Juliel Batista –
Às vésperas de lançar “A Revolta da Natureza“, o engenheiro agrônomo Ermínio Guedes, de 73 anos, comentou sobre uma das temáticas mais atuais do mundo contemporâneo: o meio ambiente.
Consultor ambiental experiente, o autor destaca que essa temática sempre esteve ligada à sua trajetória — seja pelos erros cometidos no passado, seja agora, ao tomar consciência dessa “natureza revoltada”. Ermínio pontua que este livro é uma forma de mostrar às pessoas que ainda há tempo de se arrepender dos erros cometidos contra a natureza e tomar um novo rumo, assim como ele próprio fez.
“Eu também errei, por ofício profissional servi a Revolução Verde, aplicando DDT e, com certeza, gerando sequelas que ainda não acabaram.”
Ermínio, ao longo de sua obra, deixa claro que, se não houver uma mudança estrutural na governança global e nas atitudes das pessoas, o mundo não suportará até o final do século.
“O que está no Livro é o óbvio. Se a ganância do agronegócio por riqueza individual, às custas da natureza, não for contida, tudo acabará até o final do século, sim.”
A obra “A Revolta da Natureza” terá um de seus lançamentos previstos durante a FELIT-MS (Feira da Literatura de Mato Grosso do Sul), que chega à sua 5ª edição entre os dias 4 e 6 de junho, na Câmara Municipal de Dourados.
Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Folha de Dourados – Sua obra trata de um tema importante e de alta relevância para a sociedade contemporânea: o meio ambiente. Nesse sentido, gostaria de saber quais foram as motivações que te levaram a escrever o Livro “A Natureza Revoltada”?
Erminio Guedes – Encontrei duas fortes motivações para o Livro. Primeiro, depois da trajetória ambiental, trabalhei mais 10 anos em diversos municípios de Mato grosso do Sul, em educação e organização social e produtiva, em comunidades pobres. Conversei com mais de 15 mil pessoas, rurais e urbanas, tratando de problemas e soluções às suas dificuldades. Todos impactados pela degradação ambiental, na saúde, na produção e na qualidade de vida.
Segundo, em 2015, o Papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si e me tocou profundamente. Entendi que haviam razões e conhecimentos suficientes para colocar no debate público o problema do século – Aquecimento Global, Efeito Estufa e a iminência de colapso ambiental e climático. Então, escrevi sobre a questão maior, da salvação das pessoas e de toda a biodiversidade natural, perante as mudanças e os desastres climáticos.
“Entendi que haviam razões e conhecimentos suficientes para colocar no debate público o problema do século – Aquecimento Global, Efeito Estufa e a iminência de colapso ambiental e climático.”
Folha de Dourados – Nos últimos anos, especialmente entre 2019 e 2023, o país registrou altas taxas de desmatamento, com a fauna e a flora sendo severamente impactadas. Essa temática é abordada em sua obra, de que forma?
Ermínio Guedes – Sim. O desmatamento é o principal só no Brasil, porque 70% das emissões de carbono na atmosfera, saem do meio rural, no uso da terra pela agropecuária. De 2019 a 2023, o governo acordou monstros adormecidos e os soltou com cheque em branco a perseguir implacavelmente a natureza. O resultado foi perto de 100 mil Km2 de florestas queimadas, principalmente na Amazônia e no Cerrado, exatamente onde mais cresceu a agropecuária. Nesse período, desgraçadamente o Brasil formou o maior estoque de criminosos ambientais do Planeta, a exemplo daqueles que patrocinaram o “dia do fogo”, em 2019, no estado do Pará.
“De 2019 a 2023, o governo acordou monstros adormecidos e os soltou com cheque em branco a perseguir implacavelmente a natureza.”
Folha de Dourados – Ao longo da obra, diversos gráficos, tabelas e outros recursos demonstram que, caso o ritmo de desmatamento continue, o planeta não suportará. Como você chega a essa conclusão?
Ermínio Guedes – O que está no Livro é o óbvio. Se a ganância do agronegócio por riqueza individual, às custas da natureza, não for contida, tudo acabará até o final do século, sim. Nos últimos 6 anos o Brasil queimou mais de 300 mil km2 de florestas, logo se o rito continuar, em mais 75 anos bateremos os 3,5 milhões de Km2 de florestas existentes no País e tudo estará perdido. Acho que os nossos netos não merecem essa herança.
Falo em acabar porque o Brasil sem florestas é como um rio sem água, nada mais será possível, a não ser àqueles que viverão como frangos, confinados em bolhas de ar condicionado, comendo alimentos artificiais, tomando ansiolíticos e esperando o tempo passar. No atual cenário, não pessimista, a previsão é de elevação da temperatura do Planeta em 3oC de (o Acordo de Paris prevê limite de 1,5oC) e, acima dos níveis pré-industriais, situação esse em que poucas espécies sobreviverão.
“Se a ganância do agronegócio por riqueza individual, às custas da natureza, não for contida, tudo acabará até o final do século, sim.”
Folha de Dourados – Pensando em um mundo mais sustentável, e considerando o conteúdo do seu livro, você acredita que ainda é possível construirmos uma sociedade sustentável?
Ermínio Guedes – Sim. Mas, as pessoas precisam “cair no real”, pois não há mais tempo a perder. Precisamos mobilizar a recuperação de passivos ambientais, fechando fábricas do venenos urbanos e mais o crematório ambiental rural. Com urgência, as cidades precisam de políticas ambientais sérias e o rural desintoxicar o meio ambiente, replantando as reservas legais (APP e ARL), além de diminuir o veneno no alimento. A população precisa assumir a legalidade, quebrando a economia carbonizada, em favor da Bioeconomia.
“(…) as cidades precisam de políticas ambientais sérias e o rural desintoxicar o meio ambiente, replantando as reservas legais (…)”
Folha de Dourados – Como você avalia as políticas ambientais que vêm sendo implementadas nas esferas municipal, estadual e federal?
Os municípios, com raras exceções, não têm política ambiental. Fazem acordos ridículos, de compensações ambientais e usam mal o dinheiro que recebem. Não fazem educação ambiental e enterram ou queimam o dinheiro no lixo. O saneamento básico é um horror, razão de doenças endêmicas, cada vez maiores. A descarbonização deve começas nos municípios, mas para isso, as comunidades precisam assumir as mudanças.
Os estados, não cumprem a constituição Federal e se omitem na implantação do Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE), o instrumento da regulação do que pode ser feito em cada ecossistema. Em Mato Grosso do Sul, sem ZEE, o Pantanal está acabando e a serra da Bodoquena, vai no mesmo caminho. Os estados, deveriam pactuar com a sociedade planos de emissões de “carbono zero” em seus territórios e colocar os limites nas exigências do licenciamento ambiental.
Em nível nacional, a questão ambiental não avança e mais retroage, a exemplo do Código Florestal, da Comissão de Biosegurança e da lei dos agrotóxicos, tudo indo para o ralo pelas mãos erradas do Congresso Nacional. Não tem polícia que segure as milícias ambientais, quando estão em conluio nas altas esferas da república. Se o povo não entender a gravidade dessa situação, continuaremos em direção ao precipício, pois a maioria dos atuais governos, estão sob comandos políticos de negacionistas climáticos.
“Se o povo não entender a gravidade dessa situação, continuaremos em direção ao precipício, pois a maioria dos atuais governos, estão sob comandos políticos de negacionistas climáticos.”
Folha de Dourados – O mundo tem debatido cada vez mais o papel dos Estados nas políticas ambientais, com o objetivo de melhorar a qualidade ambiental. Nesse contexto, gostaria de saber sua análise sobre a efetividade desses encontros.
Ermínio Guedes – O Brasil nunca teve uma política de desenvolvimento sustentável. Sempre teve arranjos desonestos de saquear a natureza por riqueza individual. Temos uma política de rapinagem ambiental e não de desenvolvimento. Algo maior é rejeitado pelo sistema econômico financeiro, para não perder lucro. Isto é, a acumulação é uma estratégia da economia carbonizada para controlar o que produzir, onde, quanto, com quem, para quem e a que preço vender, para maiores lucros. Ninguém é contra o lucro, mas todos tem a obrigação de estancar a sangria, na transferência de renda dos pobres aos ricos.
“Temos uma política de rapinagem ambiental e não de desenvolvimento. Algo maior é rejeitado pelo sistema econômico financeiro, para não perder lucro.”
Folha de Dourados – O meio ambiente realmente não é capaz de se regenerar?
Ermínio Guedes – A morte da natureza é a própria morte do homem e a regeneração plena é impossível. A natureza degradada, não será mais a mesma, porque a multifuncionalidade físico-químicas, bióticas e abióticas, construídas em milhares de anos, foi destruída. Mas é possível plantar árvores, controlar a erosão e, no médio prazo, recuperar a capacidade fotossintética do lugar, para a água voltar, a temperatura melhorar e o ar limpar. O simples isolamento de uma área, em 30 anos pode ter essas virtudes recuperadas e a biodiversidade voltar a crescer. Se o homem ajudar mais, esse tempo pode abreviar.
“A morte da natureza é a própria morte do homem e a regeneração plena é impossível.”
Folha de Dourados – Qual é a sua expectativa para a COP 30, que será realizada em Belém, no Pará? Você acredita que ela trará resultados concretos?
Ermínio Guedes – Uso a fala do presidente Lula, na COOP28. “O planeta está farto de acordos não cumpridos, em metas negligenciadas e discursos vazios e chegou a hora de atitudes concretas”. “É hora do debate sobre a descarbonização do planeta e por menos dependência aos combustíveis fósseis”. Então, o que se espera na COP30 são decisões efetivas ao combate do Aquecimento Global e gestos concretos de apoio ao Mercado de Carbono. Uma sinalização ao Brasil ganhar dinheiro com a floreta em pé, em vez de derrubá-la para ganhar menos. Os brasileiros podem sonhar com a neutralidade de carbono na atmosfera e com mais qualidade de vida.
“(…) o que se espera na COP30 são decisões efetivas ao combate do Aquecimento Global e gestos concretos de apoio ao Mercado de Carbono.”
Folha de Dourados – Houve alguma inspiração específica para a escolha desse tema?
Ermínio Guedes – Todos têm direito ao arrependimento, como está na Bíblia. Assim como fez o colega José Lutzenberger, depois de trabalhar em companhia multinacional de agrotóxicos na Europa, voltou para corrigir o erro e ser um dos maiores ecologistas do Brasil. Eu também errei, por ofício profissional servi a Revolução Verde, aplicando DDT e, com certeza, gerando sequelas que ainda não acabaram. O meu Livro, não deixa de ser uma reparação aos erros ambientais cometidos e um pedido de desculpas, recomendando a outros que não errem.
“O meu Livro, não deixa de ser uma reparação aos erros ambientais cometidos e um pedido de desculpas, recomendando a outros que não errem.”
Folha de Dourados – Considerações finais:
Ermínio Guedes – Resta convidar a população a este desafio educativo. Sim, o recomeço é pela educação, investindo nos sonhos de uma geração que deseja um mundo melhor para viver e ser feliz. O meu livro mostra as razões da Revolta da Natureza e propõe a concertação. Acho perfeitamente possível a sociedade sustentável, basta querer e lutar pelo equilíbrio social, preservação e conservação ambiental, respeito as culturas locais, mediante a descarbonização da economia e melhor trato político à natureza. Entender que a natureza levantou a sua voz, como nunca fez antes e cobra a conta, que será para pelos mais pobres. A saída é mudar o modelo, fazendo a transição da economia carbonizada à economia verde.
“O meu livro mostra as razões da Revolta da Natureza e propõe a concertação.”
