaso. Significa exatamente o que anuncia: uso exclusivo para os que caminham.
(*) Professor de Planejamento Urbano. E-mail: [email protected]